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1.2 Profissionalidades docentes – em busca de um sentido

Profissionalidades Docentes

III. 1.2 Profissionalidades docentes – em busca de um sentido

De acordo com a análise explicitada no ponto anterior e da análise que fiz à literatura neste domínio, o conceito de profissionalidade é um conceito polissémico.

61 Inicialmente Hoyle (1980) identifica o profissionalismo e a profissionalidade como duas vertentes da profissionalização, no entanto mais

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Para Hoyle (1980) profissionalidade refere-se às atitudes dos membros de uma ocupação em relação à prática profissional e o grau de conhecimento e de competência que eles aplicam nessa tarefas. Neste sentido e admitindo que a atitude para com a prática profissional é sempre uma atitude subjectiva e, portanto, de ordem e controlo pessoal, mesmo que influenciada por variáveis contextuais, sociais políticas e culturais, opteipela designação profissionalidades, reconhecendo, na base destes pressupostos, que num mesmo contexto profissional existem diferentes tipos de profissionalidades.

Neste meu pensamento estou a ter em conta os argumentos de Hoyle (1980) relativos à

profissionalidade docente ampla e à profissionalidade docente restrita. Ao referir-se a uma

profissionalidade restrita, este autor descreve-a como:

“o bom profissional é sensível ao desenvolvimento de cada aluno, é um professor criativo e um hábil gestor da aula. Não concede importância à teoria, não compara o trabalho com o de outros, nem tende a compreender as actividades da sala de aula num contexto mais alargado, valorizando a sua autonomia na sala de aula” (Hoyle, 1980:49, citado em Day, 2001:22).

Assim, subjacente a este sentido de profissionalidade está a ideia de um profissional que não concede importância à teoria e que baseia a sua prática pedagógica essencialmente na experiência. Na linha deste autor, trata-se de um profissional que estabelece uma boa relação interpessoal e afectiva com os seus alunos, uma vez que a intenção é desenvolver as suas capacidades. Também desenvolve um bom trabalho dentro da sala de aula, gerindo bem o tempo e valorizando fundamentalmente o trabalho individual. Pelo facto de desenvolver a sua acção de forma desarticulada com os demais actores não estabelece com eles qualquer relação de colegialidade e/ou de colaboração que fomente o questionamento e a reflexão colectiva.

O conceito de profissionalidade ampla é descrito tendo por referência um profissional que

“inserir o seu ensino na sala de aula num contexto educacional mais alargado, comparando o seu trabalho com o dos outros, avaliando, de forma sistemática, o seu próprio trabalho e colaborando com o de outros” (ibidem)

Na perspectiva deste autor, uma profissionalidade ampla pressupõe que o/ professor(a) desenvolva um trabalho docente que ultrapassa o isolamento profissional da sala de aula, estabelecendo relações de colaboração/reflexão com os pares e outros actores educativos. Assim, as relações interpessoais e afectivas deste profissional não se restringem aos alunos.

Ou dito de outro modo, trata-se de um docente que

Ao contrário do profissional restrito, interessa-se pela teoria e pelos desenvolvimentos educacionais em curso (…), lê livros e revistas educacionais, envolve-se em várias actividades profissionais e preocupa-se em promover o seu desenvolvimento profissional através de um trabalho contínuo” (ibidem).

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Esta relação da actividade docente com o desenvolvimento profissional, a melhoria da educação e a “pesquisa”, relaciona-se com o sentido de professor investigador de Stenhouse (1987) visto que a atitude investigativa tem uma importância crucial no desenvolvimento dos modos de ensinar.

Corroborando esta visão da profissionalidade, realço, pois, a importância do trabalho com os pares reconhecendo que constitui um meio potenciador da análise e avaliação do trabalho docente, mas também da reflexão sobre os objectivos, o processo, os conteúdos, os resultados, as metas, os valores e os propósitos da educação. Acredito, portanto, que o trabalho em equipa permite aos/às docentes uma visão alargada do seu trabalho, através da possibilidade que têm de questionar e de construir em conjunto os referentes da sua prática. Entendo, em síntese, que é à luz desta perspectiva ampla de profissionalidade, que se poderá compreender melhor as palavras de Tardif e Léssard (2005) quando defendem que os docentes definem “os referentes políticos e morais da sua acção educativa”(idem:53).

