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Existência, validade e vigência da norma jurídica

CAPÍTULO 1 – PREMISSAS FUNDAMENTAIS

1.9 Sistema jurídico

1.9.1 Existência, validade e vigência da norma jurídica

Temos reiteradamente afirmado que os elementos que compõem o direito positivo são as normas jurídicas válidas em determinado lugar e tempo.

De outro lado, compulsando a EC 45, de 8 de dezembro de 2004, que introduziu a súmula “vinculante”, deparamo-nos com a seguinte redação no art. 103-A, § 1º: “A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas (...)” (grifo nosso).

A Lei Federal 11.417, de 19 de dezembro de 2006, que regulamentou a edição, a revisão e o cancelamento de enunciado de súmula “vinculante”, enfatiza, repetindo o texto constitucional, em seu art. 2º, § 1º, que “o enunciado da súmula terá por objeto a

validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas (...)” (grifo nosso).

Com isso, a necessidade de conceituar validade86 é, para o presente estudo, tarefa imprescindível.

Dizer que uma norma é válida implica, antes de tudo, reconhecer que ela concorda com os critérios eleitos pelo sistema de direito positivo para que assim seja considerada. Diego Martin Farrell87 defende que

“las normas jurídicas se consideran válidas cuando concuerdan con el criterio adoptado por el jurista. Puede decirse, entonces, que la validez no es una propiedad de las normas, sino una relación entre la norma y el critério elegido: cuando la norma se ajusta al critério se la considera válida.”

86

Para os jusnaturalistas, a validade de uma norma jurídica depende de ela ser ou não justa (Orlando Gomes, Introdução ao Direito civil, p. 7).

87

Hacia un criterio empírico de validez, p. 23, apud Paulo de Barros Carvalho, Direito Tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 49.

A concepção de validade para Kelsen, adotada por Paulo de Barros Carvalho, coincide com a definição de existência, de pertinencialidade da norma ao sistema jurídico, ou seja, “será considerada norma válida aquela produzida por órgão credenciado pelo sistema e na conformidade com o procedimento também previsto pela ordenação total”88.

Este entendimento requer que o intérprete do direito, para constatar a validade de uma norma, conheça a forma, o momento, o local e a autoridade que expediu o documento normativo, ou seja, as fontes produtivas. Uma vez verificados e conferidos todos esses elementos constantes do processo de produção do documento normativo, eis que, pela linha kelseniana, ela é válido.

Aqui merece uma distinção, constatada sob a perspectiva do conceito de norma, ora adotado: fala-se em (i) validade dos enunciados do texto de lei (validade no subsistema S1), (ii) validade do sentido ou da significação atribuída ao texto (validade

no subsistema S2), (iii) validade da norma jurídica (validade no subsistema S3) e (iv)

validade da contextualização da norma jurídica dentro do sistema normativo (validade no subsistema S4), conforme o percurso da produção de sentido. Daí por que, em um

primeiro momento, não é a norma que é válida, mas o enunciado prescritivo, visto que a norma está no plano da significação.

Com isso, sob a ótica kelseniana, a validade será entendida como “a pertinência de um documento normativo ao direito positivo, em função dos critérios instituídos por sua fonte de produção, identificáveis na enunciação enunciada do próprio documento normativo. A validade no plano do texto é condição necessária da validade do conteúdo: atacando-se o texto, desqualifica-se a validade não só do documento, como de todo o seu conteúdo”89.

88

Direito Tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 50.

89

Eurico Marcos Diniz de Santi, Introdução: norma, evento, fato, relação jurídica, fontes e validade no direto. In: Eurico Marcos Diniz de Santi (coord.). Curso de especialização em Direito Tributário. p. 33.

Mas o conceito de validade, para Pontes de Miranda90, detém outra perspectiva. O saudoso mestre distingue a existência da validade das normas jurídicas. Para ele, são existentes as normas que ingressam no sistema jurídico, ou seja, a mera relação de pertinencialidade para com o direito positivo, considerando como válidas aquelas normas que, após o seu ingresso, são tidas como regularmente produzidas.

De acordo com essa concepção, o mundo jurídico é formado por três planos: o da existência, o da validade e o da eficácia. Ele defende que “para que algo valha é preciso que exista. Não tem sentido falar-se de validade ou de invalidade a respeito do que não existe. A questão da existência é questão prévia. Somente depois de afirmar que existe é possível pensar-se em validade ou em invalidade. Nem tudo que existe é suscetível de a seu respeito discutir-se se vale, ou se não vale”. E arremata dizendo: “os conceitos de validade ou de invalidade só se referem a atos jurídicos, isto é, a atos humanos que entraram (plano de existência) no mundo jurídico e se tornaram, assim, ato jurídicos”91-92.

Para as conclusões a que chegaremos, adotaremos a partir de então o conceito de validade de Kelsen, em que pese ainda fazermos algumas referências à teoria de validade pontiana, notadamente para melhor explicar os enunciados prescritivos inseridos na Constituição pátria e na Lei Federal que regulamentou a edição, a revisão e o cancelamento da súmula “vinculante”.

Vigência (denominada por alguns de validade normativa), por seu turno, é a aptidão da norma jurídica de produzir efeitos, tão logo ocorram no mundo social os fatos descritos em seus antecedentes93.

90

Tratado de direito privado, vol. 4, p. 1-7.

91

Ibidem, mesma página.

92

Acompanham esse pensamento: Riccardo Guastini, Il giudice e la legge – lezioni di diritto

costituzionale; Karl Larenz, Metodologia da ciência do direito.

93

Assim, existem normas que ingressam no sistema jurídico e, portanto, são válidas, mas que não estão vigentes (vacatio legis) ou perderam a sua vigência, não podendo gerar os efeitos jurídicos ainda que verificada a ocorrência do fato previsto na norma. Melhor dizendo: uma norma é vigente quando, antes mesmo da incidência, já está pronta para juridicizar os fatos e gerar os efeitos jurídicos previstos no seu conseqüente. Em arremate, Eduardo García Máynez94 esclarece que “vigencia designa el atributo de las reglas de conducta que en cierto lugar y en una cierta época el poder público considera obligatorias (sean o no cumplidas o aplicadas)”.

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