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Ethos de escola e elementos que o edificam

II. 3.2.1 Isolamento Profissional

De acordo com os estudos desenvolvidos, parece ser consensual a ideia de que o

isolamento profissional36 constitui a marca predominante do trabalho docente (Hargreaves, 1998; Day, 2001; Lima , 2002; Morgado, 2005). Segundo este Lima (2002), este tipo de interacção profissional constitui um fenómeno essencialmente social, resultante das condições organizacionais (horários, carga de trabalho e rigidez do currículo) e estruturais (organização dos departamentos, as limitações espaciais e as divisões institucionais) em que o trabalho docente se desenvolve. Assim, argumenta que existem quadros organizacionais, políticas educativas e espaços institucionalizados na escola que obrigam e fomentam o isolamento profissional. Todavia, apesar de sublinhar o seu carácter essencialmente social, Lima, A. (2002) considera que o isolamento também se justifica pelos riscos para a auto-estima pessoal e profissional associados à exposição das práticas e comportamentos ao olhar crítico dos colegas.

Nesta mesma direcção se situa o ponto de vista de Tardif e Lessard (2005), quando defendem que a estrutura da organização escolar tem contribuído para reforçar o isolamento

profissional visto não criar as condições necessárias à colaboração entre docentes. Sublinham

mesmo a predominância da existência de uma solidão profissional referindo-se à prática docente no quotidiano escolar. Na perspectiva destes autores, a classe como unidade básica do ensino, na estrutura da organização celular, coloca o/a professor(a) no centro da acção educativa, considerando-o/a o principal (se não único) responsável pelo seu funcionamento.

A visão de Fullan e Hargreaves (2000) é também a de que as características físicas das escolas fomentam o isolamento profissional, nomeadamente as salas de aula isoladas e os recursos individualizados. No entanto, acrescentam que o “isolamento e o individualismo são armaduras, protecção contra a intromissão e a fiscalização” (idem:59) dado que os professores associam o auxílio à avaliação e a colaboração ao controlo, tendo subjacentes os momentos de avaliação anteriores de que foram alvo durante o seu próprio processo de formação profissional. Por analogia, a situação hoje vivida nas nossas escolas, relativa à avaliação do desempenho dos/as professores/as parece já estar a ter este efeito perverso de intensificar o

isolamento profissional docente.

36 Na esteira de Lima (2002) optei por utilizar a expressão isolamento profissional em detrimento do conceito de individualismo visto este

estar associado a uma característica ou handicap pessoal e individual do profissional com a qual não concordo pelas razões apontadas pelo autor.

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Apesar de estes autores justificarem historicamente o isolamento profissional, apontam efeitos negativos destes padrões de interacção. Consideram, assim, que esses padrões relacionais “impedem os professores de dar feedback uns aos outros, promovem uma autonomia irresponsável e isola-os da crítica directa” (idem:128). Dito de outro modo, as únicas fontes de feedback para a maioria dos professores são as suas próprias aulas e os alunos, permanecendo dentro de uma sala de aula sem estimulação externa. Esta situação, na opinião dos autores, reduz o comprometimento, a motivação e a eficiência dado que “a oportunidade e a pressão originária das novas ideias estão inacessíveis” (idem:57).

Em convergência com esta visão, Day (2001) refere que as escolas em que persiste o

isolamento profissional apresentam uma cultura de separação já que os professores raramente

discutem o seu trabalho individual e dificilmente ocorrem observações das aulas de outros colegas37. Esta situação não permite a realização de uma reflexão colectiva do valor, do propósito e do rumo do trabalho docente.38

Numa visão próxima, Correia e Matos (2001) consideram também que se continua a desenvolver um trabalho solitário nas escolas, mantendo-se a sala de aula como “o espaço de refúgio39 e inacessível aos outros” (idem:99), o que permite um “exercício ilusório de autonomia profissional” à custa da “invisibilidade do trabalho desenvolvido” (ibidem). No entanto, acrescentam uma nova dimensão a este isolamento, visto considerarem que as suas características se têm alterado, sustentando a ideia de que se vive um novo individualismo vivido na solidão e num sofrimento profissional produzido e reproduzido numa solidariedade defensiva que promove o silêncio.

Tendo em conta as ideias desenvolvidas, concordo com estes autores quando afirmam que “a queda das paredes do individualismo é uma das questões [por] que mais vale a pena lutar”(idem:20) assim como partilho da ideia de Fullan e Hargreaves (2000) quando sustentam que para derrubar este isolamento profissional serão necessárias a colaboração franca, as longas conversas dos grupos, a observação mútua e o profissionalismo interactivo.

