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Capítulo 6. As bases de dados para o património cultural

6.3 A lei portuguesa do património cultural móvel

Atendendo à lei portuguesa, os mecanismos legais com o objetivo de proteção do património cultural nacional surgem antes da República, com o Decreto de 30 de dezembro de 1901, que aprova as bases para a classificação dos monumentos nacionais e bens mobiliários. Na década de 1910 surge o primeiro decreto, ato legislativo com força de lei, da República Portuguesa versando questões patrimoniais. Com o Decreto de 22 de novembro de 1910 e o Decreto de 26 de maio de 1911, inicia-se a política de proteção do património cultural, constituindo preo- cupação maior a defesa da alienação das “obras de arte” e de “objetos arqueológicos.” A legis- lação produzida na década de 1930 (Decreto n.º 20586, de 4 de dezembro de 1931 e o Decre- to-Lei n.º 26611, de 19 de maio de 1936), vem acentuar o conceito de património histórico e artístico nacional, aplicando-o a bens móveis de relevância histórica e artística e à necessidade de proceder a um inventário geral do património a defender, integrando os bens públicos e o “arrolamento” de bens de propriedade eclesiástica e privada.

Na década de 1950 (através do Decreto-Lei n.º 38906, de 10 de setembro de 1952 e da Lei n.º 2065, de 25 de julho de 1953), assiste-se a um acrescido impulso de classificação de bens de reconhecido valor histórico, arqueológico e artístico, atingindo-se o pico das classificações em termos quantitativos, com cerca de 1200 peças publicadas em Diário do Governo, represen- tando este número mais de metade do universo de bens móveis classificados até à data (Pinho, 2011). Na década de 1960 é expressa a necessidade de proteção dos bens em acentuado estado de degradação, bem como a necessidade de impedir a sua alteração por intervenções que co- locassem em perigo a sua integridade.

Apenas na década de 1980 (com a Lei n.º 13/85, de 6 de julho) se denota uma maior abran- gência do conceito de património cultural, na medida em que os bens culturais móveis são entendidos como “bens de significado cultural que representem a expressão ou o testemunho da criação humana ou da evolução da natureza ou da técnica, abarcando as classificações os bens de produção nacional e de relevância internacional”. Esta lei: “assume como a primeira lei de bases do Património Cultural Português, [que] veio definir os procedimentos inerentes à protecção legal dos bens materiais que o integram, assentando esta na figura jurídica da classi- ficação” (Pinho, 2011: 10). A subscrição de convenções e tratados internacionais, aquando da adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia (CEE), relativos à salvaguarda do pa-

trimónio cultural de valor universal, assim como à proteção de tráfico ilícito de bens culturais, configura um segundo plano de novas formas de proteção dos bens culturais e abrangência do conceito de bens culturais nacionais, aplicável também aos bens que revestem um valor uni- versal de património da humanidade, competindo a cada estado o dever da sua salvaguarda em território nacional e o dever de cooperação com vista à sua proteção.

A Lei n.º 107/2001, de 8 de setembro, assume o carácter universalista, transcultural e transci- vilizacional do património cultural (Pinho, 2011). Com efeito, a referida lei estabelece como conceito de património cultural: todos os bens, que sendo testemunhos com valor de civiliza- ção ou de cultura portadores de interesse cultural relevante (histórico, paleontológico, arqueo- lógico, arquitetónico, linguístico, documental, artísticos, etnográfico, científico, social, indus- trial ou técnico), devam ser objeto de especial proteção e valorização independentemente do lugar ou do tempo da sua produção; e cujo interesse cultural relevante dos bens se refletirá nos valores de memória, antiguidade, autenticidade, originalidade, raridade, singularidade ou exemplaridade (n.º 1 e n.º 3 do artigo 2.º). Segundo a mesma lei, consideram-se bens culturais os bens móveis (entre outros, do património: arqueológico; arquivístico; áudio-visual; biblio- gráfico; fonográfico; fotográfico; eletrónico e industrial) e imóveis (monumento, conjunto ou sítio) que representem testemunho material com valor de civilização ou de cultura (n.º 1 do artigo 14.º). Estes bens poderão ser classificados como de interesse nacional; para os bens móveis classificados como de interesse nacional (quando a respetiva proteção e valorização represente um valor cultural de significado para a Nação) é criada a designação “tesouro naci- onal.”

A referida lei introduziu alterações no tocante à protecção dos bens culturais, instituindo dois níveis de registo patrimonial - o de classificação (ato final do procedimento administrativo mediante o qual se determina que certo bem possui um inestimável valor cultural) e o de in- ventário (levantamento sistemático dos bens culturais existentes com vista à respetiva identi- ficação) –, assim como a distribuição dos bens classificados por três categorias distintas a que correspondem diferentes ónus legais: os bens de interesse nacional ou “tesouros nacionais”, os de interesse público e os de interesse municipal (Pinho, 2011).

terminaram a classificação como bens de interesse nacional de cerca de 1600 objetos dos mu- seus nacionais tutelados pelo então IPM, agrupados em 422 registos (Pinho, 2011). Tendo em conta vários fatores, entre eles, a necessidade sentida pelo IPM, de instituição de padrões de referência para procedimentos de classificações de bens de interesse nacional (segundo dis- posto no Decreto n.º 19/2006, de 18 de julho), no mesmo decreto foram estabilizados critérios de classificação para bens de interesse nacional, de entre o património cultural móvel nacional dos museus dependentes do IPM, bem como terá sido anexada uma descrição dos bens. Assim sendo, no Decreto n.º 19/2006, de 18 de julho, são definidos 422 bens ou conjunto de bens classificados pelo Estado português como bens de interesse nacional, ou “tesouros nacionais”. Estes bens, identificados pela denominação/título, autoria, local de proveniência (para a ar- queologia), datação, museu e número de inventário, abarcam: artes plásticas/artes decorativas - pintura (82), escultura (58), ourivesaria (77), cerâmica (9), cerâmica de revestimento (11); meios de transporte (47); instrumentos musicais (13); desenho (13); iluminura (2); mobiliário (8); têxteis (12); arqueologia - ourivesaria (2), escultura (36), artefactos ideotécnicos (8), me- tais (11), numismática (4), vidros (3), cerâmica (4), arquitetura (4), instrumentos e utensílio (2), sigilografia (1), epigrafia (13), adornos (1), gravura (1).

Neste exercício classificatório, é fundamental ressaltar o papel do Estado como forma de im- posição de significados e de valores. A classificação e a selecção constituem um exercício de poder detido pelo Estado para determinar legalmente quais os bens que devem usufruir de es- pecial protecção e ser salvaguardados para a posteridade (Luna, 2011: 25).