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Capítulo 6. As bases de dados para o património cultural

6.4 A divulgação do património cultural móvel português

Atentando à divulgação do património cultural móvel nacional no MatrizNet - catálogo cole- tivo online dos museus portugueses, sob tutela da DGPC, das Direções Regionais de Cultura do Norte, Centro e Alentejo e da Parques de Sintra – Monte da Lua, tal como Teresa Campos e Manuel Oleiro afirmam, a escolha dos objetos a serem disponibilizados ao público, através

do MatrizNet, seguem os critérios dos próprios museus131, sendo que muitas vezes se denota o carregamento da informação das peças mais estudadas e documentadas, bem como das peças que são mais procuradas para efeitos de investigação. Segundo Teresa Campos: “cada museu tem um gestor, tem responsáveis pelas suas coleções e são eles próprios que fazem a sua sele- ção. Terá de corresponder aos critérios mínimos de inventário: (…) um chapéu amplo, ditado pela tutela, em termos de cumprimento das normas de inventário e de documentação fidedig- na, mas depois são os próprios gestores nos 34 museus e palácios que definem o que deve ser disponibilizado.” Ao que Manuel Oleiro acrescenta: “por um lado interessa-nos colocar in- formação sobre as peças mais emblemáticas, digamos assim, mais conhecidas, mais valoriza- das do ponto de vista patrimonial. As peças que foram classificadas como bens de interesse nacional, que são as mais relevantes no património dos museus nacionais, foram e são uma das prioridades para disponibilizar a informação. Por outro lado, cada museu tem vindo a car- regar informação sobre as peças que estão mais bem estudadas, sobre as quais há mais infor- mação recolhida, mais estudos feitos, mais investigação; ou as peças que são mais procuradas pelos investigadores ou pelos públicos especializados, em relação às quais é importante dis- ponibilizar a informação de forma mais aberta.”

Mediante o discurso de Manuel Oleiro, a divulgação do património cultural móvel nacional parece estar relacionada, entre outros fatores mencionados, com a classificação dos bens mó- veis como de interesse nacional, para os quais foi criada a designação “tesouro nacional” (n.º 3 do artigo 15.º da Lei 107/2011, de 8 de setembro). De facto, atentando à secção da apresen- tação do MatrizNet, podemos ler: “de entre os registos aqui publicados, é dado destaque aos bens classificados ou inventariados pelo Estado português, entre os quais o amplo conjunto de bens classificados como Tesouros Nacionais pelo Decreto n.º 19/2006.”132

Conforme as observações anteriores, que considerações poderão então ser tecidas acerca da interpretação, definição e comunicação do significado e do valor do património cultural móvel

131 Segundo Ludmilla Jordanova: “all museums are exercises in classification” (em Vergo, 1989: 23) funcionando a classifi- cação em museus a três níveis. Primeiro, a instituição museal é colocada dentro de uma categoria baseada na natureza das suas coleções, com por exemplo: história natural, belas artes. Segundo, e já dentro da lógica interna do museu, este é organi- zado em grandes agrupamentos: períodos temporais, escolas, países. Terceiro, e no que toca ao nível dos objetos, o museu rotula e cataloga os objetos. Ao seguir os três níveis de classificação nos museus defendidos por Jordanova (em Vergo, 1989), percebemos que ambos, o museu e o objeto de museu, estão inseridos numa lógica de classificação, de onde se desenrola um processo de denominação e de diferenciação.

portugês (Cameron e Robinson, 2007), por parte do Estado português? O MatrizNet, que dá destaque, entre os demais registos, aos bens culturais de interesse nacional, deixa perceber uma atribuição valorativa aos bens culturais de interesse nacional, denominados “tesouros na- cionais”, pela importância que lhes é atribuída na lei portuguesa; analisando o Decreto n.º 19/2006, de 18 de julho, percebemos que o património cultural móvel destacado no catálogo coletivo online dos museus portugueses, através do motor de busca MatrizNet, são maioritari- amente pertencentes à área de artes plásticas/artes decorativas (perfazendo 237 registos num total de 422), seguida da área de arqueologia (perfazendo 90 registos), meios de transportes (47), instrumentos musicais (13), desenho (13), têxteis (12), mobiliário (8), e iluminura (2).

Ainda na secção de apresentação do MatrizNet, encontramos mencionado: “destacamos igualmente a publicação simultânea dos conteúdos do MatrizNet na Europeana, agregador de referência de conteúdos de museus, bibliotecas e arquivos a nível europeu.” Esta constatação faz estender a problemática da seleção de conteúdos inventariados e divulgados a nível nacio- nal, através do MatrizNet, a nível europeu, através da Europeana. Com a disponibilização de conteúdos divulgados no MatrizNet, a temática da divulgação do património cultural móvel torna-se translocal e transnacional, no sentido utilizado por Appadurai (2004), na medida em que através dos meios de comunicação digitais, ultrapassa as fronteiras físicas (situando-se no mundo cibernético) e territoriais do estado-nação. Tais fluxos culturais são mediapaisagens: “distribuição da capacidade eletrónica para produzir e disseminar informação”, que fornece “vastos e complexos repertórios de imagens, narrativas e etnopaisagens a espectadores de todo o mundo” (Appadurai 2004: 53/54).

Manuel Oleiro refere: “a questão do MatrizNet surge também como um passo ao encontro do espírito da Europeana: disponibilizar, utilizando a Web, toda a informação que foi sendo car- regada para o Matriz, com exclusão de alguns campos que são restritos por questões de ordem de segurança das próprias peças - que estão no inventário mas que não são disponibilizados para fora.” Posto isto poderíamos afirmar que, paralelamente à seleção inerente à constituição da base de dados (Bowker, 1998) do património cultural móvel português, mediante os crité- rios enunciados por Ana Castro Henriques e Isabel Cordeiro, aquando da informatização das fichas de inventários no Matriz em 1993 e 1998, mecanismos adicionais de seleção são tam- bém aplicados no MatrizNet e, consequentemente, na Europeana. Assim sendo, a divulgação

do património cultural móvel português através da Europeana dá continuidade à temática da constituição da bases de dados a nível internacional. De onde resulta a questão: Como encarar as bases de dados produzidas pelos outros estados-nação? Mais, que repercussões poderá as- sumir esta faceta seletiva e valorativa aquando da constituição de uma base de dados univer- sal, mais precisamente, do que Lévy (2010) denominara de memória universal digital?

De forma similar, como já havíamos percepcionado, também a empresa Sistemas do Futuro possibilita aos utilizadores da aplicação In Web ou In arteonline .NET, a publicação na Inter- net, total ou parcial, do seu acervo, através da criação de um catálogo digital, disponível onli-

ne. Feito e pensado para o acesso ao público, permitindo uma configuração dos campos que

ficarão aptos para se pesquisar, esta aplicação propicia à instituição não só eleger os conteú- dos a serem pesquisados - os objetos, como também orienta a pesquisa do visitante, disponibi- lizando determinados campos. Desta forma, paralelamente aos critérios seletivos inerentes à constituição da base de dados (Bowker, 1998) denotamos ainda mecanismos seletivos aplica- dos pela própria instituição museológica, aquando da disponibilização da informação.