• Nenhum resultado encontrado

3 A TEORIA GERAL DA SOCIEDADE DE LUHMANN

3.3 A MEDIAÇÃO TEMPORAL DA COMUNICAÇÃO E A ESTABILIZAÇÃO

3.3.1 Complexidade social e resolução não-violenta de conflitos

3.3.1.1 A formação dos subsistemas sociais

Conforme visto no item 3.2.1.2, os signos da linguagem já não mais conseguem habilitar atos de comunicação em ambientes de elevada improbabilidade. O êxito da comunicação, então, fica na dependência de a própria linguagem desenvolver mecanismos adicionais a ela (meios de comunicação), a fim de tornar prováveis comunicações improváveis. Mas, a resposta da linguagem (mecanismos adicionais à linguagem) à improbabilidade da comunicação termina por revelar a impossibilidade de se “[...] conseguir incluir todas as condições que garantam o êxito da comunicação numa semântica homogênea, válida para todas as situações [...]" (LUHMANN, 1992, p. 49). Existem, então, determinados atos de comunicação que, por sua especificidade, não conseguem ser habilitados pelos signos comuns da linguagem.

Os meios de comunicação portam códigos simbolicamente generalizados destinados a habilitar atos de comunicação em ambientes de elevada improbabilidade. E exatamente por isso terminam por revelar que a possibilidade de êxito da comunicação está atrelada a semânticas específicas. Nesse contexto, os meios de comunicação devem ser enxergados como meros recursos linguísticos a improbabilidades específicas da comunicação. O inevitável desdobramento são as derivações comunicativas, em outras palavras, os atos de comunicação específicos satisfeitos por distintos códigos simbolicamente generalizados. Segundo Luhmann (2005b, p. 48) "Com base em uma generalização simbólica e em uma

132 Tradução livre do texto original: "[...] expectativas complementarias y modos de comportarse con base en las expectativas [...]" (LUHMANN, 2005b, p. 46).

potencialização, para cada meio diferente é possível desenvolver um código diferente [...]"133. Entretanto, o que acontece quando surgem derivações comunicativas não satisfeitas pelos códigos já existentes? Essa situação indica a emergência de processos comunicacionais que não conseguem ser habilitados através dos códigos existentes. Neste ponto, é importante apontar que um determinado código não pode evoluir a ponto de descaracterizar sua função de habilitar uma comunicação específica. Por isso, as derivações comunicativas apenas ocorrem quando a linguagem desenvolve novos códigos aptos a habilitar os processos comunicacionais derivados. Portanto, a especialização da linguagem está relacionada com o desenvolvimento de novos códigos simbolicamente generalizados, não propriamente com a evolução dos códigos.

A especialização da linguagem indica que a comunicação se dispersa em uma pluralidade de atos de comunicação, processados em conformidade com os códigos simbolicamente generalizados dos meios de comunicação. Só a partir da especialização da linguagem o sistema social consegue enfrentar o problema do êxito da comunicação em ambientes de elevada improbabilidade (LUHMANN, 2005b), tornando prováveis aquelas comunicações improváveis. Contudo, a especialização da linguagem indica também que o sistema social apenas dispõe de respostas parciais à complexidade social, haja vista que o êxito da comunicação fica na dependência dos atos de comunicação processados em conformidade com os códigos simbolicamente generalizados (bases restritas de aceitação) dos meios de comunicação.

A especialização da linguagem termina por evidenciar o processo evolutivo do sistema social. Neste sentido, Luhmann afirma que

[...] um sistema só é capaz de evolução, e sê-lo-á sempre, quando determinados problemas internos se agravam a tal ponto que já só podem resolver-se com a ajuda de modificações estruturais. Isto não quer dizer que os problemas produzam as suas próprias soluções e muito menos que estamos a regressar a uma teoria teleológica. Significa sim que só quando surge uma problemática suficientemente determinada, depende da estrutura e com possibilidades de solução muito limitadas, se esboçam soluções suficientemente específicas de tal maneira que as meras casualidades, as condições passageiras e os ambientes adequados podem actuar favoravelmente. Como sempre, esta variante da teoria da evolução também não oferece nenhuma garantia de que isto ocorra; apenas põe a claro as condições para que isto possa ocorrer. (LUHMANN, 1992, p. 129-130).

