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2.2– A escola como organização autónoma versus curricularmente inteligente

Ethos de escola e elementos que o edificam

II. 2.2– A escola como organização autónoma versus curricularmente inteligente

No entender dos autores referidos no ponto anterior, o qual partilho, a escola é descrita essencialmente como um espaço relacional, afectivo e comunicativo que existe pelas interacções, sentimentos e acções das pessoas envolvidas. Nesta linha de pensamento que valoriza a agência humana, não podemos deixar de contemplar uma outra variável, a autonomia, que é determinante nas formas e lógicas de organização escolar, sendo por isso, no contexto deste estudo também essencial a sua clarificação conceptual.

Assim, Barroso (1996) realça que a autonomia é “o resultado da acção concreta dos indivíduos que a constituem, no uso das suas margens de autonomia relativa22” (idem:20). Fernandes, S.23 (2005), numa visão próxima, refere que a autonomia pressupõe a capacidade de desenvolver “acções políticas, processos administrativos e aplicar competências científicas e técnicas” (idem:59). Nesta lógica, a autonomia da organização dependerá fundamentalmente da acção da equipa de pessoas que trabalha na escola e, é nesta (in)capacidade que se vai distinguir, no quadro do entendimento que lhe é conferido por Barroso (1996) constituindo-se uma verdadeira autonomia, isto é, uma autonomia construída.24

Note-se, que apesar das competências legais delegadas serem as mesmas em todas as escolas, a autonomia de cada uma vai depender da acção particular e própria do grupo de professores, ao nível das dinâmicas de trabalho, da gestão dos recursos, da dinamização dos projectos educativos e das relações distintas estabelecidas com a realidade social da comunidade.

Com o Decreto-lei nº115-A/9825 e o Decreto-lei n.º 75/200826 22 de Abril, somos confrontados com a ideia que a escola tem cobertura legal para agir, no quadro do regime de

22 Como adverte Licínio Lima (1997) as margens de autonomia relativa podem ocorrer, mesmo em circunstâncias de grande centralismo,

dado haver sempre a possibilidade de uma intervenção autónoma dos actores para divergir das orientações decretadas. Neste caso configura uma autonomia clandestina (Barroso, 1996)

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Utilizo aqui Fernandes S., referindo-me ao autor Sousa Fernandes, visto ter usado ao longo da dissertação Fernandes para referenciar a autora Preciosa Fernandes.

24 Barroso (1996) opõe à autonomia decretada a autonomia construída, visto considerar esta como o resultado da acção concreta dos

indivíduos que compõem a escola no uso das suas margens de autonomia relativa.

25 Relembre-se que este decreto de 4 de Maio de 1998 aprovou o regime de autonomia, administração e gestão dos estabelecimentos públicos

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autonomia previsto27. Um dos objectivos deste último decreto é mesmo o reforço da autonomia das escolas, pela transferência das competências da administração educativa. No entanto, esta intenção parece ser de difícil alcance se tivermos em conta a lentidão com que têm sido protocolados os contratos de autonomia das escolas. Como é sabido, a atribuição de autonomia às escolas pressupõe da parte destas uma maior responsabilidade nas decisões educacionais o que implica, em simultâneo, a prestação de contas28. Reconhecendo serem estas medidas possibilidades para que as escolas e os professores desenvolvam novas capacidades de decisão educacional, no quadro dos princípios da territorialização da educação, reconheço também que esse é ainda um percurso a construir.

Com efeito, o discurso sobre a autonomia das escolas ainda não parece estar a ter o efeito à partida pretendido dado que a delegação das decisões e das responsabilidades, assim como o reconhecimento de que as escolas são organizações dotadas de autonomia não são condições suficientes para que estas desenvolvam projectos pedagógico-curriculares inovadores e tomem iniciativas autónomas. Em consonância com este pensamento, Bolívar (2007) defende que a “autonomia e a descentralização, como incremento da capacidade de tomada de decisões a nível de escola, parecem ser uma condição estrutural necessária, ainda que não suficiente, para envolver os agentes na tomada de decisões, no compromisso colectivo e na aprendizagem da organização” (idem:32).

Torres (2006:144), ao realçar a importância "[d]as diferentes e discordantes lógicas de acção que se desenvolvem no quotidiano das escolas portuguesas” em relação à ordem normativa e jurídica configurada pelo aparelho estatal, vinca também esta ideia de que a autonomia de cada organização, depende essencialmente da acção do grupo de professores.

