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O desenvolvimento de projectos em equipa uma possibilidade para a edificação de profissionalidades amplas?

Profissionalidades Docentes

III.4- O desenvolvimento de projectos em equipa uma possibilidade para a edificação de profissionalidades amplas?

Na linha das ideias que tenho vindo a apresentar, defendo que a construção de profissionalidades que se afastem de uma perspectiva técnica constitui uma possibilidade, mesmo que limitada, dadas as condições de trabalho intensas e burocráticas, de combate ao individualismo e à insatisfação profissional.

Nesta minha posição sigo o pensamento de Morgado (2005), para quem o modelo de racionalidade técnica e instrumental perspectiva profissionalidades em que “a prática profissional consiste na (re)solução instrumental de problemas, mediante aplicação rigorosa de um determinado conhecimento teórico e técnico previamente definido”(idem:34). Esta racionalidade tem por base o “pressuposto de que as regras técnicas devem orientar a acção do sujeito” (idem:35). Assim, em termos educativos, nesta lógica, ensinar resume-se à “mera aplicação de normas e de técnicas derivadas de um conhecimento especializado” (ibidem) e o/a docente alheia-se das funções de planeamento e concepção, limitando-se, apenas, às tarefas de execução curricular. Nesta óptica o ensino é entendido como uma aplicação técnica e a acção dos profissionais resume-se à aplicação das decisões tomadas pelos especialistas onde, como sustenta Morgado (2005), a “componente burocrática [se] alia à componente técnica, imperando uma legitimidade normativa, isto é, prevalecendo o currículo79 que é prescrito a nível oficial” (idem: 36).

Em síntese, esta perspectiva traduz-se numa falta de autonomia docente e numa total dependência profissional em relação às decisões externas que exercem um controlo burocrático sobre o trabalho do/a professor/a. O/a docente limita-se ao mero cumprimento, na sala de aula, das prescrições externamente determinadas, evidenciando um desempenho curricular pobre. Neste sentido, o/a profissional perde de vista o conjunto e o controle sobre o seu próprio trabalho.

Ainda a este propósito, Day (2001) sublinha que os professores “técnicos” cujo “dever é cumprir as metas preespecificadas” (idem:30) perdem uma das características essenciais de

78 Day (2001), a este propósito, refere que muitos professores, longe de serem “vítimas” passivas destas reformas de cariz burocrático, estão a

“reafirmar a sua autonomia a par das novas responsabilidades que lhe são exigidas e a interpretar activamente a reestruturação do seu trabalho em conformidade com os seus próprios juízos profissionais de modo a preservar a sua identidade profissional ou substantiva”(idem:31). Sublinha que apesar de em muitas áreas profissionais o professor estar mais limitado, mantém a sua tarefa profissional essencial: “a de tomar decisões na sala de aula com base nas suas perspectivas sobre o que é melhor para o aluno” (idem:32)

79 Nesta perspectiva técnica, o currículo é definido como um produto: um conjunto de experiências de aprendizagem a realizar pelos

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um profissional autónomo: o “espaço de manobra para exercer o seu juízo discricionário” (ibidem). Posição semelhante apresenta Morgado (2005), salientando que o/a professor(a) que desenvolve a sua acção numa perspectiva técnica vive “numa situação de dependência quer em relação a um conhecimento prévio, quer no que se refere às finalidades a que este se dirige” (idem:38) fazendo com que a “autonomia curricular, a capacidade de deliberação e os juízos avaliativos [se] reduz[am] a um conjunto de destrezas e de regras que devem ser seguidas”(ibidem). A posição dos autores até agora referidos, parece estar alinhada com o que Contreras (2003) intitula de desorientação ideológica, referindo-se à perda do sentido ético das profissionalidades docentes e próxima da tese de Correia e Matos (2001) quando referem que os docentes têm perdido o sentido da autor(idade). Fernandes (2007) considera mesmo que, nessa situação, os professores se encontram perante uma situação de “desgoverno pedagógico”.

Perspectivar profissionalidades docentes afastadas desta visão técnica, implica não limitar o trabalho docente à sala de aula. Pressupõe, então, pensar o professor como um profissional que actua, em equipa, segundo princípios de reflexividade permanente na e sobre a sua prática diária (Schön, 1983) e que é capaz de produzir conhecimento numa postura de permanente análise crítica sobre o trabalho que desenvolve.

Tal postura subentende, obviamente, que lhe sejam dadas condições de trabalho e de autonomia para tomar decisões curricularmente adequadas às realidades quotidianas. No meu entender, o envolvimento dos/as docentes em equipa nos projectos curriculares e pedagógicos80, poderá ser uma forma de criar as condições para que o trabalho docente ultrapasse a acção técnica. Assim, ainda que consciente de que encetar práticas pedagógico- curriculares que se afastem de uma perspectiva técnica não seja uma tarefa fácil, penso, contudo, que esse poderá ser o caminho que poderá permitir ao/à docente assumir-se como um configurador do currículo81, capaz de interpretar, seleccionar, organizar e transformar o currículo, adaptando-o aos contextos e populações reais.