O desdobramento concreto da possibilidade da evolução sistêmica é evidenciado através da diferenciação do sistema social em diversos subsistemas sociais (diferenciação

133 Tradução livre do texto original: "Con base en una generalización simbólica y en una potencialización, para cada medio diferente se puede desarrollar un código diferente […]" (LUHMANN, 2005b, p. 48).

82 sistêmica), com atos de comunicação processados em conformidade com semânticas específicas. Obviamente, a formação dos subsistemas sociais fica na dependência de a linguagem especializada possibilitar o êxito parcial da comunicação. Mas, além disso, somente por meio de um processo seletivo (de inclusão e exclusão) que aponte quais semânticas são viáveis, que atos de comunicação terão êxito. Com isso, dá-se a seleção dos subsistemas viáveis e a exclusão daqueles que não são capazes de elevar o êxito da comunicação (de tornar provável uma comunicação improvável). Neste sentido, Luhmann indica que

[...] deve entender-se o processo de evolução sociocultural como a transformação e ampliação das possibilidades de estabelecer uma comunicação com probabilidade de êxito, graças à qual a sociedade cria as suas estruturas sociais; e é evidente que não se trata de um mero processo de crescimento, mas de um processo selectivo que determina que tipos de sistemas sociais são viáveis e o que terá de excluir-se devido à sua improbabilidade. (LUHMANN, 1992, p. 44).

É dentro do contexto da existência de atos de comunicação específicos que Luhmann (1992) descreve o processo evolutivo das sociedades denominado de diferenciação sistêmica. Nesse contexto, a formação dos subsistemas sociais está relacionada com o êxito da comunicação, conseguido parcialmente a partir de semânticas especializadas. Neste ponto, é necessário ressaltar que a derivação do medium linguagem (semântica homogênea) em meios de comunicação (semânticas específicas) apenas revela diferentes modos de mediação (transmissão simplificada) das seleções individuais que se coordenam (ou se acoplam) (CORSI, ESPOSITO e BARALDI, 1996). Os códigos simbolicamente generalizados dos meios de comunicação, portanto, apresentam-se como equivalentes funcionais dos signos comuns da linguagem.

A evolução dos sistemas sociais depende, portanto, do sucesso comunicativo. É neste contexto que Luhmann descreve a formação dos sistemas sociais:

O sucesso comunicativo [...] é um mecanismo de selecção evolutiva. Com base naquilo que comecei por chamar o problema central da teoria da comunicação – o problema da contingência irreprimível da aceitação/rejeição das mensagens comunicadas – desenvolveu-se uma diferenciação entre mecanismos evolutivos para variação e seleção, isto é, entre linguagem e meios de comunicação. [...]

Mas será que tudo se torna real? É isto precisamente o que a teoria da evolução nega. A selecção só é selecção quando pode simultaneamente <desrealizar> algo do que é possível. Além disso, acontece que em sociedades complexas e altamente diferenciadas a selecção comunicativa já não garante a estabilidade e a reproducibilidade das soluções dos problemas. A estabilidade, então, requer um mecanismo especial: a formação de sistemas. (LUHMANN, 1992, p. 116-117).

É o sucesso comunicativo que possibilita a diferenciação sistêmica, isto é, a formação dos subsistemas sociais. Para Luhmann (1992, p. 48), "[...] o aumento das possibilidades de comunicação no processo da evolução conduz à formação de sistemas e como deu lugar à diferenciação de sistemas próprios para a economia, a política, a religião, a ciência, etc.". Assim, a diferenciação sistêmica tem relação com a fixação de sentido da comunicação. Para Luhmann,

As reutilizações do significado que tem sido comunicado devem-se a uma dupla exigência, e seu resultado final será um significado que permanece fixo na linguagem e uma comunicação socialmente diferenciada. Por um lado, o significado utilizado terá de ser condensado a fim de assegurar que ele seja reconhecido como sendo o mesmo em um contexto diferente. Desse modo, são produzidas invariâncias autoidentificáveis. Por outro, o significado que é reutilizado tem de se confirmar em

um contexto diferente.134 (LUHMANN, 2005a, p. 184).

