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Capitulo 1. Museus na era digital

1.2 Novos desafios para os museus na era digital

1.2.2 Dos museus aos centros culturais O exemplo paradigmático do Fórum

Segundo Mark Rectanus (2006), a globalização implicou uma reconfiguração fundamental para os museus. As tecnologias digitais têm implicações de grande escala para o museu en- quanto força que opera dentro das redes globais de troca cultural e comunicacional. Quando pensamos na redefinição dos museus como instituições globais, duas forças independentes, mas relacionadas, persistem e assumem-se enquanto estratégias institucionais no posiciona- mento do museu num mercado regional e global para a cultura: 1) os museus incorporam mui- tas das funções de outras instituições culturais, assumindo-se como locais de eventos, educa- ção, compras e consumo visual; e 2) os museus tentam distinguir-se das outras entidades cul- turais, especialmente de outros museus e centros culturais, através da especialização temática.

Rectanus afirma que a redefinição dos museus dentro do contexto da globalização está relaci- onado com a produção da cultura e o significado social. A redefinição cultural dos museus em centros culturais engloba o alcance da comunidade e da educação, juntamente com o consumo e entretenimento; o que nos alerta, segundo o autor, para o papel do museu enquanto event

culture. O autor ressalta que os eventos culturais, embebidos dentro das redes globais de co-

municação média, são fundamentais para a captação de audiências, para o alcance de publici- dade e para a angariação de fundos; fazendo notar ainda que os eventos culturais realizados dentro e fora do espaço museológico, são fundamentais para captar audiências, para a produ- ção da cultura e da mudança social, pois envolvendo as comunidades intimamente no proces- so de planeamento e programação de exposições, os museus encontram-se na posição de criar novas formas de localidade, que comunicam entre o global e o local (Rectanus, 2006).

A troca material de artefactos ou coleções é um fator chave para manter a programação de ex- posições; estas embora sejam produzidas globalmente, são recontextualizadas localmente, re- velando-se uma oportunidade para curadores ou artistas captarem as comunidades na criação da localidade, uma dimensão crítica da teoria da globalização desenvolvida por Appadurai (2004: 198). Appadurai já assinalara e Carol Becker remarcara: “their status as centers of cul- tural events entertainment (…) museums uniquely positioned to engage the social imagination in order to participate in and initiate the process of redefining globalization” (Appadurai, 2000: 6; Becker, 2002: 134), isto é, os museus ao se assumirem enquanto centros de entrete- nimento de eventos culturais, posicionam-se como agentes que apelam à imaginação social para redefinirem a própria globalização, e consequentemente, o seu lado obscuro, proporcio- nado pela dissonância criada entre o local e o global.

Mark Rectanus enumera as características dos museus na era da globalização: a) estabeleci- mento de sistemas racionalizados de marketing internacional e merchandising; b) globaliza- ção de símbolos de cultura nacional e de identidade (tal como os tesouros nacionais); c) vali- dação do mandato dos museus por parte dos governos de democratizar e aumentar audiências; d) aspiração ao entretenimento e Iluminismo; e) providenciar um veículo para a promoção da imagem através do patronato (Rectanus, 2006: 381). Será pois neste contexto de redefinição da globalização (Appadurai, 2006), de redefinição do museu na sociedade da informação (Castells, 2010), e redefinição do museu na era da globalização (Rectanus 2006; Appadurai,

2004), que surge a idealização e a construção do Fórum Humboldt - centro cultural nacional e internacional, em Berlim, na Alemanha.

A Fundação Humboldt Forum foi criada em 2009 pelo Parlamento Alemão. Tem como objeti- vo promover a arte, cultura, educação, o pensamento crítico a nível internacional, a tolerância em todas as áreas da cultura, a compreensão mútua entre os povos, bem como a preservação e manutenção de sítios considerados património cultural. Com esta visão em mente, a Fundação encontra-se a reconstruir, até 2019, o palácio real de Berlim, destruído durante a II Guerra Mundial e onde, posteriormente, a RDA edificou o Palácio da República. Está concebido para ser o centro nacional e internacional de arte, cultura e ciência, uma nova referência para a cul- tura. O Fórum Humboldt tem como visão estratégica a promoção do diálogo das culturas do mundo através do questionamento da sociedade mundial, criando ligações entre coleções his- tóricas e temas pertinentes na atualidade (Bahr, 2013).

