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Modulação dos efeitos e eficácia da súmula “vinculante”

CAPÍTULO 4 – A SÚMULA “VINCULANTE” NO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO

4.6 Procedimento de edição de súmula “vinculante”

4.6.3. Modulação dos efeitos e eficácia da súmula “vinculante”

O art. 4º da Lei 11.417/2006 possibilitou ao STF atribuir à súmula eficácia protraída ou restringir os seus efeitos “vinculantes”. É a chamada modulação dos efeitos do enunciado prescritivo construído pelo Poder Judiciário.

O referido comando está assim redigido:

“Art. 4.º A súmula com efeito vinculante tem eficácia imediata, mas o Supremo Tribunal Federal, por decisão de 2/3 (dois terços) dos seus membros, poderá restringir os efeitos

vinculantes ou decidir que só tenha eficácia a partir de outro momento, tendo em vista as

razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse público.” (grifos nossos)

A introdução no direito positivo pátrio de enunciados prescritivos que autorizam a Corte Suprema a expedir uma decisão e a lhe conceder diversos matizes, restringindo-lhe ou postergando os seus efeitos para momento futuro, é atribuída às Leis Federais 9.868, de 10 de novembro de 1999 (Lei da Ação Direta de Inconstitucionalidade), e 9.882, de 3 de dezembro de 1999 (Lei da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental)259-260.

259 Confiram-se os artigos legais que autorizam a concessão da modulação dos efeitos da decisão: Lei

n.º 9.868/1999: “Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado”. Lei n.º 9.882/1999: “Art. 11. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, no processo de argüição de descumprimento de preceito fundamental, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado”.

260

A constitucionalidade desses enunciados foi questionada pelas ações diretas de inconstitucionalidade ADIns 2.154 e 2.258 (contra o art. 27 da Lei n.º 9.868/1999, de relatoria do Ministro Sepúlveda Pertence) e 2.231 (contra o art. 11 da Lei n.º 9.882/1999, de relatoria do Ministro

Essa modulação dos efeitos da decisão decorre da flexibilização da teoria da nulidade ab initio261 da norma inconstitucional, ao permitir a ponderação com

outros princípios constitucionais, tal qual a segurança jurídica dos jurisdicionados e o interesse público ou social.

Com efeito, pela teoria da nulidade ab initio, uma vez declarada a inconstitucionalidade de norma constitucional, a norma geral e abstrata e as normas individuais e concretas com fundamento de validade naquela seriam expurgadas do sistema jurídico, em razão da retirada de sua validade.

Entretanto, a aplicação de todos os efeitos da declaração de inconstitucionalidade, retirando da ordem jurídica as normas que foram produzidas (tal como requer a teoria da nulidade ab initio), encontra limites constitucionais, notadamente os que se referem às garantias e direitos individuais do cidadão, como o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.

Daí a necessidade de se efetuar uma ponderação e impor restrições aos efeitos da decisão de inconstitucionalidade, de forma a proteger as normas individuais e concretas expedidas com fundamento de validade na norma inconstitucional. Nesse sentido, vale a transcrição da opinião do Consultor-Geral da União André Serrão Borges de Sampaio262, em seu pronunciamento na ADIn 2.154:

Néri da Silveira), sob o argumento de não haver autorização constitucional para a modulação dos efeitos da decisão. Neste sentido, Paulo Roberto Lyrio Pimenta, Efeitos da decisão de

inconstitucionalidade em direito tributário, p. 99.

261 Pela teoria dos atos jurídicos, divergem os estudiosos quanto à natureza jurídica da decisão que

declara a inconstitucionalidade de uma norma jurídica. Para alguns, seria de ato jurídico inexistente (Celso Ribeiro Bastos, Curso de Direito Constitucional, 1999, p. 388); para outros, de ato anulável (Hans Kelsen, Teoria pura do direito, 305-306; Lourival Vilanova, Causalidade e relação no direito, p. 307); e outros, ainda, de ato nulo (Pontes de Miranda, Comentários à Constituição de 1967, tomo I, p. 377; Gilmar Ferreira Mendes, Jurisdição constitucional, p. 254, baseado na doutrina alemã). Estamos com aqueles que o consideram um ato nulo.

