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Súmula “vinculante” sob a dimensão pragmática: enunciado com força ilocucionária de

CAPÍTULO 4 – A SÚMULA “VINCULANTE” NO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO

4.4 Súmula “vinculante” sob a dimensão pragmática: enunciado com força ilocucionária de

4.4.1 Algumas considerações sobre a Teoria dos Atos de Fala

No princípio, a filosofia da linguagem enxergava na linguagem apenas um meio de descrever os fatos, com o objetivo de registrar os acontecimentos. Não se conseguia vislumbrar na linguagem a possibilidade da realização de ações.

Foi somente a partir do desenvolvimento da Teoria dos Atos de Fala por John Austin240 que se distinguiram os atos de fala em enunciados constatativos, que apenas descrevem fatos, e enunciados performativos, que realizam ações. Passou-se a compreender que atos como o casamento, o batizado, a promessa, a contratação, a ordenação, o pedido de desculpas, entre outros, são ações que se realizam por intermédio da dicção de algumas palavras.

Os enunciados performativos (que realizam ações) não se sujeitam ao binômio dos valores verdadeiro/falso, nem de válido/inválido, mas aos valores de sucesso/insucesso (happy/unhappy), que significam o preenchimento ou não de determinadas condições241 para que o ato de fala se perfectibilize.

240 Quando dizer é fazer: palavras e ação, passim.

241 As condições previstas por Austin para que o ato de fala performativo se complete são resumidas

em seis, devidamente enumeradas por Tárek Moussallem (Revogação em matéria tributária, p. 13- 14): “(i) deve existir um procedimento convencionalmente aceito, que apresente determinado efeito convencional e que inclua o proferimento de certas palavras, por certas pessoas e em certas circunstâncias; (ii) as pessoas e as circunstâncias particulares, em cada caso, devem ser adequadas ao procedimento específico invocado; (iii) o procedimento tem de ser executado por todos os participantes de modo correto; (iv) o procedimento tem de ser executado por todos os participantes de modo completo; (v) nos casos em que, como ocorre com freqüência, o procedimento visa às pessoas com seus pensamentos e sentimentos, ou visa à instauração de uma conduta correspondente por parte de alguns dos participantes, então aquele que faz parte do procedimento e o invoca deve, de fato, ter tais pensamentos ou sentimentos, e os demais actantes devem ter a intenção de se conduzir de maneira adequada. Além disso, (vi) devem realmente conduzir-se dessa maneira subseqüente”.

Buscando fazer a adequada distinção entre atos de fala constatativos e performativos, John Austin aprofundou sua teoria, elaborando a teoria dos atos

locucionários, ilocucionários e perlocucionários.

A segregação em locucionário, ilocucionário e perlocucionário nada mais é do que a visualização de três aspectos distintos de um único ato de fala.

Os atos locucionários caracterizam-se por serem o próprio dizer. Os atos ilocucionários correspondem àquilo que se faz ao falar alguma coisa. Por sua vez, os atos perlocucionários são os efeitos provocados no destinatário da mensagem pelo fato de ter sido dito alguma coisa, isto é, o resultado produzido pela ação de dizer algo.

À guisa de exemplo, consideremos o enunciado expedido pela mãe ao seu filho: “Filho, faça sua tarefa de casa até o final da tarde”. Este é o ato locucionário, ou seja, o próprio dizer. O ato ilocucionário pode ser o de uma ordem ou de mero aconselhamento, a depender da intenção do editor da mensagem, no caso, a mãe. O ato perlocucionário, por sua vez, é a reação do filho ao compreender o enunciado, que pode ser: “Ela me obrigou a fazer a tarefa”, ou, de outro modo, “ela me convenceu a fazer a tarefa” .

Para nosso estudo, centrar-nos-emos na força ilocucionária do ato de fala, que se volta especificamente para o que o editor da mensagem pretende ao expedi-lo.

Nesse sentido, releva a distinção entre o ato ilocucionário e o ato proposicional. Com efeito, um não se confunde com o outro. Manuel Maria Carrilho242 identifica as características de um e de outro, ao professar que: “o acto ilocutório não pode, por isso, confundir-se com o acto proposicional, pois o mesmo acto proposicional (por exemplo ‘feche a porta’) comporta a possibilidade de aparecer em actos ilocutórios muito diferentes, como a ordem (‘Vá fechar a porta’) ou o pedido (‘Por favor, feche a porta’)”.

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Isso demonstra que o ato proposicional pode ter o mesmo conteúdo, porém o ato ilocucionário pode variar, a depender da pretensão do emissor ao enunciar a mensagem.

Lastreado nessas idéias, José Luiz Fiorin243 indica um exemplo bastante elucidativo. Ele considera o enunciado “João estuda bastante”. Por meio de atos ilocucionários distintos, a frase pode assumir as seguintes feições: (i) João estuda bastante. (afirmação); (ii) João estuda bastante? (pergunta); (iii) Estude bastante, João. (aconselhamento) e (iv) Ordeno que você estude bastante, João (ordem).

Todo esse discurso tem a finalidade de nos remeter à dimensão pragmática da súmula “vinculante”. Já explicamos o instituto sob o ângulo sintático e demonstramos algumas acepções semânticas que o efeito “vinculante” recebe. Agora, resta-nos tecer a estrutura da súmula “vinculante”, vista sob o ângulo pragmático.

4.4.2 A súmula “vinculante” como ato ilocucionário ordenatório

Ao falarmos sobre as súmulas de jurisprudência predominante produzidas pelo STF, no item 3.1.3, afirmamos que, analisadas sob a Teoria dos Atos de Fala, elas tinham força ilocucionária de recomendação, ou seja, poder apenas de violência simbólica. Nesse passo, os órgãos do Judiciário e da Administração Pública não se encontram obrigados a seguir as diretrizes ali contidas e não se sujeitam a eventual sanção em face de seu descumprimento.

Com o advento da EC 45/2004, entretanto, a Constituição autorizou o STF a expedir súmulas “vinculantes”, cuja força ilocucionária, agora, é de ordem normativa.

Isso implica dizer que os sujeitos encontram-se obrigados a aplicar o contido em enunciado de súmula “vinculante”, sob pena de o interessado ajuizar reclamação

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constitucional, bem como de a autoridade que não a aplicou ser responsabilizada civil, penal e administrativamente.

Enfatizamos que a súmula “vinculante” (súmula enunciação-enunciada) é norma jurídica, que introduz no sistema jurídico enunciados prescritivos (súmula enunciado-enunciado), e, como tal, apresenta força ilocucionária prescritiva normativa.

A importância do ato ilocucionário toma ainda maior relevo quando se vislumbra a possibilidade de expedição de súmula “vinculante” com o mesmo conteúdo de anterior súmula de jurisprudência predominante, emitida pelo STF.

O conteúdo proposicional pode ser o mesmo. O ato ilocucionário, entretanto, será distinto. Tratando-se de súmula “vinculante”, o ato ilocucionário é de ordem. Daí por que sua força ilocucionária é de ordem normativa.

Acaso fosse empregada força ilocucionária de aconselhamento, a mesma proposição normativa não teria a característica de vinculadora.

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