É neste sentido que autores como Stenhouse (1987) focam a importância da atitude investigativa no desenvolvimento dos modos de ensino. E, nesta mesma direcção, Tardif e Léssard (2005) destacam também a ideia do “professor como investigador da sua própria prática educativa, convertendo-se no objecto de indagação que deve utilizar para melhorar a qualidade dos processos educativos” (idem:44). Desta forma, ao desenvolver projectos

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Consciente que a implementação deste tipo de projectos, por si, resulta de um sentido amplo de profissionalidade, foquei, no entanto, a minha atenção, neste ponto do capítulo, nos efeitos que o envolvimento nesses projectos poderá provocar ao nível da configuração das profissionalidades.

81 Em síntese, neste quadro conceptual em que se insere a ideia de uma profissionalidade reflexiva, o currículo já não é um produto

previamente concebido ou um plano definido e estruturado mas, sim, corresponde a “tudo o que existe enquanto plano e prescrição e (a) tudo o que ocorre num dado contexto e numa situação real de educação escolar” (Leite, 2002:89). Isto é, o currículo relaciona-se com a totalidade das actividades vividas na escola sendo construído em função das características da comunidade educativa.

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curriculares e pedagógicos inovadores o/a docente não só exerce capacidades de investigador procurando que as ideias educativas e o currículo proposto sejam experimentadas e trabalhadas nas aulas, como se empenha para se conhecer e melhorar a sua prática profissional. Assumindo este posicionamento estará a afastar-se da perspectiva técnica do/a professor(a), produzindo conhecimento e não se limitando ao mero consumo/aplicação acrítica das decisões curriculares e pedagógicas externas; aproximando-se da ideia de um(a) professor(a) como configurador(a) do currículo.

Corroborando completamente a visão destes autores em relação à importância da atitude investigativa do/a docente, defendo que a perda de controlo e desorientação ideológica apontada por Contreras (2003), como resultado da burocratização do trabalho, e que perspectiva profissionalidades docentes técnicas, pode ser compensada com dinâmicas de

empowerment do/a professor(a) de que o envolvimento em projectos constitui uma grande

possibilidade. Considero, de facto, que o envolvimento em projectos inovadores permite que o/a professor(a), numa atitude investigativa, decida, planeie e execute, controlando os propósitos e fins curriculares e educativos, restabelecendo consequentemente o sentido de autoria profissional.

Nesta perspectiva, a tarefa do docente não é “puramente instrumental e técnica mas intelectual” (Neto-Mendes, 1999) e os docentes não são meros “consumidores de conhecimento gerado pelos investigadores” (Tardif e Léssard, 2005:47), mas têm um papel profissional específico e activo na produção dos conhecimentos, distinguindo-se, assim, dos modelos de racionalidade técnica.

Concordando sem reservas com Correia e Matos (2001) quando apontam uma crise de (autor)idade sentida pelos/as docentes, e com Contreras (2003) quando fala de uma “desqualificação profissional”, acredito, contudo, que estes traços das profissionalidades poderão ser assim ultrapassados em escolas que apresentem um trabalho inovador onde se desenvolvam processos de criação curricular e pedagógica que permitam o restabelecimento da autonomia e da autoria do professor. Dito de outro modo, corroborando a ideia de Correia e Matos (2001) em relação ao facto desta crise poder ser compensada por processos de autorização, defendo que o desenvolvimento de projectos inovadores em equipa poderão ser os “processos que permit[am] aos professores “autorizarem-se” através das suas obras, das suas criações e da sua palavra” (idem:32).

Nesta mesma linha, defendo também que o desenvolvimento de projectos inovadores, conduz a profissionalidades reflexivas, em harmonia com o pensamento de Day (2001) quando refere que a reflexão “é um processo mais pensado e sistemático de deliberação” (idem:57) que permite “a análise, a reconstrução e a reformulação da prática no sentido de

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planear o ensino e a aprendizagem em termos futuros”(ibidem). O autor explica que ao reflectir as suas teorias de acção, o docente terá que “tornar explícitas as suas teorias perfilhadas (o que diz sobre o ensino) e as suas teorias-em-uso (o mundo do seu comportamento na sala de aula)” (idem: 51). Desta forma, vai avaliar compatibilidades e incompatibilidades entre os dois elementos da teoria82 de acção e os contextos em que ocorrem, alterando e melhorando a sua futura prática curricular. Trata-se, assim, de um profissional, distinto do técnico, ou seja, um profissional que vive situações de verdadeira reflexão e que é capaz de reformular e melhorar a sua prática curricular. Ou, dito de outro modo, trata-se de um docente detentor de uma “racionalidade artística”, (Neto-Mendes, 1999), o que implica ser “capaz de associar conhecimento prático e reflexão na e sobre acção” (idem:46). Importa, contudo, ter consciência das possibilidades e dos limites de um trabalho docente marcado por esta capacidade de reflexão e acautelarmos o que Neto-Mendes (1999), baseado em Zeichner (1993), apelida de “ilusão da reflexão”, associada à ideia de uma prática reflexiva artificial que não favorecerá, naturalmente o desenvolvimento de profissionalidades reflexivas. Esta ideia de “ilusão da reflexão” está muitas vezes associada a dinâmicas de projectos desenvolvidos em equipa, quando:

i) A reflexão se reduz ao âmbito das capacidades e estratégias de ensino, não sendo discutidos os objectivos do ensino. Neste sentido há uma visão de profissionalidade restrita, limitada à acção na sala de aula.