No âmbito da política de reunificação da Alemanha, foi proposta a recolocação das coleções dos museus no centro da cidade. Embora muitas coleções tenham sido recolocadas na Ilha dos Museus, a qual foi desenhada com uma visão de santuário para a arte e ciência, centrada na arte e cultura europeia e médio oriente; com a criação do Fórum Humboldt gerar-se-ão as condições para que as coleções não europeias possam também regressar ao centro de Berlim. A Prussian Cultural Heritage Foundation tem atualmente as suas coleções etnográficas repar- tidas entre o Ethnological Museum e o Museum of Asiatic Art, ambos localizados em Dahlem, na zona oeste de Berlim. Trazer esta coleção para o centro da cidade, estendendo-se a Ilha dos Museus ao novo palácio - formando-se um todo - faz parte de uma apresentação estratégica que se pretende equitativa, para obtenção de uma perceção integrada das culturas do mundo, formando uma unidade única concetual de património cultural, conhecimento, encontro e ex- periência (Bahr, 2013).

O objetivo seria igualar o sucedido nos grandes museus de arte. Jaques Chirac, antigo presi- dente francês, disse em 1995, que o Musée du Louvre não poderia persistir enquanto grande museu se continuasse a ignorar a arte de 70% da população humana; em Paris, o Musée du

Louvre passou a expôr uma galeria com obras primas de arte não-europeia e, em 2006, abriu o Musée du Quai Branly (Price, 2007; Dias, 2007), centro de excelência para a arte e a cultura

do museu ao integrar coleções etnológicas, e deu grande importância à justaposição do euro- peu e não-europeu. O Metropolitan Museum of Art (MET), em Nova Iorque, tem uma galeria dedicada à arte africana e à arte denominada dos Mares do Sul. Os grandes museus internaci- onais estão a levar em conta os anseios dos visitantes e das pessoas com interesses na cultura em dimensões globais. A coleção não-europeia do Prussian Cultural Heritage Foundation inclui obras primas de arte do mundo de todos os continentes.

Segundo o boletim The Berliner Schloss Post (nº XIII, 2015), o Fórum Humboldt será elabo- rado com inspiração no Centre Pompidou, em Paris, onde existe uma combinação de bibliote- ca pública, áreas de exposições e centro de eventos, os quais serão desenvolvidos, tal como se encontra descrito, consoante as necessidades do mundo globalizado do século XXI. Este cen- tro cultural basear-se-á no conceito integrado de museu (as coleções do Prussian Cultural He-

ritage Foundation), biblioteca (Berlin Central and State Library) e universidade, incluindo o

Humboldt-Lab (Berlin Humboldt University), os quais unirão forças e áreas de conhecimento, para a criação de um centro vívido, entusiasta e vibrante, onde todos são convidados a entrar e participar. À medida do que Castells (2010) delineara enquanto papel fundamental dos mu- seus na era da informação, o Fórum Humboldt propõe ser uma espaço cultural e político de sentido internacional, cujo objetivo primordial é assumir-se como uma entidade multidiscipli- nar e unificadora que promove a congregação e o entendimento de pessoas, ideias e culturas, baseando-se na premissa: mostrar peças centrais não de um modo geográfico auto-focado, mas de um modo que suscita a curiosidade, a abertura para as outras culturas, e o fascínio por outros mundos, gerando um conhecimento perspetivado sobre o mundo.

Segundo o discurso proferido por Hermann Parzinger, presidente da Prussian Culture Herita-

ge Foundation, aquando do lançamento da primeira pedra do Fórum Humboldt, em 2013, é

possível identificarmos, em todo o mundo, o modo como os projetos culturais incrementam a definição nacional de auto-perceção e identidade, onde os museus assumem um papel funda- mental: “nothing defines a country´s image in the world more powerfully than its cultural cen- ters" (Parzinger, 2015: 64), pelo que, tal como afirma o mesmo, o Humboldt Fórum contribui- rá para o processo de auto-afirmação num mundo globalmente interconectado. Neil McGre- gor, ex-diretor do British Museum (2002-2015), nomeado Diretor Geral do Fórum Humboldt de Berlim, expressa, numa ideia sintetizada, a filosofia subjacente a este centro cultural: “exis-

te uma cultura mundial: todas as pessoas têm de usar o mesmo raciocínio para se dedicar à solução dos mesmos problemas”30, fazendo ressaltar o objetivo do Fórum Humboldt em pro- curar modos sustentáveis de lidar com o outro e com o diferente. Este centro cultural almeja assumir um papel promotor da sobrevivência das culturas do mundo na era de globalização vivida no século XXI, onde se denota uma proliferação da pluralidade sem precedentes.

30 Retirado de Deutschland-Noticias: https://www.deutschland.de/pt-br/search?keys=Humboldt+Forum (Consul- tado a 14-12-2017).