262

“É lição comezinha da doutrina constitucional contemporânea a existência de tensões entre princípios constitucionais (CANOTILHO, op. cit., p. 171 e s.). A solução de tais conflitos de princípios jurídicos não se dá, todavia, por meio da exclusão de um dos princípios colidentes, mas antes por meio de uma ponderação em que se determina, sob determinadas circunstâncias, a prevalência de um dos princípios contrapostos. Esse procedimento metódico recebe diversas denominações (ponderação, colisão de direitos ou princípios fundamentais, equilíbrio de direitos etc.) que podem ser reconduzidas à idéia geral de cotejo da adequação de cada princípio às circunstâncias fáticas e normativas do caso a decidir (vide, a respeito, a internacionalmente prestigiosa obra de ALEXY, Robert. Teoría de los Derechos

Fundamentales. Madrid: Centro de Estúdios Constitucionales, 1993, em que se sustenta que a

ponderação de direitos obedece, em última análise às máximas do princípio da proporcionalidade ou, entre nós, do devido processo legal em sentido material: art. 5º, LIV). De fato, a regra inserta no art. 27 da Lei sob exame traduz uma autorização legislativa (e sempre haverá uma reserva legal implícita em todo o conflito entre normas ou princípios constitucionais com vistas ao estabelecimento de padrões normativos para a sua solução: CANOTILHO, op.cit., p. 619-622) para que a Corte Constitucional proceda à ponderação entre o princípio constitucional da nulidade da lei inconstitucional e ‘razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social’, por meio da qualificadíssima maioria de dois terços de seus membros.”

A flexibilização da teoria da nulidade dos atos tem sido consagrada em outros ordenamentos jurídicos. Em Portugal, v.g., o constituinte mantém como regra a retirada integral da norma jurídica do sistema jurídico, entretanto, autoriza que a determinadas decisões de inconstitucionalidade seja concedida limitação de seus efeitos, quando houver razões de segurança jurídica e eqüidade e, ainda, interesse público de excepcional relevo. Tudo isso baseado no princípio da proporcionalidade.

Retomando ao cenário nacional, podemos afirmar, quanto às decisões de declaração de inconstitucionalidade, que a regra funciona da seguinte forma: com a invalidação da norma constitucional geral e abstrata, todas as normas individuais e concretas que tenham fundamento de validade naquela norma devem ser retiradas do sistema.

Entretanto, quando houver, excepcionalmente, razões de segurança pública ou de interesse social, será mantida a validade das normas individuais e concretas.

“Resumindo tudo, tem-se o seguinte cenário, uma vez declarada a inconstitucionalidade de uma norma jurídica, (i) pode-se retirar a validade daquela norma geral e abstrata e, conseqüentemente, expulsar todas as normas individuais e concretas que se lhe apóiam; (ii) retirar a vigência futura (ou manter o vigor, no dizer de Tércio Sampaio Ferraz Júnior), fazendo com que a norma jurídica declarada inconstitucional permaneça vigorando quando aos casos anteriores à declaração de inconstitucionalidade.”263

No primeiro caso, os efeitos da decisão inconstitucional são plenos; na última situação, os efeitos da decisão são restritos, operando-se a chamada modulação dos efeitos, aqui discutida, e já aplicada no controle concentrado de constitucionalidade das ações diretas de inconstitucionalidade e das argüições de descumprimento de preceito fundamental, por disposições legais expressas, e no controle difuso, por construção jurisdicional.

4.6.3.1 Eficácia imediata

Da leitura do art. 4.º da Lei 11.417/2006, constata-se que, tão logo a súmula “vinculante” (enunciado-enunciado) seja inserida no sistema jurídico, pelo procedimento ali descrito, sua eficácia será imediata. Essa é a regra.

A norma, entretanto, deve ser construída em conjunto com o art. 2.º, § 4.º, da referida lei, que concede o prazo de 10 dias após a edição do enunciado para que o STF o publique na imprensa oficial.

Assim, a eficácia é imediata a partir da data da publicação.

263

Cf. Robson Maia Lins, Controle de constitucionalidade da norma tributária: decadência e prescrição, p. 181-182.

4.6.3.2 Eficácia protraída no tempo

Existe a possibilidade de diferimento da eficácia dos efeitos “vinculantes” para momento futuro, desde que assim decidam 2/3 dos ministros do STF e que tal decisão seja motivada por razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse público.

A eficácia protraída se opera pela presença de uma regra inibidora no conseqüente da norma jurídica geral e concreta que introduz o enunciado de súmula “vinculante” no sistema jurídico. Referida regra inibidora ocasiona a ineficácia técnica sintática e, por conseqüência, impede que a norma juridicize o fato social descrito em sua hipótese.

O diferimento da eficácia para momento futuro impede que a súmula enunciado-enunciado vincule o Judiciário e a Administração Pública enquanto não chegar o momento descrito na regra. Antes disso, entendemos que tanto os órgãos do Judiciário quanto os agentes da Administração Pública encontram-se desvinculados, podendo decidir de acordo com suas próprias convicções, conforme ou contrariamente o entendimento esposado na súmula “vinculante”.

