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Dos procedimentos metodológicos à interpretação dos dados

A) O ponto de vista dos/as professores(as)

IV. 3.2.3 Satisfação profissional

No âmbito da análise relacionada com as profissionalidades docentes foi também importante compreender qual o grau de satisfação profissional dos docentes da escola em estudo.

a) O ponto de vista dos/as professores(as)

Da análise aos discursos dos/as professores/as ressaltam argumentos que evidenciam um sentido de satisfação profissional associado às relações interpessoais estabelecidas na escola com alunos ou com os colegas. O pensamento expresso no seguinte excerto é bem ilustrativo desta ideia:

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“(...)a minha maior satisfação é o relacionamento interpessoal. O relacionamento com as pessoas é o que mais me encanta nesta profissão. O relacionamento com as pessoas com quem trabalho e com as crianças.” (E9)

No que respeita aos alunos a satisfação vai muito no sentido do reconhecimento da adesão às propostas pedagógicas e do gosto de trabalhar com crianças:

Satisfação é ver os miúdos entusiasmados com uma tarefa que eu programei. (...)Gostei da atitude delas e da atitude dos outros”(E1);

“É muito gratificante trabalhar com estas crianças,.. estar com as criança no dia a dia. Estar em

contacto permanente com elas (...) “ (E2);

“O trabalho com os alunos é um trabalho que me dá gozo porque é vê-los crescer...” (E5);

“(...).aqui além de ser professora sou também uma amiga, eles às vezes até se enganam e em vez de

chamar professora chamam mãe ou tia. É como se fosse da família já” (E12).

Associada a esta dimensão relacional e afectiva da profissionalidade docente surge também como fonte de satisfação profissional o sucesso dos alunos ao nível das aprendizagens escolares.103

“(...)é muito gratificante ver um grupo de crianças que tinham cinco anos de escolaridade, era o sexto comigo, e não sabiam ler. Chegaram ao fim do ano lectivo e eram capazes de ler, desenrascar- se e comentar uma notícia.”(E2);

“O que me dá satisfação é eles aprenderem a matéria, a gente pergunta no fim do dia o que demos

hoje e eles dizem tudo direitinho(...)”(E12);

“O que me dá maior satisfação é sobretudo quando trabalho com o primeiro ano em que os vejo

evoluir, a começar a ler, a ganharem gosto pela leitura, a tornarem–se independentes e autónomos.(...).” (E3);

“Quando os alunos se portam mal, fazem as suas travessuras e nós conseguimos chegar a eles e levá-

los a uma introspecção, de forma a terem consciência que estiveram mal e irem mudando os seus comportamentos”(E6).

Estas declarações ilustram, de facto, uma satisfação profissional associada ao sucesso dos seus alunos não só ao nível da aquisição de conteúdos mas também em relação ao desenvolvimento de competências sociais.

São também apresentados argumentos que apontam para a importância de um ambiente de trabalho acolhedor e a sua determinação no gosto das crianças pela escola e no enaltecimento da profissão docente:

“Sinto satisfação é quando vejo que as coisas correm bem e quando uma pessoa está num ambiente

acolhedor em que os meninos se sentem felizes. Quando sinto que os meninos gostam de vir à escola e se sentem cá dentro felizes.” (E5);

103 Apesar de os alunos não serem apontados como aspectos positivos da escola (quadro nº.10 in Anexo 10) eles são considerados o centro

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“(...)é conseguir uma grande cumplicidade com os meus alunos e com os pais deles. É sentir-me bem com quem trabalho. Claro que isso também implica um bom relacionamento com os meus colegas e com as auxiliares.(...)(E7);

“Esse feedback professor – aluno é que torna fantástico o ambiente na sala de aula e nos dá

reconhecimento da importância da nossa profissão” (E6).

Apesar de a tónica ser nos aspectos relacionados com a satisfação profissional os discurso deixam também transparecer alguns aspectos de insatisfação. Estes, embora não sejam muito referidos, surgem associados às tarefas burocráticas ou aos conflitos com elementos da comunidade educativa.

Toda a burocracia de papéis. Alterava isso tudo! Acho que nós fomos feitos para formar e não para trabalhar com tanto papel”(E2);

“Quando alguma coisa corre mal, quando há um problema com pais ou com alunos, quando há

algum conflito com alguma colega, isso faz com que o dia corra mal e com que eu tenha vontade de ir embora mais rápido. Quando as coisas correm bem, sinto-me cá bem e nem tenho vontade de sair”

(E5);

Dos dados analisados ressaltam como ideias síntese representativas da satisfação profissional, a boa relação com os alunos e os colegas, o bom ambiente de trabalho, o clima de aprendizagem e o sucesso dos alunos. No que respeita aos aspectos de maior insatisfação, aponto as tarefas de ordem burocrática e os conflitos interpessoais com colegas e restante comunidade envolvente.