Em síntese, o facto de a organização “ter autonomia”, não implica que “seja autónoma” e “mobilize essa autonomia” para a construção de “projectos autónomos”. Ou seja, a transferência da capacidade de gerir ou flexibilizar a tomada de decisões para a escola não é condição suficiente para que estas desenvolvam o seu processo de autonomia e utilizem os poderes decretados para construir projectos curriculares específicos e adaptados à sua realidade educativa. Tal como refere Bolívar (1999:173): “uma política educativa

26 Decreto-lei de 22 de Abril de 2008 que aprovou o novo regime de autonomia, administração e gestão dos estabelecimentos públicos da

educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário, introduzindo a figura do director. Este é eleito pelo Conselho Geral e tem poderes para designar os membros do Conselho Pedagógico e os Coordenadores de Departamento.

27 Note-se que no 8º artigo deste Decreto-Lei a autonomia surge definida como “a faculdade concedida ao agrupamento de escolas ou à

escola não agrupada pela lei e pela administração educativa de tomar decisões nos domínios da organização pedagógica, da organização curricular, da gestão dos recursos humanos, da acção social escolar e da gestão estratégica, patrimonial, administrativa e financeira, no quadro das funções, competências e recursos que lhe estão atribuídos”.

28 Como nesse decreto é referido, “É necessário, por conseguinte, criar as condições para que isso se possa verificar, instituindo

nomeadamente um regime de avaliação e de prestação de contas. A maior autonomia tem de corresponder maior responsabilidade(...) Só com estas duas condições preenchidas é possível avançar de forma sustentada para o reforço da autonomia das escolas.” (Decreto-Lei n.º 75/2008)

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descentralizada pode e deve possibilitar uma «gestão baseada na escola», mas por si só não garante o Desenvolvimento Curricular Baseado na Escola.”29

Assim, uma organização escolar efectivamente autónoma é aquela que revela no seu interior, “agentes educativos capazes de identificarem os problemas com que se confrontam e competências para configurarem os meios mais adequados para neles agir” (Leite e Fernandes, 2007:54), tendo deste modo subjacente os princípios de uma organização curricularmente inteligente30. Obviamente que escolas com estas características apresentam um ethos muito específico, com uma cultura organizacional que me atreveria a intitular também de “inteligente”, no sentido em que criaram as estruturas organizacionais para se tornarem autónomas e estão preparadas para a mudança educacional, facilitando e fomentando o trabalho docente inovador. Day (2001) nesta linha de pensamento, refere que a relutância ou incapacidade de mudar podem advir “dos contextos culturais do seu trabalho”(idem:154). Morgado (2005) numa visão muito próxima, considera que uma das principais causas da imobilidade ou resistência em relação à mudança educacional é a cultura escolar que continua, principalmente no ensino secundário a privilegiar as funções sociais de classificação e negligenciar as mais formativas, impondo determinados comportamentos e pensamentos.

Note-se que é hoje consensual a ideia de que a escola não é mais uma organização fechada e omnipotente, mas, antes, e como fui argumentando em pontos anteriores, deparámo-nos com uma concepção de organização como sistema aberto em permanente comunicação e aberta ao meio envolvente, no quadro de uma concepção de escola como

comunidade educativa alargada (Sarmento e Ferreira, 1999). Isto é, uma escola que

estabelece relações com o contexto em que está inserida, num sistema de redes sociais de trabalho, de parcerias e de protocolos de colaboração, com benefícios mútuos.

Neste sentido, esta cultura organizacional inteligente não nasce por geração espontânea na própria escola necessitando do estímulo e apoio da administração central e da comunidade. Defendo, por isso, que as forças exógenas activam e sustentam essas dinâmicas endógenas, sendo estas duas posições que tornam possível a construção de um ethos de escola com as características referidas.

29 Segundo Bolívar (1999), pode considerar-se o Desenvolvimento Curricular Baseado na Escola (DCBE), “como um estado superior de

descentralização na medida em que a própria escola toma prioridade e poder do currículo escolar, gerando processos e formas de trabalho dirigidos para uma auto-revisão do que se faça e para repensar o que se poderia mudar e consensualizar num processo de acção” (idem:172). No entender deste autor, somente este tipo de trabalho permite a mudança educativa.

30 A ideia de escola curricularmente inteligente, é aqui assumido no sentido sustentado por Leite (2003) que a define como uma “instituição

que, em vez de se limitar a administrar e a distribuir conhecimentos, na lógica de um pensamento linear e convergente, promove práticas onde se desenvolvem a criatividade e competências de ordem cognitiva, afectiva e social”(idem:124-5). Alarcão (2001) utiliza a expressão escola reflexiva no mesmo sentido definindo-a como “organização que continuamente se pensa a si própria, na sua missão social e na sua organização, e confronta-se com o desenrolar da sua actividade num processo heurístico simultaneamente avaliativo e formativo” (idem:11)

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