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Súmula “vinculante”: enunciado-enunciado que dá completude a norma geral e

CAPÍTULO 4 – A SÚMULA “VINCULANTE” NO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO

4.5 Fundamentos de validade da súmula “vinculante”

4.5.4 Súmula “vinculante”: enunciado-enunciado que dá completude a norma geral e

produzidas pelo Poder Judiciário e pela administração pública

A súmula “vinculante” enunciado-enunciado tem o propósito, segundo o art. 103-A, § 1º, da CF/88, confirmado pelo art. 2º, § 1º, da Lei 11.417/2006, de conceder “validade, interpretação e eficácia de normas determinadas”.

A validade, como já anotamos, é relação de pertinência da norma com o sistema de direito positivo. Assim, uma vez introduzidos os enunciados prescritivos no ordenamento jurídico, a norma, por conseqüência, será tida como válida.

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Lembremos que, a rigor, a validade atua nos diversos planos (S1, S2, S3 e S4),

inicialmente no plano do enunciado prescritivo que é introduzido no direito positivo. Uma vez válido, a norma jurídica, produto da significação do enunciado, também o será.

Pela concepção kelseniana, a validade de uma norma é conferida por outra norma que estabelece o agente credenciado para produzi-la e o procedimento a ser praticado para o seu ingresso no sistema.

Com efeito, é o próprio direito positivo que verifica a regularidade dos enunciados produzidos, e, uma vez constatada sua irregularidade, por uma falha em sua edição, os expulsa do sistema. Este é o escólio de Lourival Vilanova250:

“o processo de geração de normas é sempre este: norma geratriz incidindo na subjetividade de um ato, cujo sentido objetivo (em virtude de norma incidente) é outra norma válida; se ocorrer defeituosidade no percurso procedimental, a norma gerada não nasce nula, na espécie do inexistente. É anulável, o que requer outro procedimento, normativamente estruturado, para desconstituir a norma impugnável.”

Entre os propósitos da súmula “vinculante” (enunciado-enunciado) está o de confirmar a regularidade de outra norma já existente, ou seja, de ratificar que o suporte físico da norma jurídica, por ocasião de sua produção, atendeu aos critérios de forma, de autoridade, bem como o momento e o local adequados251.

250 Causalidade e relação no direito, p. 308.

251 Tárek Moussallem tece críticas e identifica alguns problemas no discurso de Kelsen sobre validade.

Em seu entender, a validade diz respeito à enunciação-enunciada e ao enunciado-enunciado, enquanto o ato de produção normativa (enunciação) se submete aos valores de sucesso/insucesso (happy/unhappy), ou seja, se ele preencheu todas as condições exigidas para a consecução do processo de enunciação. Confira-se: “A norma, pelo simples fato de ser norma jurídica, já é válida, já pertence ao sistema do direito positivo. A partir da enunciação-enunciada que a veiculou no sistema, volta-se a enunciação para aferir ou não a felicidade ou a infelicidade (da enunciação). O ato de produção normativa não é válido ou inválido, é feliz ou infeliz. A enunciação-enunciada e os enunciados- enunciados (por conseqüência, as normas jurídicas) é que são suscetíveis de ser invalidados. A infelicidade da enunciação, para ser hábil a invalidar a norma por ela originada, deve ser agasalhada em outro enunciado” (Revogação..., p. 140-141).

Porém, a súmula “vinculante” (enunciado-enunciado) também se presta a conferir a interpretação de uma norma jurídica já existente, de acordo com o sistema constitucional vigente. Já afirmamos que a interpretação consiste em um processo de elucidação e de construção de sentido e perpassa pela trajetória que se inicia desde o subsistema S1 e se perfectibiliza com a conclusão do sistema S4. Nesse contexto, a

súmula enunciado-enunciado, à semelhança da decisão proferida em ação direta de inconstitucionalidade com redução ou sem redução de texto, impõe limites ao julgador, ao indicar qual significação deve ser adotada, ou qual significação não poderá ser utilizada, por ocasião da produção das normas individuais e concretas.

Por fim, a súmula “vinculante”, enquanto enunciado-enunciado, também se propõe a conceder eficácia a outras normas.

Lembremos que a idéia de eficácia está associada à produção de efeitos jurídicos e que o vocábulo eficácia pode indicar três acepções distintas: a eficácia técnica, jurídica e social. Retomando o assunto, a eficácia técnica está ligada à idéia de incidência da norma sobre o fato social, de forma a juridicizá-lo, trazendo-o para dentro do mundo jurídico. A eficácia jurídica consiste em atributo do fato jurídico de gerar efeitos jurídicos e, por conseqüência, fazer nascer a relação jurídica prevista no conseqüente normativo. E a eficácia social caracteriza-se como a efetividade da norma, isto é, a produção concreta de efeitos entre os sujeitos da sociedade.

É perfeitamente factível que falte a uma norma jurídica alguma regra regulamentadora ou que tenha uma regra inibidora, ou, ainda, que exista alguma dificuldade material que impeça a juridicização do fato. Em todos estes casos, há ineficácia, mais especificamente, ineficácia técnica.

A previsão de súmula “vinculante” (enunciado-enunciado) para conceder eficácia a outras normas, em nosso sentir, tem o condão de suprir a falta de uma norma regulamentadora, retirar a regra inibidora que impede que a norma jurídica produza

efeito ou, ainda, confirmar a regra inibidora por certo tempo ou até que eventual condição seja implementada.

Em todas essas situações, a súmula enunciado-enunciado não é fundamento de validade das decisões judiciais a serem proferidas (normas individuais e concretas). Entretanto, ela dá completude à norma geral e abstrata que é fundamento de validade de normas individuais e concretas a serem produzidas pelo Poder Judiciário e pela administração pública.

À guisa de exemplo, consideremos a existência da norma geral e abstrata, no âmbito tributário, que institua um tributo. Essa norma é fundamento de validade de várias normas individuais e concretas, mas referida regra-matriz de incidência contém um conceito que necessita de regulamentação.

A edição de uma súmula “vinculante” (enunciado-enunciado), esclarecendo sobre aquele conceito contido na regra-matriz de incidência, dá completude a essa última norma jurídica e, por conseguinte, possibilita que ela irradie efeitos jurídicos.

Nesse sentido, em nosso entender, a súmula “vinculante” não é fundamento de validade às normas individuais e concretas, mas completa a norma geral e abstrata, esta sim, fundamento de validade das decisões judiciais252.

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