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3 A TEORIA GERAL DA SOCIEDADE DE LUHMANN

3.1 A OPERAÇÃO QUE DÁ IDENTIDADE AO SISTEMA SOCIAL (A

3.1.3 Os elementos da comunicação

Em termos gerais, a comunicação é subdividida em três distintos elementos: o ato de comunicar (ou emissão), a informação e o ato de entender83. Trata-se, em regra, de seleções (LUHMANN, 2009b) que conduzem o processo de comunicação84. Aqui, é evidente que a comunicação deve ser compreendida como uma seletividade coordenada (LUHMANN, 1998). Neste contexto, a comunicação apenas se estabelece quando alguém compreende (ato de entender) que outrem emitiu informações (ato de comunicar). A comunicação, portanto, não se perfaz com a simples emissão de informações, mas a partir do exato instante em que a informação emitida é compreendida por outrem. Quando isso acontece, o ato de comunicar, pelo simples fato de difundir uma informação, altera o estado do sistema psíquico e, com isso, estabelece, por si só, uma diferença informativa:

[...] uma diferença que leva a mudar o próprio estado do sistema; tão somente pelo fato de ocorrer, transforma [...]. Independentemente da forma como se decide, a comunicação fixa uma posição no receptor. Posteriormente, já não importa, então, a aceitação ou a rejeição, nem a imediata reação à informação. O fundamental é que a informação tenha realizado uma diferença. (LUHMANN, 2009b, p. 83).

A comunicação, entretanto, não transmite informação entre aqueles que se comunicam (LUHMANN, 1992). Para esse autor,

A metáfora da transmissão é inservível, porque envolve demasiada ontologia. Ela sugere que o emissor transmite algo que é recebido pelo receptor. Este não é o caso, simplesmente porque o emissor não dá nada, no sentido de que ele perde alguma

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No sentido de compreender a diferença entre o ato de comunicar e a informação (CORSI, ESPOSITO e BARALDI, 1996).

84 Por exemplo, o ato de comunicar tem de ultrapassar a decisão (seleção) entre emitir ou não a informação. Por sua vez, a reprodução de informações denota uma seleção que exclui as demais informações. Por fim, o ato de entender significa que outrem compreendeu as distintas seleções transmitidas com o ato de comunicar e com a informação.

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coisa. A metáfora do possuir, ter, dar e receber não serve para compreender a

comunicação.85 (LUHMANN, 1998, p. 142).

Nesse contexto, Luhmann (1998, p. 144) indica que "O ato de comunicar deve duplicar a informação [...]"86. Assim, a aquisição da informação por outrem não se dá em detrimento de quem a detinha inicialmente (quem emite a informação). A comunicação apenas difunde uma informação (uma seleção) sem qualquer perda para quem a emite. Isso significa que a informação87 já se encontra disponível para aqueles que se comunicam: aquele que se comunica "[...] deve entender-se a si mesmo como parte do conhecimento universal que pode ser conhecido, já que a informação o remete a si mesmo (de outra maneira não poderia manejá-la)."88 (LUHMANN, 1998, p. 142). A questão, então, volta-se a compreender como a comunicação difunde a informação, em outras palavras, difunde uma seleção.

Na perspectiva teórica de Luhmann (2009b), a comunicação é um processo no qual os indivíduos estão necessariamente inseridos em contextos de referências linguísticas comuns, as quais, evidentemente, precedem o próprio processo de comunicação. A informação difundida (ou a seleção sugerida por um indivíduo) pela comunicação, portanto, deve encontrar-se inserida nas referências linguísticas comuns. Então, enquanto processo de seleções múltiplas, a comunicação apenas se efetiva quando o medium linguagem fornece referências linguísticas comuns, ou seja, signos socialmente reconhecidos que garantem "[...] a compreensão intersubjetiva, ou seja, o reconhecimento da seleção da outra parte como seleção [...]"89 (LUHMANN, 2005b, p. 11). Evidentemente, na ausência de tais referências – em outras palavras, quando os signos da linguagem não adquirem um significado comum aos indivíduos que se comunicam – a comunicação não se perfaz. A comunicação utiliza generalizações em forma de signos (CORSI, ESPOSITO e BARALDI, 1996), generalizações dos símbolos destinadas a tornar possível "[...] que persista um significado idêntico quando confrontados com diferentes pessoas em diferentes situações, com o objetivo de tirar conclusões iguais ou similares."90 (LUHMANN, 2005b, p. 46).

A diferenciação da comunicação em três distintos elementos traz à tona a questão da unidade da comunicação. Se a comunicação sintetiza uma diferença (ato de comunicar,

85 Tradução livre do texto original: "La metáfora de la transmisión es inservible porque implica demasiada ontología. Sugiere que el emisor transmite algo que es recibido por el receptor. Este no es el caso, simplemente porque el emisor no da nada en el sentido de que pierde él algo. La metáfora del poseer, tener, dar y recibir no sirve para comprender la comunicación." (LUHMANN, 1998, p. 142).

