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3.1.1– Currículo de colecção e suas características

Ethos de escola e elementos que o edificam

II. 3.1.1– Currículo de colecção e suas características

O currículo de colecção, corresponde ao que tem sido considerado um modelo tradicional de organização curricular assente numa concepção de currículo enquanto colecção de disciplinas e constituído pelos saberes considerados válidos para serem ensinados na escola.

31Assim, na linha deste autor “a classificação refere-se ao grau de manutenção das fronteiras entre conteúdos, correspondendo a força da

fronteira ao aspecto distintivo crítico da divisão o conhecimento educacional” (in Domingos et al, 1985:154) Por outro lado o enquadramento “refere-se assim ao controlo que o professor e o aluno possuem sobre a selecção, organização, ritmagem e organização do tempo do conhecimento a ser transmitido –adquirido na relação pedagógica” (ibidem). Assim, “um enquadramento forte aumenta o poder do professor na relação pedagógica mas reduz o seu poder sobre o que ensina pois não pode ultrapassar a fronteira entre os conteúdos. Um enquadramento fraco permite um menor controlo central sobre o que é transmitido, mas mais opções à disposição dos alunos dentro das relações pedagógicas, assim como um menor isolamento entre o conhecimento escolar e não escolar”(idem: 156-7).

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Pacheco (2005) integra nesta perspectiva de currículo “as definições que apontam para o currículo como o conjunto de conteúdos a ensinar (organizados por disciplinas, temas, áreas de estudo) e como o plano de acção pedagógica, fundamentado e implementado num sistema tecnológico”(idem:33) Estamos assim, perante um conceito de currículo que no plano formal organiza “a aprendizagem num contexto organizacional, previamente planificado, a partir de finalidades e com a determinação das condutas formais precisas, através da formulação de objectivos”(ibidem). As características inerentes a este modelo de organização do currículo têm sido associadas a uma “orientação curricular técnica do currículo, que tem em Tyler o seu principal mentor” (Fernandes, 2007: 137).

A esta visão associa-se Leite (2002a) ao referir que este modelo de organização curricular, assenta numa lógica disciplinar e se traduz “num documento escrito – o plano – que minuciosamente enuncia(…) as intenções do ensino e dos assuntos a ensinar, bem como [d]os meios mais eficazes para os atingir” (idem:62). Assim, e recorrendo a Gimeno Sacristân (1988) posso com ele considerar que, este modelo de currículo “exprime o sentido de uma súmula de exigências académicas, decorrentes do tradicionalismo académico das disciplinas que constituem a lama curricular, e transforma-se num legado tecnológico e eficientista” (cit. in Pacheco, 2005:34). Nesta orientação, a escola fica assim remetida a uma função instrutiva.

Nesta linha podem ser situadas as ideias de Leite (2002a) ao defender que subjacente a este modelo curricular disciplinar está uma concepção de educação enquanto transmissão de uma cultura padrão, cujos propósitos curriculares indicam uma procura de estabilidade e uniformidade social. Assim, o objectivo deste modelo de organização curricular é formar cidadãos que respondam às necessidades da sociedade e do desenvolvimento económico, sendo a sua preocupação essencial, a definição das estratégias para que as aprendizagens dos alunos adquiram esse nível. Ao professor é exigido rigor na transmissão dos conhecimentos considerados válidos e garantir que os objectivos sejam atingidos.

No entender de Bernstein32, este currículo de colecção caracteriza-se por uma forte classificação e enquadramento o que significa que se estabelece uma relação fechada e hierárquica entre os conteúdos, conferindo um estatuto especial a alguns, e que o/a aluno/a adquire o conhecimento através de uma selecção, organização, ritmo e distribuição do tempo que lhe é imposta.

A divisão do conhecimento por disciplinas e o facto de os assuntos serem agrupados e bem determinados, impede de entrar no currículo planificado outro tipo de questões e de conhecimento. Assim, se por um lado, o conhecimento é visto como uma “simples colecção de fragmentos e retalhos de informação e destrezas organizados por disciplinas separadas”

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(Domingos et al, 1985:153) e a sua utilização está limitada às fronteiras definidas no currículo; por outro lado, o conhecimento é “encarado como «sagrado», a que nem todos têm acesso, e «misterioso», que só se desvenda no final da longa caminhada que é a educação” (idem:152). Em congruência com este sentido de conhecimento, Beane (2000), sublinha que neste currículo de colecção o conhecimento é tratado como uma espécie de capital “para acumulação e ornamentação cultural” (idem:48). Este autor explicita que o conhecimento considerado válido e portanto valioso “é restrito ao que se encontra sacralizado pelos estudiosos nas disciplinas académicas e outros de cultura dominante, organizado de formas que lhe são convenientes, e apresentados como uma espécie de “capital” acumulado para um determinado tempo futuro ou para ornamentação cultural” (idem:51).

Situando-me numa linha próxima de Bernstein que afirma que quanto mais forte for o enquadramento e classificação mais hierarquizadas e ritualizadas serão as relações sociais e o aluno visto “como ignorante, com baixo estatuto e com poucos direitos” (in Domingos. et al, 1985:152) refiro também, que este tipo de currículo apresenta uma forte imposição ao nível da organização, ritmo e distribuição do tempo, “marcada pelos alunos da classe média”(idem:161) que desfavorece os alunos não detentores deste tipo de cultura familiar.

Em síntese, no meu entender, neste modelo curricular: i) determinados conhecimentos académicos são valorizados em detrimento dos conhecimentos familiares e extra-escolares; ii) a disciplinarização fomenta nos/as docentes uma identidade específica com um acentuado sentido de pertença a uma área disciplinar; iii) o trabalho isolado é encorajado em detrimento da partilha de tarefas, limitando-se as relações sociais a “troca de impressões sobre problema de controlo disciplinar dos alunos” (in Domingos et al, 1985:161); iv) a administração e os actos de ensino são invisíveis para a maioria dos professores” (idem:164) e; v) estabelecem-se relações de trabalho hierárquicas que reflectem o facto do conhecimento, se organizar e distribui através de uma série de hierarquias perfeitamente isoladas33.

Os argumentos apresentados neste ponto concorrem para a ideia de que o isolamento profissional, a desvalorização cultural da comunidade envolvente, um clima interpessoal pouco afectivo e conflituoso assim como a preocupação pela vertente académica e pela integração social e profissional, poderão ser traços de um ethos de escola cuja organização curricular se paute pelo currículo de colecção.

33 Bersntein defende que neste modelo curricular, enquanto os professores mais antigos apresentam relações de trabalho horizontais e

verticais, os mais novos, de estatuto mais baixo, apenas apresentam relações de trabalho verticais dentro da hierarquia de um determinado campo de conhecimento. Justifica estas lealdades verticais pelo facto da socialização se ter realizado em identidades específicas dentro do departamento e isolada dos restantes num clima de competitividade quanto a recursos ou expansão (In Domingos et al, 1985:161).

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