Hoyle (1980) sublinha que o profissional amplo, “ao contrário do profissional restrito, está interessado na teoria e nos desenvolvimentos educacionais em curso” (idem:49). Esta concepção de profissionalidade, encontra sintonia com a ideia de profissional reflexivo de Schön (1983), no sentido em que o profissional revela um tipo de conhecimento e uma práxis que não depende exclusivamente da prática mas também não resulta somente da teoria, emergindo assim da acção pela reflexão. Neste sentido, a práxis distingue-se da utilizada no quotidiano e das rotinas do “conhecimento na acção”62, ou do resultado da “reflexão-na- acção”63. Assim, este profissional reflexivo, na esteira de Schön (1983) reflecte “sobre” e

“na” acção, tornando a prática objecto de reflexão mas fora dela e enriquecendo-a com

perspectivas teóricas. Isto é, não desvaloriza a prática, em prol dos pressupostos teóricos, mas reflecte sobre ela com base na teoria.

Nesta procura de sentidos sobre profissionalidades docentes convoco também a visão de Gimeno Sacristan (1991) que associa à profissionalidade docente o “que é específico na acção docente, isto é, o conjunto de comportamentos, conhecimentos, destrezas, atitudes e valores que constituem a especificidade de ser professor” (idem:65). Ainda que podendo considerar esta perspectiva de Gimeno Sacristan (1991) próxima do pensamento de Hoyle (1980) ela remete-se, do meu ponto de vista, ao sentido de profissionalidade restrita uma vez que acentua aspectos descritivos do que a acção docente, propriamente dita, impõe e requer, e parece não prever a dimensão do trabalho conjunto e do aperfeiçoamento profissional contínuo e partilhado com os pares, a que se associa o sentido de profissionalidade ampla.

62 Segundo Schon (1998) este é um conhecimento rotineiro, herdado ou aprendido, fruto da utilização da inteligência prática, das tomadas de

decisão instrumental.

63 O conhecimento que resulta das situações únicas, inesperadas ou conflituosas em que somos obrigados a pensar em plena realização da

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Esta visão parece estar alinhada com o sentido de profissionalidade docente proposto por Contreras (2003) que a associa “às qualidades da prática profissional dos professores em função do que requer o ofício educativo” (idem:47). Neste sentido, a profissionalidade docente não se limita ao desempenho do ofício de ensinar, mas também exprime “valores e pretensões que seria desejável atingir e desenvolver nesta profissão” (ibidem). Refere-se assim às dimensões do fazer profissional, no qual “se definem aspirações relativamente à forma de conceber e viver o ofício docente e ao mesmo tempo dimensões nas quais se inscreveria a forma de dotar a realização do ensino de um conteúdo concreto e específico”(ibidem), argumento que, do meu ponto de vista, justifica também o uso, neste trabalho, do termo profissionalidade no plural. O autor chama deste modo, a atenção para o facto de as qualidades das profissionalidades não estarem relacionadas com a descrição de um “bom ensino”, nem com um elenco de características do que é ser um “bom professor”, mas antes referirem-se “(…) às qualidades que situam o professor ou professora em condições de dar uma direcção adequada à sua preocupação em realizar um bom ensino”(ibidem). Deste ponto de vista, as profissionalidades dependem também da forma como o processo de ensino/aprendizagem é entendido e das suas finalidades político-sociais.

Em síntese, é no quadro das ideias até ao momento apresentadas que justifico a adopção neste trabalho pelo conceito profissionalidade ampla (Hoyle, 1980), relacionando-o com a ideia de “trabalho docente” (Tardif e Lessard, 2005). Nesta minha posição tomo por referência as ideias desenvolvidas por Fernandes, (2007) no estudo que desenvolveu sobre o currículo do ensino básico e, como ela, reconheço também que a proximidade entre estes conceitos advém da ênfase que, em ambos, é colocada na importância das relações com os pares, com os alunos e com os contextos em que desenvolvem a sua actividade e da influência que tais variáveis têm na configuração das profissionalidades docentes.