Ao solicitar às/aos docentes palavras a que associassem aspectos positivos/negativos da escola, eles colocaram mais uma vez a tónica na satisfação para com as relações interpessoais realçando também o modo peculiar de trabalho pedagógico-curricular existente na escola e fortemente apoiado no trabalho em equipa. Em consonância com as ideias que tenho vindo a explicitar em relação aos traços mais significativos do ethos da escola e tendo em conta o sistema categorial de base à análise, elaborei o quadro nº.10 (Anexo 10) que dá conta do modo como os/as professores/as entrevistados/as vêem a escola, evidenciando aspectos positivos e negativos que a ela associam.

A leitura do quadro permite-nos constatar que todos os/as entrevistados/as apontam como aspecto positivo as relações profissionais e pessoais à excepção de uma entrevistada que o aponta como negativo, pelos conflitos que gera. Assim, os depoimentos destes/as professores/as valorizam o bom clima de trabalho existente na escola, associando-o à dimensão relacional e afectiva das profissionalidades: o facto de se sentirem pertença de um grupo e de se sentirem bem emocionalmente. Note-se que todos os docentes entrevistados/as expressam satisfação por estar a trabalhar na escola, à excepção da E12 que, nos argumentos que expressa, não é muito clara. Os excertos que se seguem ilustram a ideia dos/as restantes entrevistados/as:

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“Aqui foi onde estive mais tempo… (...) em termos de estabilidade só conheço esta escola. (...) Eu

como professora tinha necessidade de me sentir pertença de algum sítio. (...) Mas estou à vontade, o pertencer, o sentir-me em casa, tão em casa como na minha própria casa. ” (E1);

“Quando venho para a escola estou feliz. Acho que também é o que os miúdos sentem”(E3);

“(...) é um sítio agradável de trabalhar. Por muito trabalho que haja há sempre alegria”(E8).

As práticas de trabalho, caracterizadas como diferentes, apelativas, inovadoras,

dinâmicas são também apontadas como ponto positivo da escola. Este sentimento de

satisfação poderá estar associado ao facto de o envolvimento em projectos criar um sentimento colectivo de autoria desses mesmos projectos e de maior eficácia da sua intervenção educacional. Desta forma, os/as entrevistados/as revelam estar satisfeitos não só com o clima da escola e com os seus recursos,104 mas também com o seu próprio desempenho profissional associando as boas condições existentes na escola ao trabalho docente, assim como associam ao orgulho de pertencerem a esta organização um certo orgulho profissional e uma confiança nas suas capacidades profissionais.

IV.3.2.4- - Uma síntese dos dados relativos à dimensão Profissionalidadesdocentes

A análise dos dados permitiu alinhar um conjunto de aspectos evidenciados pelos/as docentes da EB1 em estudo e que são configuradores das profissionalidades. Os discursos evidenciam que os docentes:

i) Apresentam uma visão alargada da sua responsabilidade e definem o trabalho docente de forma ampla, não o limitando às tarefas desenvolvidas na sala de aula. A planificação e preparação das aulas são consideradas partes importantes do trabalho docente sendo realizada maioritariamente com pares.

ii) Enfatizam a gestão da classe, incentivando a formação de pequenos grupos homogéneos que facilitem essa gestão. Apesar de criticada por alguns docentes, prevalece uma lógica disciplinar nos processos de trabalho na sala de aula. iii) Apresentam alguns traços de um/a professor/a configurador/a do currículo visto

desenvolverem, na sala de aula, um trabalho não centrado no programa. Contudo, o manual apesar de não ser reconhecido, por alguns docentes, como elemento estruturante do trabalho, está quase sempre presente no desenvolvimento e planificação da actividade docente, sendo muitas vezes o único referencial comum aos docentes de cada ano de escolaridade. Apesar

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Consideram os recursos suficientes e satisfatórios. Apesar de apontarem algumas falhas ao nível do material informático (E10,11 e 4) dos espaços (E5 e 9), do material didáctico (E6 e 12) ou dos recursos humanos: terapeutas e apoios sócio educativos(E2 e 9) sublinham que a escola está bem equipada em comparação com outras onde trabalharam ou que contactaram. Algumas entrevistadas associam a existência de bons recursos na escola ao próprio trabalho docente: “Eu acho que as condições somos nós que as adquirimos. Isto é, nós é que preparamos

as condições de trabalho. Os recursos, com a equipa que cá temos de colegas, vamos tentando construir recursos para satisfazer as nossas necessidades”(E2.;

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disso, alguns/mas docentes preocupam-se em incorporar nos processos de aprendizagem, as sugestões dos alunos, seguindo princípios de flexibilização curricular, o que pode indiciar também uma visão do aluno como sujeito central na construção da sua aprendizagem e a valorização da dimensão afectiva relacional.