E aí vale uma observação: enquanto a norma que concede efeitos “vinculantes” ao enunciado de súmula não detiver eficácia técnica para juridicizar o fato social, seus comandos normativos somente deterão o poder de violência simbólica a que se refere Tércio Sampaio Ferraz Júnior, que permeia as súmulas meramente persuasivas264.

264 André Ramos Tavares entende de forma diversa. Para ele, “quando a Lei fala em ‘decidir que só

tenha eficácia a partir de outro momento’, não deve ser entendido como ‘decidir que os efeitos

vinculantes só tenha eficácia a partir de outro momento’. Não haveria sentido que a súmula fosse

editada com efeito vinculante diferido no tempo. Isso equivaleria a que o modelo retrocedesse até as súmulas ordinárias, já presentes no modelo brasileiro anterior à reforma sumular, que não contam com efeito vinculante. É, ademais, um paradoxo (e quase uma ironia) que a súmula vinculante seja não- vinculante” (Nova Lei da Súmula Vinculante: estudos e comentários à Lei 11.417, de 19.12.2006, p. 67). Discordamos desse posicionamento. Entender nesse sentido seria admitir que a construção de uma norma que concede efeitos “vinculantes” com eficácia protraída requeria, necessariamente, a

4.6.3.3 Restrição dos efeitos “vinculantes”?

A lei também concedeu ao STF a possibilidade de restringir os efeitos

“vinculantes”. Neste caso, a nosso ver, o legislador quis dar ao STF a mesma

competência conferida pelas leis da ADIn e da ADPC, para impor restrições aos efeitos decorrentes da aplicação daquele enunciado, admitindo a manutenção no sistema jurídico de normas individuais e concretas produzidas quando da vigência da norma inconstitucional. É dizer: o STF tem a possibilidade de editar enunciado com efeitos “vinculantes”, cujo conteúdo, por ocasião de sua aplicação, será endereçado de forma restrita aos fatos jurídicos futuros, mantendo no sistema, por conseqüência, as normas individuais e concretas expedidas com fundamento de validade naquela norma inconstitucional, quando se encontrava em vigência.

Assim, a restrição não seria dos efeitos “vinculantes”, mas dos efeitos da aplicação do enunciado de súmula “vinculante”.

Fazer uma interpretação literal do dispositivo da lei, que fez uma colagem inadequada dos artigos das Leis da ADIn e da ADPC, implicaria um resultando, no mínimo, extravagante. Vejamos.

Uma primeira leitura do dispositivo sugere que a súmula “vinculante” seja não-“vinculante”, justamente por ter seus efeitos restringidos. A restrição poderia ser temporal, de forma que o enunciado produzisse seus efeitos futuramente. Porém, estaríamos diante de uma redundância, uma vez que o próprio artigo já prevê a possibilidade de a súmula “vinculante” ser produzida com efeitos protraídos.

construção de uma outra norma com efeitos “vinculantes” imediatos, cujo conteúdo do enunciado fosse contrário ao enunciado da súmula com eficácia protraída. É dizer: se um enunciado de súmula “vinculante” considera uma norma jurídica inconstitucional, e a eficácia dessa norma somente se dará três meses após sua vigência, o Judiciário e a Administração Pública estariam obrigados, durante esses três meses que antecedesse à sua eficácia, a decidir pela constitucionalidade da norma jurídica.

Imaginar uma restrição pessoal, de modo que o enunciado fosse vinculador quanto a uns e não vinculador quanto a outros também não convence. É certo que o enunciado não vincula o Legislativo, mas é fruto de atividade jurisdicional e não se endereça a esse Poder. Entender, por exemplo, que o enunciado vincularia a Administração, mas não o Judiciário, seria admitir que a Administração recorresse ao Judiciário para confirmar o seu desrespeito pela súmula. De forma contrária, vincular o Judiciário e liberar a Administração Pública seria conceder liberdade para que ela (a Administração) se exonerasse da submissão ao princípio da legalidade.

Uma outra possibilidade funesta seria uma restrição espacial dos efeitos “vinculantes”. A idéia não agrada, visto que a declaração de inconstitucionalidade de uma norma jurídica de âmbito nacional ou a interpretação de um dispositivo constitucional deve atingir a todos, abrangendo todo o território nacional.

Ainda assim, se poderia entender por uma restrição dos efeitos “vinculantes” a alguns enunciados da súmula quando ela fosse composta por vários enunciados. De acordo com esse entendimento, haveria na súmula uma parte “vinculante” e outra não-“vinculante”265. Não conseguimos enxergar essa possibilidade, uma vez que a norma introdutora do enunciado prevê a aplicação da sanção em caso de inobservância de aplicação de toda a súmula “vinculante”.

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