86 Tradução livre do texto original: "El acto de comunicar debe duplicar la información [...]" (LUHMANN, 1998, p. 144).

87 Segundo Luhmann (1998, p. 142) "[...] la información es una selección de un repertorio (conocido o desconocido) de posibilidades". 88 Tradução livre do texto original: "[…] debe entenderse a sí mismo como parte del conocimiento universal que se puede conocer, ya que la información lo remite a sí mismo (de otra manera no podría manejarla)." (LUHMANN, 1998, p. 143).

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Tradução livre do texto original: "[...] la comprensión intersubjetiva, es decir, el reconocimiento de la selección de la otra parte como selección [...]" (LUHMANN, 2005b, p. 11).

90 Tradução livre do texto original: "[...] que persista un significado idéntico cuando se le enfrenta a diferentes personas en diferentes situaciones, con el objeto de sacar conclusiones iguales o similares (LUHMANN, 2005b, p. 46).

informação e ato de entender), o que a torna, então, uma unidade? De forma geral, dentro da tradição sistêmica, a unidade coloca-se ao lado da diferença: uma pressupõe a outra. Especificamente em relação à comunicação, Luhmann (2009b) aponta que o ato de entender representa a unidade da comunicação, exatamente porque porta a diferença entre o ato de comunicar e a informação. Neste contexto, o ato de entender “[...] não deve ser compreendido como um estado substancialmente psíquico91, mas somente como condição para que uma comunicação possa seguir adiante” (LUHMANN, 2009b, p. 302). A continuidade da comunicação, portanto, fica na dependência apenas de se entender ou não a informação emitida (ato de comunicar). No primeiro caso, a comunicação tem prosseguimento; no segundo, a comunicação requer que sejam utilizadas referências mais rudimentares, tais como gestos, desenhos, mapas etc.

A questão do prosseguimento da comunicação – vinculada a apenas ao ato de entender as informações emitidas (ato de comunicar) – aponta no sentido da desvinculação entre a

comunicação e o consenso92. A continuidade da comunicação, portanto, não se prende a que

ela seja aceita: "Quem chega a entender a comunicação, considera tal entendimento necessariamente como premissa para rechaçá-la, ou para fazer a próxima comunicação"93 (LUHMANN, 2009b). A comunicação, portanto, "[...] oferece a oportunidade de que se aceite ou se recuse a última comunicação" (LUHMANN, 2009b, p. 308). Neste sentido, Luhmann afirma que

[...] a comunicação pressupõe sempre uma situação de dupla contingência. Através dos processos comunicativos vulgares, as opções de um indivíduo são transmitidas a outro. Quando entendidas, estas opções podem ser aceites ou rejeitadas. (LUHMANN, 1992, p. 103).

É exatamente o reconhecimento de que a continuidade da comunicação não depende do consenso entre os indivíduos que se comunicam – exige-se apenas que as informações emitidas (ato de comunicar) sejam compreendidas (ato de entender) como seleções distintas – que fornece a fundamentação ao pressuposto de que a comunicação não porta nenhum valor,

nem se obriga a produzir determinado resultado94 (LUHMANN, 2009b). Pelo contrário, “[...]

o que se obtém da comunicação não é o consenso, mas uma bifurcação da realidade” (LUHMANN, 2009b, p. 307). A comunicação, portanto, encontra-se aberta a todos os

91 O ato de entender não corresponde ao consenso, ou seja, à concordância de pensamentos entre os indivíduos que se comunicam. 92

No sentido de que a comunicação "[...] esteja guiada por uma idealidade normativa, com o objetivo de atingir uma ação comum" (LUHMANN, 2009b, p. 306).

93 Em outras palavras, dar prosseguimento, continuidade, à comunicação.

62 conteúdos, ao consenso e ao dissenso, ao sim e ao não. Mas, se a comunicação não se prende ao consenso, qual é, afinal, sua função? Segundo Luhmann,

A comunicação absorve insegurança (uncertainty absorption); o que significa dizer que ela geralmente se orienta pela premissa do que tem sido imediatamente compreendido, sem a necessidade de voltar à reconstrução de todo o processo de comunicação. (LUHMANN, 2009b, p. 307).

Apesar disso, o ato de entender a comunicação se depara com a questão da contingência (da incerteza), porque as referências comuns da linguagem já não conseguem habilitar atos de comunicação diante da multiplicidade de indivíduos e de relações entre ausentes. O enfrentamento dessa complexidade (social) exige da linguagem respostas, a fim de simplificar a comunicação em ambientes de elevada improbabilidade, preservando, assim, sua função de absorver a insegurança. É o que veremos a seguir.