A partir da diferenciação dos códigos simbolicamente generalizados, denota-se que o sistema social fragmenta-se em múltiplos subsistemas parciais com códigos distintos, portanto, com semânticas específicas. De fato, a diferenciação sistêmica evidencia apenas a capacidade de a linguagem criar novos códigos a fim de possibilitar o êxito de processos comunicacionais e, com isso, atender a novas necessidades sociais. Obviamente, a diferenciação sistêmica apenas é possível a partir da especialização da linguagem, ou seja, a partir do instante em que surge uma base de aceitação restrita capaz de possibilitar que um determinado subsistema processe atos de comunicação específicos, distintos, portanto, daqueles processados nos demais subsistemas.

É evidente que todos os subsistemas sociais têm como operador social a comunicação, predicada, agora, de códigos específicos: cada subsistema social processa em seu interior atos de comunicação fundamentados em um código simbolicamente generalizado específico. Para Corsi, Esposito e Baraldi (1996, p. 42) "[...] todos os sistemas tratam todas as comunicações exclusivamente em termos de seu próprio código."135. Com isso, a diferença entre subsistemas pode ser perfeitamente identificada porque a natureza autopoiética e autorreferencial das operações específicas é preservada. Essa característica reforça a delimitação (fixação dos limites) dos subsistemas sociais, já que os códigos terminam reforçando suas identidades: "Cada uma das operações que se orientam ao código gera ao mesmo tempo, enquanto

134 Tradução livre do texto original: "Las reutilizaciones del sentido que ha sido comunicado se deben a un doble requerimiento, y su resultado final será un sentido que queda fijo en el lenguaje y una comunicación socialmente diferenciada. Por un lado, el sentido utilizado se tendrá que condensar para asegurar que se le reconozca como siendo lo mismo en un contexto diferente. De este modo se producen invariancias reidentificables. Por otro, el sentido que se reutiliza se tiene que confirmar en un contexto diverso." (LUHMANN, 2005a, p. 184).

135 Tradução livre do texto original: "[...] todos los sistemas tratan todas sus comunicaciones exclusivamente en los términos de su propio código." (CORSI, ESPOSITO e BARALDI, 1996, p. 42).

84 operação, um limite interno e externo (portanto, a distinção entre autorreferência e heterorreferência)."136 (CORSI, ESPOSITO e BARALDI, 1996, p. 42).

No caso dos subsistemas sociais, a preservação da identidade de um subsistema em particular exige os atos de comunicação sejam processados em conformidade com os códigos de símbolos generalizados fornecidos por um meio de comunicação específico. Isso corresponde a dizer que um determinado subsistema, a fim de preservar sua identidade, deve excluir os atos de comunicação que portam seleções distintas daquelas dos códigos binários:

[...] cada uma das operações orientadas ao código contribui para fixar os limites do sistema nas relações do que lhe é externo e a especificar as uniões internas, de modo que recursivamente se cria uma rede de comunicações conexas que desenvolve uma

forma de independência em relação ao resto da sociedade.137 (CORSI, ESPOSITO e

BARALDI, 1996, p. 42).

Outra questão interessante é que a diferenciação sistêmica denota a especialização funcional dos subsistemas sociais, com a consequente atribuição de funções exclusivas a cada um deles. Assim, os subsistemas sociais se tornam funcionalmente autônomos. Na verdade, a diferenciação sistêmica envolve, necessariamente, operações de inclusão e de exclusão. É exatamente a seletividade sistêmica que garante a exclusividade operativa dos subsistemas e, consequentemente, de suas funções (LUHMANN, 2005a). Essa questão tem a ver com o fato de os subsistemas terem de excluir as operações que não são próprias, a fim de preservar sua identidade. Nesse sentido, é possível afirmar que "Os códigos, portanto, são distinções com as que um sistema que observa as próprias operações e define sua unidade: permitem reconhecer quais operações contribuem para sua reprodução e quais não."138 (CORSI, ESPOSITO e BARALDI, 1996, p. 42).