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4 O CONSTITUCIONALISMO COMO RESPOSTA SISTÊMICA NO

4.2 A RESPOSTA SISTÊMICA DO CONSTITUCIONALISMO

4.2.1 A constituição como processo comunicacional

4.2.1.1 A questão da concretização normativa constitucional

Exatamente na perspectiva de uma derivação linguística dentro da linguagem especializada do subsistema do direito, surge a relevante questão da função das constituições, no sentido de projetarem expectativas normativas generalizadas e, consequentemente, de promoverem a estabilização social. Neste contexto, Neves (2007, p. 67) afirma que "[...] a norma constitucional, como um caso particular de norma jurídica, representa um tipo de expectativa de comportamento contrafactamente estabilizada [...]". Mas, ao projetar expectativas normativas generalizadas, as constituições se deparam com o problema da concretização dos conteúdos jurídico-constitucionais, visto que a norma constitucional pode ter sua normatividade mitigada, porque já não consegue influenciar e ser influenciada pela realidade. Neves (2007) trata dessa questão em termos de constitucionalização simbólica244, a fim de ressaltar as discrepâncias entre texto e realidade constitucionais, decorrentes da "[...] hipertrofia da dimensão simbólica em detrimento da realização jurídico-instrumental dos dispositivos constitucionais" (NEVES, 2007, p. 96).

Em termos sistêmicos, a constitucionalização simbólica corresponde a uma restrição à autonomia funcional do subsistema do direito. Neste sentido, Neves explica que

No caso de constitucionalização simbólica, o código "lícito/ilícito" é sistemática e generalizadamente bloqueado em seu desenvolvimento por critérios políticos e econômicos, de tal maneira que a diferença entre sistema jurídico e ambiente perde nitidez. Enquanto código fraco, o jurídico não se amplia em detrimento de outros códigos sistêmicos. Ao contrário, os códigos fortes "poder/não-poder"245 e "ter/não-

ter"246 atuam em prejuízo da reprodução constitucionalmente consistente do sistema

jurídico. (NEVES, 2007, p. 169).

A constitucionalização simbólica tanto assume um sentido negativo, de constituições que não têm vigência social, como um sentido positivo, de constituições em que predominam conteúdos tipos-ideais (NEVES, 2007). No sentido negativo, a constitucionalização simbólica

244 Neves (2007, p. 102) aponta três modalidades de constitucionalização simbólica: "1) [...] destinada à corroboração de determinados valores sociais", a fim de confirmar valores; 2) a constituição como fórmula de compromisso dilatório, a fim de evitar conflitos sociais; 3) a "constitucionalização-álibi", a fim de retirar pesos do sistema político.

245 Código do subsistema da política. 246 Código do subsistema da economia.

132 indica que a concretização constitucional não se desdobra em projeções de expectativas normativas generalizadas. Isso corresponde a dizer que "[...] o texto constitucional não é suficientemente concretizado normativo-juridicamente de forma generalizada" (NEVES, 2007, p. 91). Neste caso, a sobreposição dos demais códigos sistêmicos sobre o código do subsistema do direito impede que os "critérios/programas jurídico-constitucionais" se realizem (NEVES, 2007, p. 93). Para Neves,

[...] o texto constitucional proclama um modelo político-jurídico no qual estaria assegurada a autonomia operacional do direito. Mas do sentido em que se orientam a atividade constituinte e a concretização do texto constitucional resulta o bloqueio político da reprodução operacionalmente autônomo do sistema jurídico. (NEVES, 2007, p. 149).

Isso significa dizer que, do processo de concretização constitucional, emerge uma realidade na qual há insuficiente projeção de expectativas normativas generalizadas. O problema não se dá ao nível da eficácia247, no sentido de uma "[...] desconexão entre disposições constitucionais e comportamentos dos agentes públicos e privados [...]", mas por "[...] uma ausência generalizada de orientação das expectativas normativas conforme as determinações dos dispositivos da Constituição" (NEVES, 2007, p. 92). É nesse sentido que Neves (2007, p. 92) relaciona a constitucionalização simbólica com a ausência de "[...] vigência social das normas constitucionais escritas [...]"248.

Já no sentido positivo, a constitucionalização simbólica denota a "reverência retórica diante de determinados valores [...]" (NEVES, 2007, p. 97). Neste caso, segundo Neves (2007, p. 95), "[...] a atividade constituinte e a linguagem constitucional desempenham um relevante papel político-ideológico". Trata-se, evidentemente, de constituições que, por um lado, relegam sua função de "[...] regular as condutas e orientar expectativas conforme as determinações jurídicas das respectivas disposições constitucionais [...]" (NEVES, 2007, p. 96); e, por outro, adquirem uma função ideológica muito relevante (NEVES, 2007) na transmissão de valores – tais como democracia, paz, justiça social, erradicação da pobreza e desenvolvimento regional, dentre outros – que apenas seriam realizáveis "sob condições sociais totalmente diversas" das que se apresentam na realidade (NEVES, 2007, p. 98). Neste caso, os conteúdos constitucionais se desvinculam da realidade material. Portanto, em sentido positivo, a constitucionalização sintetiza "a fórmula retórica da boa intenção do legislador constituinte e dos governantes em geral" (NEVES, 2007, p. 98). Ocorre, na verdade, a

247 No sentido de "direionamento normativo-constitucional da ação" (NEVES, 2007, p. 92)

"deturpação pragmática da linguagem constitucional" (NEVES, 2007, p. 99), com nítida sobreposição do código do subsistema da política sobre o código do subsistema do direito (NEVES, 2007)249. Neste caso, a constitucionalização simbólica se presta a imunizar o subsistema da política contra possíveis alternativas destinadas a mudanças sociais (NEVES, 2007).

Neste ponto, é necessário diferenciar as normas constitucionais programáticas da constitucionalização simbólica. Para Neves (2007, p. 116), "A constitucionalização simbólica está [...] intimamente associada à presença excessiva de disposições constitucionais pseudoprogramáticas", enquanto as normas constitucionais programáticas "[...] seriam [...] normas de "eficácia limitada", não servindo à regulação imediata de determinados interesses, mas estabelecendo a orientação finalística dos órgãos estatais" (NEVES, 2007, p. 113). Segundo Neves,

[...] através da normatização "programática" dos "direitos sociais fundamentais" dos cidadãos, os sistemas constitucionais das democracias ocidentais européias emergentes nos dois pós-guerras respondiam, com ou sem êxito, a tendências estruturais em direção ao welfare state. (NEVES, 2007, p. 115).

Portanto, as normas constitucionais programáticas não têm a função de imunizar o subsistema da política, mas de, mesmo que de forma restrita, projetar (orientar) expectativas normativas generalizadas de proteção socioeconômica do indivíduo. Logo, "[...] a vigência social (congruência generalizada) de normas constitucionais programáticas depende da existência das possibilidades estruturais de sua realização [...]" (NEVES, 2007, p. 115). Isso significa dizer que as normas constitucionais programáticas, diferentemente da constitucionalização simbólica, devem ser realizáveis.