37 Neste sentido, com base em Correia e Matos (2001), podemos associar a este tipo de culturas organizativas de separação, o profissional

individualista institucional ou o voluntarista inspirado. O primeiro tipo de profissional está deontologicamente investido da missão do

sistema, sendo a expressão do próprio espírito da instituição escolar, colocando a ênfase na estabilidade, que depende da “conformidade das propriedades dos seres com uma ordem político-jurídico ou simbólica” (idem:202). O voluntarista inspirado, não representa o espírito da instituição e mantém uma relação potencialmente conflitante com os seus quotidianos institucionais, assim “procura escapar à realidade institucional fazendo da sua marginalidade uma vantagem acrescida” (idem:198). Subsiste na margem da instituição, e define a escola pela negativa. “O professor é a personificação de uma inspiração auto-gerada; o seu voluntarismo só é possível nas margens do sistema” (ibidem).

38 Rosenholtz (1989) intitula as escolas com estas características de “Escolas Travadas” visto não apoiarem mudanças nem melhorias e se

caracterizarem pela incerteza e isolamento. No entender deste autor, os docentes pouco conseguem aprender com os colegas e não estão em posição firme para experimentar e melhorar, limitando-se a partilhar algumas dicas de ordem prática, recursos e truques de profissão ou histórias sobre pais e alunos.

39 Estes autores, no estudo que desenvolvem, verificam que a “sala de aulas é assim, subjectivamente percepcionada como o espaço de

exercício de uma especificidade, como um espaço de reencontro com uma profissão que se debate com uma diluição/diversificação de papéis que a tendem a descaracterizar” (idem: 99).

40 II. 3.2.2 - Relação colegial

Neste ponto, é essencial a definição do sentido de relação colegial dado tratar-se de um termo que pode significar e traduzir acções com diferentes sentidos. Como argumentam Fullan e Hargreaves (2000) podemos estar na presença de um grupo muito feliz de professores em reunião mas “com pouca discussão séria sobre a escola, trabalho ou aperfeiçoamento” (idem:65).

Assim, para uma melhor compreensão desse conceito convoco os contributos de Little (1990)40. Este autor identificou tipos diferentes de relação colegial entre professores: i) a

busca de informações e relato de histórias; ii) a ajuda e auxílio; iii) a troca; iv) e o trabalho conjunto. Este autor considerou as três primeiras como formas fracas de união, cooperação e

colegialidade, e que pouco contribuem para ultrapassar as situações de privacidade e conservadorismo das escolas, identificando o trabalho conjunto como a forma mais poderosa de colaboração. No seu entender, apenas este quarto tipo de trabalho colegial implica uma verdadeira cultura colaborativa, uma vez que cria uma interdependência forte, uma responsabilidade compartilhada, um comprometimento e um aperfeiçoamento colectivo significativo.

Lima, (2002) por seu lado, adverte para o facto das conversas informais terem um papel importante nas interacções profissionais, nomeadamente “na construção quotidiana da identidade e da prática profissional dos docentes” (idem:179). Neste seu posicionamento afasta-se da visão de Litle (1990) para quem as conversas poderiam ser incluídas no 1º tipo de colaboração, não concordando com o facto de serem consideradas como uma fraca expressão de colegialidade. Defende mesmo que a comunicação verbal é um instrumento importante na promoção das relações de ajuda e considera “simplista concluir-se (..) que as relações verbais comparativas às outras não têm impacto benéfico sobre a forma como desempenham o papel profissional” (ibidem)41.

Sendo o exercício de clarificação do tipo de relação colegial, um exercício difícil, não deixo, contudo, de o fazer recorrendo, obviamente, ao contributo de autores que têm sido referência neste trabalho. É essa conceptualização que faço nos pontos seguintes a partir de diferentes abordagens ao conceito de colegialidade.

40 Citado in Fullan e Hargreaves (2000:65-66).

41 Lima A. (2002), apesar de não aceitar a comunicação verbal como uma relação colegial mais fraca, constata que a interacção entre colegas

se torna menos frequente e envolve menos elementos à medida que as questões sobre as quais incide se orientem mais para acção e se tornem mais complexas e exigentes em termos de interdependência e de coordenação da prática pedagógica.

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