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4 O CONSTITUCIONALISMO COMO RESPOSTA SISTÊMICA NO

4.4 A QUESTÃO DA EXPANSÃO DO CÓDIGO DO SUBSISTEMA DA

4.4.1 O projeto político-econômico totalizante do neoliberalismo

4.4.1.1 O constitucionalismo e o enfrentamento da complexidade social decorrente da

A previsão em sede constitucional de controle aos poderes político, econômico e social (constitucionalização) mostrou-se uma relevante resposta sistêmica no enfrentamento da complexidade social. Por exemplo, nas sociedades liberais, a expansão do código do subsistema do direito apresentou respostas hábeis a questões econômicas específicas, tais como o fomento à acumulação do capital ou a proteção à propriedade e ao contrato. Por sua vez, no Estado de bem-estar, sob condições específicas do pós-guerra e de forte estímulo ao consumo (keynesianismo), a institucionalização de direitos fundamentais sociais conseguiu se refletir em ganhos sociais relevantes. Todavia, em fins do século XX e início do século XXI, observa-se a extraordinária expansão do código do subsistema da economia – correspondente a uma economia operada agora em escala mundial e em tempo real –, habilitada pelo desenvolvimento de tecnologias da informação. Vale ressaltar que, em uma conjuntura de inevitável internacionalização dos mercados de capital e de produtos, o constitucionalismo se depara com o problema da institucionalização de limites ao poder econômico. Essa questão é ressaltada por Castells:

A globalização da produção e do investimento também representa uma ameaça ao

Estado do bem-estar social, um dos principais componentes das políticas dos

Estados-Nação dos últimos 50 anos, e provavelmente o principal sustentáculo da legitimidade desse Estado nos países industrializados. Isso se deve ao fato de que está se tornando cada vez mais contraditória a idéia de que empresas possam atuar em mercados globalizados e integrados, tendo de arcar com grandes diferenciais de custo em termos de benefícios sociais, bem como trabalhar com diferentes níveis de regulamentação que variam de país para país. (CASTELLS, 2006, p. 296)

312 Isso não significa desprezar os movimentos e conflitos sociais que emergiram desse processo. Apenas devemos reconhecer que estes não dispunham da mesma rede informacional e, por isso, estavam fadados a uma competição desigual.

174 A observação da realidade, tal como ela se apresenta (autorreferência) no contexto tecnológico-comunicacional das sociedades contemporâneas, indica que os esforços no sentido de impor restrições político-jurídicas ao código do subsistema da economia perdem relevância, expondo a real incapacidade de as constituições nacionais conduzirem e controlarem processos econômicos globalizados. Não se trata, evidentemente, da mera sobreposição de um código sistêmico sobre os demais, mas da amplitude dessa sobreposição. Enquanto, por um lado, o código do subsistema da economia consegue habilitar atos de comunicação em escala global e em tempo real, tal como observado na atual ordem econômica mundial, por outro, os códigos dos subsistemas da política e do direito ainda se encontram atrelados aos territórios nacionais e são processados em uma escala temporal não- real. De forma geral, a tentativa de expansão dos códigos da política e do direito (globalização da ordem político-jurídica) tem demonstrado, no contexto mundial, severas dificuldades, com interposição de instituições entre o cidadão e o Estado e evidente déficit democrático e de legitimidade (BOBBIO, 2000). Além disso, no plano nacional, não pudemos nos esquecer dos problemas em relação à perda parcial da soberania nacional e da condenação dos cidadãos a um custo elevadíssimo. Por exemplo, a imposição, pelos Estados nacionais, de restrições político-jurídicas, tais como barreiras alfandegárias, sanitárias, cotas e subsídios ao mercado produtor local, dentre outras, quase sempre se desdobra em ineficiência econômica, isolamento tecnológico, desemprego, elevação de preços e, até mesmo, em deslocamento de relevantes bases de incidência tributária, tais como o capital e o lucro (SCHARPF, 1999), dentre outras.

Essa realidade termina por revelar as assimetrias entre os códigos dos subsistemas da economia, da política e do direito e, com isso, expõe as dificuldades do constitucionalismo no enfrentamento da complexidade das sociedades atuais, dificuldades relacionadas tanto à institucionalização de critérios/programas jurídico-constitucionais (acoplamento estrutural) como à projeção de expectativas normativas generalizadas (especialização do subsistema do direito constitucional) de bem-estar geral, em dissintonia com a realidade econômica. Em ambas as perspectivas sistêmicas, o que se evidencia são condições não mais delimitadas territorialmente e, portanto, não mais sujeitas a restrições político-jurídicas nacionais. Neste ponto, é necessário reconhecer que a institucionalização de direitos fundamentais, em especial, dos sociais, não mais depende, apenas, das condições econômicas locais, mas, sobretudo, das mundiais, e que, além disso, a expansão do código da economia afeta a normatividade constitucional (NEVES, 2007), o que mitiga a capacidade de as constituições nacionais projetarem expectativas normativas generalizadas em um espaço territorial local.

Não se trata, evidentemente, da constitucionalização simbólica, nos termos descritos por Neves (2007), mas da impossibilidade fática de as próprias constituições projetar expectativas normativas generalizadas em ambientes em que a realidade nacional não se prende, exclusivamente, às decisões político-jurídicas locais. É neste contexto que surge a pertinente questão acerca da capacidade de, na contemporaneidade, o Estado nacional, que não mais detém controle sobre os processos econômicos313, ainda ofertar, realisticamente, ampla proteção socioeconômica. Essa questão nos direciona a indagar a efetividade das decisões político-jurídicas nacionais, acerca de uma sociedade mais equânime na atualidade. De fato, a expansão do código do subsistema da economia trouxe à tona a questão da proteção socioeconômica do indivíduo em condições econômicas distintas daquelas para as quais foram projetadas no processo de constitucionalização dos Estados social e de bem-estar. Isso exige, dos códigos dos subsistemas da política e do direito, respostas a problemas específicos do código do subsistema da economia. O constitucionalismo se depara, então, com o desafio de institucionalizar ampla proteção socioeconômica em um contexto de economia internacionalizada, ou seja, em um contexto de sobreposição do código do subsistema da economia.