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A EC 45/2004: norma de produção normativa de competência

CAPÍTULO 4 – A SÚMULA “VINCULANTE” NO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO

4.5 Fundamentos de validade da súmula “vinculante”

4.5.1 A EC 45/2004: norma de produção normativa de competência

Se visualizarmos a pirâmide normativa, constataremos que é na Constituição Federal que estão embutidas as normas que atribuem competência aos diversos órgãos do Estado para que realizem as atividades estatais.

O conceito de competência está ligado, portanto, à distribuição de funções específicas do Estado. É o que assevera Lourival Vilanova244:

“Com a repartição de funções, instituição de órgãos específicos, para funções específicas, cada órgão é um centro parcial de imputação, como o Estado é o centro total de imputação, de criação e de aplicação do direito. Cada órgão é um plexo de atribuições, de faculdades, de poderes e de deveres: é um feixe de competência. Como núcleo parcial de competência é um ponto de imputação (de referência, de atribuição, de pertinência). A subjetivação, o fazer de um centro de imputação, um sujeito-de-direito, é um processo técnico no interior do sistema jurídico. Desconcentra, reparte, divide atribuições e deveres.”

Na distribuição e repartição de competências, a Constituição Federal de 1988 concedeu, originariamente, ao Poder Legislativo a competência para editar veículos introdutores (enunciação-enunciado) de normas gerais e abstratas (enunciados- enunciado).

Excepcionalmente, entretanto, autorizou o Poder Judiciário a expedir normas de caráter geral, notadamente quando o propósito for o controle de constitucionalidade das normas e de atos normativos. A permissão para que o órgão julgador expeça norma jurídica de caráter geral e abstrato é possível em virtude da inserção no sistema

244

daquilo que Lourival Vilanova245 indica como regra de habilitação interna ao direito positivo.

De acordo com seu entendimento, “nos ordenamentos de ‘Direito escrito’, também existe norma geral que habilita o órgão julgador a criar norma com validade

erga omnes (assim no Direito trabalhista brasileiro). Tal regra está explícita ou

implícita. Sem essa norma de habilitação, juridicamente o órgão julgador estaria indo

contra ou praeter legem, inconstitucionalmente desfazendo a repartição de

competência dentro da qual esse órgão juridicamente existe. Mas o ato jurisdicional, mesmo o vertido sobre o caso, é, tipicamente, um ato de realização do Direito pela

individualização da lei”.

A competência atribuída pela Constituição Federal de 1988 para que o STF expeça normas com eficácia geral existe desde a EC 3/93, que concedeu efeito “vinculante” e eficácia erga omnes às decisões proferidas em sede de ação declaratória de constitucionalidade.

No que tange à súmula “vinculante”, foi a EC 45/2004 que inseriu no texto constitucional o art. 103-A e atribuiu ao STF a competência para produzir referida norma geral.

4.5.1.1 Competência do Judiciário para produzir normas jurídicas de caráter geral

São recorrentes as vozes que entoam a invasão de competência normativa do Poder Judiciário quanto à edição de norma jurídica de caráter geral. Os argumentos buscam, sobretudo, indicar uma suposta violação à tripartição dos poderes, na medida em que se confere a outro Poder estatal a função de elaborar leis246.

245

As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo, p. 235.

246

Já antecipamos que aos juízes é autorizado, originariamente, criar normas individuais e concretas, ancoradas nas normas gerais e abstratas produzidas pelo Poder Legislativo. Esse processo de criação do direito integra o ciclo de positivação jurídica, desde a norma mais abstrata até a mais concreta, próxima da conduta humana, e a norma veiculada na decisão judicial deve corresponder ao conteúdo da norma trazida na lei.

Excepcionalmente, todavia, como afirmado alhures, o sistema produz uma regra de habilitação interna, que autoriza o órgão judicial a construir normas jurídicas com efeito geral. É o que sucede com a autorização constitucional para a elaboração de súmula “vinculante” pelo STF. Destarte, inexiste violação à tripartição de poderes.

Ademais, a atribuição de competência ao Poder Judiciário para editar normas de caráter geral se justifica, especialmente, para garantir um efetivo controle de constitucionalidade. Sob este aspecto, Kelsen247 registra que o controle de constitucionalidade não pode ser realizado por aqueles órgãos do Estado cujos atos devem ser controlados. Ele nos adverte que

“el reclamo político-jurídico de garantias de la Constitución, es decir, de instituciones por médio de las cuales se controla la constitucionalidad del comportamiento de ciertos órganos del Estado inmediatamente subordinados a ella, como el Parlamento o el Gobierno, responde al principio específico de la máxima juridicidad de la función estatal, propia del Estado de Derecho. (...) También la pregunta técnico-jurídica acerca de la mejor organización de esta garantia constitucional puede ser respondida de diversas maneras, según el carácter peculiar de la Constitución y la distribución del poder político que ésta determina; (...) Sobre todos estos temas es posible discutir seriamente. Solo una cosa parece estar fuera de discusión, algo que es de una evidencia tan primaria, que casi parece innecesario destacarla en médio de la discusión de estos últimos años en torno al problema de la garantia constitucional: si debe ser creado absolutamente un instituto por médio del cual sea controlada la constitucionalidad de ciertos actos del Estado subordinado inmediatamente a la Constitución, en especial los actos del Parlamento o del Gobierno, de manera que dicho control no pueda ser transferido al órgano cuyos actos deben ser controlados.”

247

Essa regra de habilitação interna autorizando que a Corte Suprema construa normas gerais é produzida pelo sistema para assegurar a interpretação dos dispositivos constitucionais, de forma a garantir as atribuições conferidas ao Tribunal Constitucional e assegurar uma eficiente jurisdição constitucional.

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