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Estudo do património digital aplicado ao património cultural móvel

Capítulo 2. Metodologia

2.3 Estudo do património digital aplicado ao património cultural móvel

De acordo com a teoria de Marcus, o objeto de estudo é também ele, multi-localizado, assu- mindo este uma multiplicidade situacional (Marcus, 1995: 97). Com efeito, o objeto de estudo da presente investigação: o património digital aplicado ao património cultural móvel, assume

uma multiplicidade situacional nos vários contextos em que poderá ser apreendido, mais pre- cisamente, em vários locais: institucionais (nos diversos tipos de museus, públicos ou priva- dos - histórico; de arte; ciência; temático; militar; ecomuseu; etc.); geográficos (museus naci- onais e internacionais); na World Wide Web (no ciberespaço); nas políticas sociais, culturais e económicas (institucionalizadas a nível nacional e internacional), bem como estratégias e programas, criados a nível nacional e internacional, especificamente para o património digital aplicado ao objeto museológico.

Em Lugares de Aqui, Actas do Seminário: Terrenos Portugueses, centrou-se a atenção sobre a complexidade da definição e apropriação social do espaço. Paralelamente, destacou-se o ter- mo multifacetado de lugar, tendo este sido explicitado como uma unidade de análise:

Entende-se por lugar não apenas a configuração concreta de um espaço físico ou entidade ter- ritorial (com os seus usos, apropriações, significações) mas mais propriamente no sentido de local de intersecção social ou locus analítico de estudo (O ́Neill e Brito, 1991: 14-15).

De igual modo, em Terrenos Metropolitanos. Ensaios sobre a produção etnográfica (Sarró e Lima, 2003), coletânea de textos apresentados num seminário internacional sobre os desafios metodológicos inerentes aos terrenos metropolitanos, discute-se a definição de locus de análi- se e a investigação para apreensão do objeto de estudo. Os antropólogos Ramon Sarró e Antó- nia Pedroso de Lima argumentam que, tendo em conta a especificidade dos terrenos contem- porâneos - terrenos metropolitanos cujos estudos antropológicos se desenrolam nas grandes cidades - a delimitação do conceito de terreno já não se limita à mera definição de lugar, en- tendendo-se agora o objeto de estudo enquanto uma construção do antropólogo.

Pina Cabral argumenta que as condições da prática etnográfica se alteraram profundamente, pelo que: “há que abraçar ativamente a nossa presente condição metropolitana e aceitar a an- tropologia aplicada aos terrenos metropolitanos” (Cabral em Sarró e Lima, 2003: 177). No entanto, o autor adverte que, quando se trabalha nestes terrenos metropolitanos, caraterizados pela dificuldade de se encontrarem e definirem, bem como pela dificuldade de conseguir se- pará-los analiticamente da realidade fluida em que se inserem, nestes cruzam-se uma multipli- cidade de campos distintos de sociabilidade num emaranhado de percursos e significados, le-

vantando a questão: Como atingir uma visão holística deste emaranhado? O autor adverte, com o levantamento da referida problemática, que face à complexidade desta tarefa, o etnó- grafo poderá ser tentado a abdicar do ideal metodológico holista, o qual Cabral considera, caso viesse a suceder, como uma perda irreparável. Como alternativa, para tentar combater esta complexidade inerente, o etnógrafo deve necessariamente diversificar as suas fontes, uti- lizando não só fontes científicas, mas também a consulta de diversos tipo de documentos: in- formações apresentadas pelos média, textos legais, auto-narrativas identitárias. Concomitan- temente, o etnógrafo deverá também recorrer a diversas técnicas que o possam ajudar a ter uma visão alargada e, de certo modo, mais completa do objeto de estudo e análise, pois todas as fontes são essenciais para a criação da perspetiva holista (Cabral em Sarró e Lima, 2003).

Bebendo da problematização do conceito de lugar discutido em Lugares de Aqui (O ́Neill e Brito, 1991), e entendendo a análise do objeto de estudo como uma construção sobre o qual se mapeia uma estratégia de investigação, o locus de análise insere-se na nova corrente de refle- xões metodológicas emergidas na antropologia social e cultural após a reviravolta pós-moder- na dos anos 80/90.

No sentido de criar um campo de análise alargado, não apenas cingido ao MCG-CF, e com o objetivo de alcançar uma perspetiva holista (Miller, 1997; Macdonald em Gellner e Hirsch 2001; Cabral em Sarró e Lima, 2003), propôs-se para a realização de um estudo, tão completo quanto possível, sobre o património digital aplicado ao património cultural móvel, a seguinte abordagem:

1) aplicação de entrevistas a profissionais que desenvolvem ou desenvolveram atividades no Matriz, nomeadamente: Dr. Manuel Bairrão Oleiro - à data fevereiro de 2012, diretor de departamento no IMC; Dra. Isabel Cordeiro - à data março de 2012, diretora do Palácio Nacional de Queluz; Dra. Ana Castro Henriques - à data maio de 2012, conservadora do Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA); Dra. Teresa Campos - à data março de 2012 até ao presente, acessora principal da divisão do património imóvel, móvel e imaterial da DGPC. Assim como a profissionais que desenvolvem atividades na Sistemas do Futuro, nomeadamente: Dr. Fernando Cabral, fundador da empresa.