ii) A reflexão ignora os factores sociais e os constrangimentos estruturais. iii) A reflexão é uma acção individual e não perspectivada como prática social.

Ainda a este propósito, Morgado (2005), chama atenção, para as “restrições institucionais” da reflexão, visto esta estar condicionada pela mentalidade e forma de pensar, pelo contexto da própria cultura e pela socialização profissional e pela própria cultura escolar que “oprime intelectualmente” (idem:50) o/a docente.

Assim, na esteira destes autores, considero que a efectiva reflexão fortalecedora de profissionalidades reflexivas, é aquela que é realizada em equipa e orientada no sentido de transformar as condições educativas: as relações entre docentes, as interacções dentro da sala de aula e da escola, entre a própria escola e a comunidade mais próxima e entre estas e as estruturas sociais e políticas mais amplas. Nesta mesma linha, e apoiando-me no pensamento de Leite (2002b), defendo ainda que para que estes momentos de reflexão se concretizem efectivamente e originem alterações sentidas e com sentido (tanto a nível profissional como curricular), é necessário que os professores sejam acompanhados por outros técnicos que os

82 Segundo Day (2001) a prática profissional é constituída por várias teorias de acção inter-relacionadas e específicas para cada contexto ou

situação. Estas teorias, no seu entender, são constituídas por duas componentes: as teorias perfilhadas – que “justificam ou descrevem o comportamento de uma pessoa (aquilo que dizemos sobre o que fazemos) e as “teorias-em-uso” - “o que a pessoa faz, isto é, a forma como põe em prática as suas teorias perfilhadas” (idem:50).

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apoiem em tarefas para as quais não têm tempo, e porventura se sentem menos vocacionados, e que a autora designa de amigo crítico. Segundo Leite (2002b) este “amigo crítico” é alguém a quem se reconhece competência, em quem se confia e com quem se está disposto a partilhar receios, dúvidas e também êxitos. No seu entender, o papel deste técnico é essencialmente transportar para o grupo uma visão distanciada e mais ampla, que permita um frequente questionamento das situações, assumindo uma função formadora “através de processos de trabalho com os professores e recorrendo a dinâmicas comprometidas com a delineação de “caminhos”, proporcionar um ambiente reflexivo que contribua para um balanço dos percursos do projecto e para o desenvolvimento de ideias criativas e inovadoras” (idem: 99)

Desta forma, “o amigo crítico” não vai fornecer fórmulas de acção, mas facilitar a reflexão e, consequentemente, a articulação teoria/prática no quotidiano escolar/profissional, possibilitando novos caminhos. A este propósito, e completando a visão de Leite (2002b), Day (2001) sustenta que “se reflectir sobre a prática significa investigar as realidades actuais, de forma estimuladora, é necessário, porém o apoio prático e moral de dentro e fora da escola, nomeadamente na forma de um “amigo crítico”, a mais valiosa de todas as comodidades, em termos de tempo e de compromisso” (idem:79).

Neste sentido, este “convidado” da organização “possui conhecimentos, experiências e competências que são complementares” (idem: 80) e pode “proporcionar apoio e questionar as situações numa relação de confiança” (idem:79). Com efeito, considero que este tipo de trabalho desenvolvido em efectiva parceria, e assente em processos de reflexão colectiva, contribuirá para o desenvolvimento de profissionalidades reflexivas, quebrando-se a reprodução de determinadas culturas de trabalho instaladas.

Sintetizando, considero que na consolidação da ideia de uma profissionalidade ampla, caracterizada por uma atitude investigativa e reflexiva, as amizades críticas são fundamentais, proporcionando níveis mais profundos de reflexão e de inovação educacional.

NOTAS INTRODUTÓRIAS

Este capítulo começa pela apresentação dos procedimentos metodológicos utilizados na recolha dos dados (IV.1) e na análise de conteúdo (IV.2). O ponto 3

deste capítulo, dá conta da apresentação dos dados. Esta organiza-se seguindo

em torno das três dimensões: Ethos de escola, Profissionalidades docentes e

Efeitos de projectos desenvolvidos em equipa no trabalho dos professores e respectivas categorias. De forma a obter uma melhor leitura dos dados e responder

de forma mais objectiva às questões da pesquisa, foi realizada, no final de cada dimensão, uma síntese global dos dados.

CAPÍTULO IV