• Nenhum resultado encontrado

3 A TEORIA GERAL DA SOCIEDADE DE LUHMANN

3.3 A MEDIAÇÃO TEMPORAL DA COMUNICAÇÃO E A ESTABILIZAÇÃO

3.3.2 O subsistema da política e as decisões coletivas vinculantes

3.3.2.3 A efetivação do poder e a preservação da seletividade individual

A questão das seleções (decisões) que os indivíduos desejam evitar nos direciona a investigar como o poder promove a mediação de seleções evitáveis. Enquanto meio de comunicação, o poder porta códigos simbolicamente generalizados, aptos a proporcionar que a comunicação transmita a complexidade de forma reduzida e, consequentemente, que as seleções do governante (detentor do poder) e do governado (não-detentor do poder) sejam mutuamente identificadas. Evidencia-se, então, que o código do poder dá origem a um processo de seleções múltiplas, a partir dos processos comunicacionais que se estabelecem entre detentor/não-detentor do poder. O código do poder, ao proceder a generalização de significados, ao fazer persistir o significado dos signos, possibilita que a comunicação seja aceita em circunstâncias de elevada improbabilidade. Evidentemente, para que o poder, enquanto processo comunicacional, efetive-se, é necessária a simplificação da transmissão de seleções em um contexto em que a seletividade individual encontra-se preservada. A preservação da seletividade, contudo, não indica que as possibilidades de seleção sejam idênticas para aqueles que participam do processo comunicacional. A própria função de incentivo da comunicação já indica que as seleções individuais se entrelaçam e se completam. Assim, "A seleção feita por um alter limita as seleções possíveis de um ego a ser comunicada sob condições específicas [...]"157 (LUHMANN, 2005b, p. 16). Mas, além de a seleção do detentor do poder naturalmente restringir as possibilidades de seleção daquele que não detém o poder e vice-versa, o poder, enquanto processo comunicacional, traz à tona uma diferenciação relevante entre seleções, visto que os desdobramentos são distintos para os indivíduos que se comunicam (detentor e não-detentor do poder). Na verdade, o processo de

156

Tradução livre do texto original: "El poder pierde su función de crear doble contingencia en la misma proporción que se aproxima la carácter de la coerción." (LUHMANN, 2005b, p. 14).

157 Tradução livre do texto original: "La selección hecha por un alter limita las selecciones posibles de un ego al ser comunicadas bajo condiciones específicas [...]" (LUHMANN, 2005b, p. 16).

92 comunicação, mediado pelo código do poder, estabelece uma diferença entre alternativas evitáveis do detentor do poder e do não-detentor. Segundo Luhmann,

O poder não é exercido a menos que a relação dos participantes com suas respectivas alternativas evitáveis seja estruturada de forma diferente, de tal modo que a pessoa sujeita ao poder tenha uma maior preferência por evitar sua alternativa

que a que teria o portador do poder [...]158 (LUHMANN, 2005b, p. 32).

O poder cria, então, uma diferença e, implicitamente, estabelece uma ordem a partir da qual as alternativas serão avaliadas pelos participantes. É neste sentido que o processo comunicacional da decisão política carrega de forma imanente a dificuldade de proceder a eliminação de alternativas. Evidentemente, é o código simbolicamente generalizado do poder que fornece os recursos (comunicacionais) necessários a que o detentor do poder direcione as decisões dos indivíduos não-detentores do poder. Isso quer dizer que o poder constitui uma circunstância na qual seu detentor (como processo decisório) dispõe de potenciais recursos para criar alternativas menos favoráveis para os indivíduos não-detentores do poder (LUHMANN, 2005b), direcionando, assim, as seleções desses indivíduos com a finalidade de prevenir alternativas desfavoráveis (como, por exemplo, as sanções, desemprego, inflação, penas e estímulos financeiros, dentre inúmeros outros). Para que isso ocorra, o código do poder dispõe de recursos que possibilitam uma condição de influência (de direção) sobre a vontade daquele que é afetado pelo poder.

Apesar disso, existe insegurança em relação às seleções dos indivíduos detentores do poder, exatamente porque dispõem de mais de uma opção. Para estes, as seleções têm um duplo efeito: produzir e reduzir insegurança daqueles indivíduos que não detêm o poder (LUHMANN, 2005b). A diferenciação entre alternativas evitáveis, contudo, não afeta a seletividade individual. Pelo contrário, para que o processo comunicacional tenha sucesso, faz-se necessário que tanto o detentor como o não detentor do poder reconheçam mutuamente suas alternativas evitáveis (seleções individuais). Por isso, é possível dizer que o processo comunicacional destinado à regulação política não se processa quando a seletividade de um dos participantes encontra-se afetada. Na verdade, como processo comunicacional o poder requer, essencialmente, que tanto seus detentores como os não detentores atuem no sentido de que o exercício do poder se efetive como comunicação. Por isso, devemos ressaltar que as "[...] regulações não fazem com que o detentor do poder seja mais importante ou, em nenhum

158 Tradução livre do texto original: "El poder no se ejerce a menos de que la relación de los participantes con sus alternativas evitables respectivas sea estructurada en forma diferente, de tal modo que la persona sujeta al poder tenga una preferencia mayor por evitar su alternativa que la que tendría el portador del poder […]" (LUHMANN, 2005b, p. 32).

sentido, mais causal na formação do poder, que a pessoa sujeita ao poder."159 (LUHMANN, 2005b, p. 23). Na verdade, a intensidade do exercício do poder aumenta quando se garante a liberdade de seleções daqueles indivíduos não-detentores do poder (LUHMANN, 2005b). Isso não quer dizer que conflitos entre seleções não se instaurem a partir do código do poder, mas apenas que as seletividades individuais, tanto dos detentores como dos não-detentores do poder, encontram-se preservadas (dupla contingência).

No plano factual, então, o meio de comunicação do poder possibilita o direcionamento de seleções dos indivíduos não-detentores do poder. Dessa forma, a efetivação do poder se vincula às possíveis expectativas daqueles que lhe são sujeitos, as quais podem ser frustradas. Para Luhmann (2005b, p. 34) "O poder apenas é usado quando se constroi uma combinação de alternativas mais desfavoráveis diante de uma determinada expectativa."160. Neste sentido, o poder diferencia as expectativas em favoráveis e desfavoráveis. Obviamente, essa diferenciação se perfaz no plano na legitimidade, em outras palavras, a diferenciação produzida pelo poder necessita de legitimação. É exatamente neste ponto que surge uma das questões mais criticadas na teoria de Luhmann:

A promulgação de uma lei no parlamento pode ser registrada como êxito político. Nesse ato terminam longos esforços destinados a obter um consenso sólido, e essa nova lei modifica, simultaneamente, a situação de vigência do direito: serve de instrução para os tribunais e além disso serve para todo aquele que deseje saber, no âmbito do sentido correspondente, o que está conforme o direito (e o que não

está).161 (LUHMANN, 2005a, p. 501).

Neste contexto, a função do subsistema político se esgota na promulgação da lei. E, inclusive, é sobre esse limite funcional que é feita diferenciação operativa entre os subsistemas da política e do direito, conforme será visto no item 3.3.3.