2) realização de trabalho de campo em contexto museológico, no MCG-CF. Tal como ressalta

Charlotte Aull Davies (1999) a participação do antropólogo não é a maior e a melhor técni- ca para agregar e recolher dados, muito embora essa sugestão seja promovida pelo concei- to de observação participante31, pois por se ter uma participação na vida quotidiana das pessoas, infere-se que este seja um meio facilitador de observação de comportamentos par- ticulares e eventos. Neste sentido, recorrer-se-á à observação como técnica que possibilita a inserção do investigador em ambiente museológico, aliada, contudo, à aplicação de uma diversificação de fontes - a consulta de documentos internos (tais como as fichas de inven- tário informatizadas; os documentos base para a elaboração de exposições temporárias); a consulta de arquivos (do arquivo fotográfico do museu e do arquivo digitalizado da FCG); e a realização de entrevistas não estruturadas a profissionais do museu.

3) análise da Europeana, plataforma digital para o património cultural europeu, lançado e atu- almente co-financiado pela Comissão Europeia;

4) análise do programa Memory of the World, lançado pela UNESCO;

5) análise dos produtos: In arte / In arte Plus / In arte Premium / In arteonline e In Web (3.0), da Sistemas do Futuro32, empresa que utiliza as novas tecnologias da informação para a gestão do património cultural e natural e que tem entre a sua carteira de clientes - associa- ções, autarquias, organismos públicos, escolas, universidades, igrejas, institutos, museus - a FCG.

31 Segundo Davies o termo observação participante poderá parecer paradoxal, na medida em que segundo a auto- ra, o desempenho dos dois papéis não pode ser simultâneo. Davies invoca Gold para explicitar que existem qua- tro gradações possíveis de participação: o observador completo, o observador como participante, o participante como observador ou o completo participante. Estes quatro papéis, defende Gold, são concebidos como uma gra- dação dependente do grau de aceitação das pessoas que estão a ser estudadas, podendo estes papéis vir a ser, ou não, alcançados gradualmente durante o trabalho de campo (Gold em Davies, 1998: 72).

32 A página oficial da empresa Sistemas do Futuro e os produtos: In arte; In domus; In natura; In memoria; In doc; In anthropos; In patrimonium; In thesauri; In site; In Web) está disponível em: http://sistemasfuturo.pt (Consultado a 14-12-2017).

6) análise de dois produtos do MATRIZ33: sistemas de informação para o inventário, gestão e divulgação online de património cultural e natural, desenvolvidos pela DGPC; a saber: Ma- triz 3.0 (bem como as respetivas fases de desenvolvimento - Matriz 1.0, Matriz 2.0) e Ma- trizNet.

7) análise de conteúdos dos websites institucionais do: MCG-CF, Europeana34, Memory of the

World35, Sistemas do Futuro e MATRIZ.

O que se pretende com esta abordagem, não apenas confinada ao contexto museológico em si, mas abrangente ao património digital no ciberespaço; aos sistemas de informação e gestão para o património cultural mais significativas a nível nacional; e aos programas e políticas sociais, culturais e económicas, nacionais e internacionais, para a digitalização do património cultural móvel, é que esta tese de doutoramento seja um exercício de investigação extensivo, tanto quanto possível, aos vários contextos da realidade social onde se inserem ações e atri- buições de significado ao património digital aplicado ao objeto museológico. A presente in- vestigação almeja, deste modo, ser uma reflexão original e arrojada, trazendo algo de inova- dor para a área dos estudos culturais em antropologia. Tomando como metodologia a etnogra- fia multi-localizada, ou tal como define Marcus, uma etnografia móvel - mobile ethnography (Marcus, 1995: 96), pretende-se ressaltar conceitos macroteóricos e narrativas do sistema mundo, numa convergência de ideias, discussões e teorias sobre a temática dos museus, das TIC e do património digital, onde o objetivo derradeiro é traçar linhas gerais e estruturas ine- rentes, com vista a uma visão global e alargada relativamente à prática museológica contem- porânea mediada, inevitavelmente, pelas novas tecnologias; ao património digital aplicado ao objeto museológico; assim como à teia política, social, cultural e económica que se tece em seu torno.

33 A gama de softwares MATRIZ e os seus produtos associados: Matriz 3.0; MatrizNet; MatrizWeb; MatrizPCI; MatrizPix) estão disponíveis em: http://www.matriz.dgpc.pt (Consultado a 14-12-2017).