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Capítulo 5. O contexto português

5.2 A normalização nas coleções museológicas

Na análise da gestão de coleções museológicas, o domínio da normalização documental cons- titui um ponto tão essencial, quanto delicado, a ser pensado (Matos, 2007; Remelgado, 2008). No que diz respeito ao registo e catalogação de um objeto, há muitas variantes a considerar:

A produção de um objecto, a sua cronologia, a sua função, são apenas alguns dos elementos que influenciam a forma como registamos toda a informação, já para não falar da perspectiva individual da instituição, na figura do inventariante, que, inevitavelmente, reflecte diferentes perspectivas de análise, estudo, investigação (Remelgado, 2008: 29).

Tendo em mente o quadro conceptual da epistemologia pós-modernista e pós-estruturalista, em que a documentação nos museus é encarada com natureza subjetiva, podemos entender o

campo destinado à descrição da peça como produção de um texto expositivo interpretativo (Kavanagh, 1990; Hooper-Greenhill, 1992; Wallace, 2001; Cameron e Robinson, 2007). Aqui, os objetos podem ser encarados como inerentemente polissémicos, dado o potencial que estes possuem para ser interpretados numa variedade de formas, e cujo significado não é intrínseco ou pré-definido, mas produto da estória que o historiador/curador constrói acerca do mesmo. Assim sendo, os objetos museológicos estão sujeitos a flutuações no significado que lhes é atribuído, encontrando-se dependentes de vários fatores: cultural, teórico, disciplinar, institu- cional, individual. Daqui advém que a sua classificação não seja evidente, singular ou rectilí- nea:

A silver teaspoon made in the eighteen century in Sheffield would be classified as «industrial art» in the Birmingham museum, «decorative art» at Stoke-on-Trent, «silver» at the Victoria and Albert Museum, «Industry» at Kelham Island (Hooper-Greenhill, 1992: 7).

Matos sublinha o importante papel da normalização documental para a documentação das co- leções em museus, quer para o bom funcionamento do museu, quer para o cumprimento da sua missão. Segundo o autor, normalizar é o fator de sucesso em todas as áreas nas quais inte- ragem pessoas (público e atores) através de computadores, onde este último se assume como uma ferramenta de comunicação e elemento facilitador da interação entre comunicador, men- sagem e destinatário. O autor defende acerca da normalização:

Deverá ser uma base sólida, um modelo com regras de estruturação de informação definidas que permita que os dados inseridos sejam depois lidos, indexados, cruzados entre si e, não menos importante, pesquisados e resgatados de uma forma satisfatória de acordo com os inte- resses do utilizador comum. Ou seja que os dados se transformem em informação, contribuin- do assim para que o conhecimento do património cultural possa ser alargado ao maior número de pessoas (Matos, 2007: 11-12).

Ao abordar a questão da normalização documental em museu, é imprescindível referir um conjunto de instituições internacionais que se revelam fundamentais para a área da produção normativa na documentação em museus (Semedo, 2005; Matos, 2007; 2012; Remelgado, 2008), onde o International Committee for Documentation of the International Council of

Museums102 (CIDOC-ICOM) assume importância primordial. O CIDOC estabelece quatro grupos de normas a respeitar aquando do processo de documentação: 1) normas de sistemas de informação - normas, procedimentos e requisitos a ter em conta no desenvolvimento dos sistemas de informação para a gestão informatizada de coleções em museus; 2) normas de da- dos - para obtenção de uma documentação normalizada; 3) normas de procedimentos - a ter em conta pelos técnicos dos museus; 4) normas de intercâmbio de informação - para permitir a interligação e comunicação entre diferentes sistemas de informação.