iv) Assumem o trabalho com pares como central ao exercício da sua profissionalidade. Desenvolvem em conjunto diferentes tipos de tarefas relacionadas quer com a organização do trabalho, quer com os próprios processos de aprendizagem dos alunos. Este trabalho conjunto, nomeadamente: i) a partilha de material de suporte às aulas, ii) o preenchimento de relatórios e documentos, ii) trabalho em par pedagógico, iii) conversas informais, iv) discussão de estratégias, v) a discussão de problemas, iv) a discussão sobre o processo de avaliação das aprendizagens dos alunos e v) os processos de reflexão sobre acção pedagógica, indicia um sentido configurador de uma profissionalidade ampla.

v) Não estabelecem uma distinção entre o “seu tempo” e o tempo da instituição. Na esteira de Correia e Matos (2001) gastam o tempo da sua “sociabilidade privada para ganharem um tempo institucional que lhes possibilite o desenvolvimento de uma sociabilidade institucional” (idem: 164). Assim, as trocas de impressões predominam durante os tempos de intervalo, usando o tempo de “conversação” para tomar algumas medidas, ou os momentos após as reuniões para discutir conteúdos, estratégias de abordagem e trocar materiais utilizados nas respectivas aulas. Trata-se, neste caso, de um sentido de decisão informal mas com uma validade institucional porque é resultante de processos de responsabilização partilhada.

vi) Valorizam o trabalho com pares, não só por melhorar o trabalho desenvolvido com os alunos, mas também pelo facto de possibilitar a construção do conhecimento e a partilha de experiência pedagógicas e, consequentemente, o crescimento profissional docente. O trabalho desenvolvido em conjunto surge também como protecção perante os mecanismos de regulação e controlo institucionais, assim como apoio ao docente perante as condições de trabalho intensas e socialmente problemáticas. Deste modo, o trabalho em conjunto desenvolve características de resiliência nos seus profissionais surgindo como um desafio colectivo que provoca respostas construtivas e de compromisso, mas também como suporte afectivo perante as adversidades diárias.

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vii) Partilham frequentemente constrangimentos, angústias e ansiedades nos momentos de trabalho com pares, principalmente em relação ao excesso de trabalho e ao comportamento dos alunos e/ou dos pais. Nesse sentido, compreenderemos o facto da insatisfação profissional dos docentes desta escola ser sobretudo associada às tarefas burocráticas e aos conflitos com colegas e comunidade. Na mesma linha da análise, a satisfação profissional está associada à dimensão relacional afectiva das profissionalidades docentes: a relação com os colegas, o gosto por trabalharem com crianças, a adesão às propostas pedagógicas ou o bom ambiente de trabalho. O sucesso obtido no trabalho ao nível dos resultados com os alunos, também surge como fonte de satisfação, no sentido em que é valorizada a aquisição de saberes académicos mas fundamentalmente a futura integração social e profissional.

viii) Discutem assuntos pedagógico-curriculares ou questões relativamente à organização escolar nos momentos de trabalho desenvolvidos com pares, apesar da frequência e intensidade deste debate aumentar quando estão envolvidas as docentes com mais anos de serviço na escola. Note-se que os temas discutidos não se referem somente a conhecimentos práticos ou estratégias de sala de aula e resultam frequentemente de assuntos não agendados: “curtos circuitos”. Estes factos permitem concluir que a reflexão está naturalmente presente no exercício das profissionalidades docentes dos/as professores/as da escola em estudo, afastando-se de uma colaboração confortável ou imposta institucionalmente. ix) Nem sempre usam os momentos de debate e de reflexão para tomarem decisões, já

que, por vezes, a falta de consenso dificulta a construção de estratégias de intervenção, os ajustes de recursos ou as práticas de ensino. No entanto, as reflexões proporcionadas permitem que os/as professores/as se comprometam e disponibilizem para construir e investigar alternativas curriculares inovadoras e introduzir mudança localmente, traços que se inscrevem num sentido de uma profissionalidade ampla.

x) Exprimem um sentimento de orgulho institucional característico do ethos de escola que se reflecte no discurso predominantemente positivo sobre a escola em relação, não só ao ambiente interpessoal mas também ao trabalho inovador que é desenvolvido. Revelam, assim, um sentimento colectivo de autoria de projectos curriculares e pedagógicos, reflectindo-se este orgulho institucional na confiança e segurança das capacidades profissionais docentes.

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Independentemente das características dos processos de trabalho na sala de aula, que não observei parece-me que há um conjunto de traços que são caracterizadores de um tipo de

profissionalidade colaborativa. Isto é, os dados revelam que nesta escola os professores

colaboram entre si e desenvolvem conjuntamente actividades que são por si entendidas como fundamentais no seu trabalho. Tais características aproximam-se do tipo de profissionalidade

ampla defendida por Hoyle (1980). No entanto, ao mesmo tempo determinados aspectos

indiciam traços de uma profissionalidade restrita (ibidem), nomeadamente: i) as críticas que fazem ao trabalho conjunto como sendo mais exigente do ponto de vista da planificação e a partilha que o trabalho em parceria exige e ii) o sentimento de perda de autoridade na sala, com os alunos, em relação à co-presença de docentes no mesmo espaço.