No âmbito das normas de intercâmbio de informação, pensadas para permitir a interligação entre diferentes sistemas dentro da mesma instituição e a comunicação entre sistemas de dife- rentes instituições ou desenvolvidos por diferentes fornecedores, foi criado o Conceptual Re-

ference Model (CIDOC CRM). A produção do documento CIDOC CRM, em 1999, resultou

do culminar de 10 anos de investigação de dois grupos de trabalho (CIDOC Documentation

Standards Working Group e CIDOC CRM SIG). O CIDOC CRM é um documento que mune

a comunidade museológica com um guia de conselhos e boas práticas na documentação de museus, uma ontologia formal que é destinada a facilitar a integração, mediação e intercâmbio de informações sobre o património cultural.

Este documento alcança um contexto alargado, na medida em que procura uma harmonização entre conteúdos e estruturas informáticas que permitam a interoperabilidade de dados entre bibliotecas, arquivos e museus. O seu objetivo é promover uma compreensão partilhada da informação do património cultural providenciando uma grelha semântica e uma linguagem comuns, bem como fornecendo esclarecimentos para transformar informações que se encon- tram díspares num discurso global coerente (Matos, 2007). Este documento ter-se-á demons- trado de tal modo consistente, que veio a tornar-se, em 2006, na norma ISO 21127:2006103, assumindo-se como um normativo internacional.

102 O CIDOC, Comité Internacional de Documentação do ICOM, dedica-se à documentação de coleções museo- lógicas. Mais informação disponível em: http://icom.museum/the-committees/international-committees/interna- tional-committee/international-committee-for-documentation/ (Consultado a 14-12-2017).

103 ISO é a sigla de International Organization for Standardization. Criada na Suíça, em 1947, é uma entidade de padronização e normalização, cujo objetivo principal é aprovar normas internacionais em todos os campos técni- cos, entre eles, normas de procedimentos. Informação adicional poderá ser consultada em: http://www.iso.org/ iso/catalogue_detail?csnumber=34424

Também a Collections Trust, organização do Reino Unido que investiga e desenvolve boas práticas para a documentação em museus, produziu o manual de procedimentos de documen- tação em museus mais utilizado a nível internacional: o SPECTRUM104. Segundo Matos, o SPECTRUM está já tão enraizado como um standard de referência, que a indústria de soft-

ware para museus o tem como referência essencial na construção dos sistemas de informação

a nível internacional. Este documento, essencial e incontornável, é constituído por duas sec- ções: 1) procedimentos: define os procedimentos a desenvolver em relação a situações de aquisição, empréstimo, transporte, ações de conservação ou restauro; e 2) requisitos de infor- mação para a documentação das coleções, que abrangem: propriedade, história, proveniência. Estas duas secções elucidam-nos com os tipos de informação que, caso seja tratada de uma forma estruturada e normalizada, permitirá a obtenção de resultados e de um conhecimento relacional aprofundado das coleções dos museus (Matos, 2007).

Outros casos internacionais dignos de menção devido à importância que desempenham para o estudo e desenvolvimento da normalização em museu, são: a Normalización Documental de

Museos: Elementos para una aplicación informática de gestión museográfica105 (Carretero, 1998), publicado pelo Ministério da Cultura Espanhol, em 1998; a Canadian Heritage Infor-

mation Network (CHIN)106, que desenvolve trabalho na definição de normas de estrutura de dados e de terminologia; e o Getty Institute, que tem a tarefa de desenvolver e atualizar o Art

& Architecture Thesaurus, uma ferramenta essencial para os museus de arte, arquitetura e cul-

tura material107.

104 A primeira publicação do SPECTRUM data de 1994. Desde então o documento tem sido alvo de permanentes atualizações, sendo o SPECTRUM 4.0 a sua última versão (editada em março de 2011). O SPECTRUM tornou- se um standard em 2005, após reflexão por mais de 100 instituições. Informação adicional disponível em: http:// www.collectionstrust.org.uk/collections-link/collections-management/spectrum/spectrum-resources/item/13911- about-spectrum (Consultado a 14-12-2017).

105 Publicado pela Dirección General de Bellas Artes y Bienes Culturales, órgão do Ministério da Cultura Espa- nhol, o presente trabalho teve como objetivo proporcionar ajuda aos museus aquando do tratamento e gestão da documentação associada ao património, de forma a facilitar as suas tarefas diárias e possibilitar um melhor servi- ço aos investigadores e ao público em geral. Deste documento resultou a criação, pelo Ministério da Cultura Es- panhol, de uma aplicação informática designada DOMUS que a ser primeiramente utilizada pelos museus tutela- dos pelo Ministério da Cultura Espanhol, tem o objetivo final de alcançar o máximo de museus possível inde- pendentemente da tutela. A Nomalización Documental de Museos está disponível em: http://www.mecd.gob.es/

cultura-mecd/areas-cultura/museos/mc/ndm/presentacion.html (Consultado em 14-12-2017).

106 A CHIN está disponível em: http://www.rcip-chin.gc.ca/index-eng.jsp (Consultada a 14.12.2017).

Não indiferente à necessidade de implementação de regras de normalização em Portugal, o IPM, atual DGPC, terá sentido necessidade de criar normas para os utilizadores do sistema de informação108 Matriz - gama de softwares de referência nacional para o inventário, gestão e divulgação online de património. Nesse sentido, foram criadas em 1999, as Normas de Inven-

tário:

Linha editorial suscitada pela necessidade, por parte do IPM, de produção e divulgação de ori- entações técnicas e boas práticas para o inventário de áreas de particular relevância do patri- mónio cultural móvel nacional (Costa e Costa, 2010: 27).

As Normas de Inventário surgem no contexto da necessidade de produção de uma uniformi- zação, isto é, da criação de um conjunto de procedimentos metodológicos padronizados e normalizados em função das características próprias de cada tipo de coleção em especifico, as quais assumem duas funcionalidades: 1) suportam e orientam a utilização das fichas de inven- tário para inserção dos dados no programa Matriz, 2) servem como um guia orientador para os museus portugueses (Costa e Costa, 2010). Estas Normas de Inventário, qual ferramenta de trabalho enquanto base para aprofundar a definição de procedimentos a adotar mediante cole- ções de determinada natureza, surgiram com cadernos de normas gerais e específicas. Ao todo, foram lançadas 13 Normas de Inventário em quatro áreas: Arte - artes plásticas e artes decorativas: normas gerais (2000), têxteis (2000), escultura (2004), mobiliário (2004), cerâ- mica (2007), pintura (2007), instrumentos musicais (2011), ourivesaria (2011); Arqueologia: normas gerais (2000), cerâmica utilitária (2007); Etnologia: alfaia agrícola (2000), tecnologia têxtil (2007); Ciência e Técnica: normas gerais (2010).

Estas Normas de inventário, pese a importância enquanto documento de referência e consulta indispensável, são porém aos olhos de Matos (2007), limitadas, na medida em que se referem a determinadas categorias de objetos incluídos em grandes super-categorias: arte, arqueologia, etnologia, ciência e técnica, e história natural, descurando outras áreas com representatividade no tecido museal nacional, como por exemplo, os transportes. Matos (2007) concluiu no seu estudo que a inexistência de uma norma de estrutura de dados como as CIDOC Information

Categories ou a Normalizácion Documental de Museos: Elementos para una aplicación in-

108 Um sistema de informação garante a criação, o armazenamento fiável e o uso efetivo (registo, acesso e pes- quisa) de coleções heterogéneas de documentos eletrónicos (texto, gráficos, áudio, vídeo), de forma conveniente para o utilizador final (Fernandes, 2011).

formática de gestión museográfica (Carretero, 1998), onde se estipulem regras para a norma-

lização documental nos museus portugueses, formam um obstáculo à criação de bases de da- dos capazes de responder às necessidades atuais em termos de documentação, divulgação e disseminação do conhecimento. Segundo o argumento do autor deveria ter sido criado, em Portugal, um documento técnico que contivesse ou definições de estruturas de bases de dados e procedimentos a adotar pelos museus na gestão das suas coleções, ou linhas de orientação nesta matéria.

5.3 A informatização e gestão de coleções em Portugal