• Nenhum resultado encontrado

A equipe observando a família frente à doença e à internação

7.1 “A vivência” é a maneira como se aprende a lidar com a família na unidade

7.2.1 A equipe observando a família frente à doença e à internação

A equipe de enfermagem, no seu trabalho diário, observa características relacionadas à doença da criança, que leva a diferentes comportamentos da família e do familiar que o acompanha. Assim, se a doença é aguda, o que geralmente está relacionado com uma primeira internação; se a doença é crônica com várias internações; ou se o estado da criança é grave ou estável; se é a primeira fase da internação; ou dependendo do tipo de doença faz com que a equipe de enfermagem tenha que interagir de diferentes formas com os familiares de acordo com a situação que se apresenta.

No caso das doenças agudas, mais comumente nesta unidade, as afecções respiratórias ou outras afecções da pediatria geral como abscessos, e outros, existe o aspecto da surpresa para a família, acrescido muitas vezes pelo fato de não conhecerem o

hospital ou a unidade, ou mesmo nunca terem tido a experiência de internar um filho no hospital. Há a necessidade de rapidamente se organizarem, se afastarem das atividades cotidianas para permanecerem no hospital. A equipe observa este comportamento e as reações da família.

"Geralmente as mães de crianças com pneumonia, que ficam uma a duas semanas, reclamam mais ” (Auxiliar de Enfermagem).

As crianças internadas com doenças agudas exigem da equipe de enfermagem mais

cuidados, pois precisam “orientar muito bem e várias vezes, ensinar tudo e fazer mais”.

Ainda devido ao aspecto da surpresa, a família que fica lá fora solicita mais.

“As vezes a criança interna e logo umas vinte pessoas telefonam e querem falar com quem está aqui ” (Escrituraria).

Nas situações de doenças crônicas, nas quais a criança vem para o hospital com certa freqüência, a família organiza-se de forma que consegue adaptar as condições de acomodação ao acompanhante, já conhecem anteriormente as normas e rotinas do hospital e, de certa forma, se adequam a elas. Além disso, em muitas outras situações nas quais o HC é referência no estado, e pelas próprias condições sócio-econômicas da família, o hospital representa a única alternativa de tratamento que é recebida como um a benção.

"Agora, quando tem alguma coisa, eu venho direto para o hospital. Já estou acostumado aqui, tomo banho no albergue, faço ele dormir para eu poder almoçar" (Pai de criança que nasceu com problema congênito e já

sofreu várias internações cirúrgicas no hospital).

Observa-se que os familiares e as próprias crianças com doença crônica movem-se mais desembaraçadamente na unidade, estão mais cientes dos recursos que o hospital oferece para a criança, como a “classe hospital”, isto é, a escola dentro do hospital; sala de recreação; festas que as voluntárias promovem. Os familiares comunicam-se com mais desembaraço com outros familiares, às vezes de outras unidades, e com os profissionais de saúde. Como refere a auxiliar de enfermagem, "eles criam amizade com a gente". Esta amizade favorece ganhos como a frouxidão de normas.

"Quando fica muito tempo e é de longe eles deixam entrar" (Mãe referindo-se a troca de acompanhante fora do horário cujo filho tem insuficiência renal crônica).

168

A família de criança com doença crônica, tem mais controle sobre a situação, tem mais informação sobre a doença e sobre as técnicas realizadas no hospital. O trabalho da equipe de enfermagem é influenciado por estas informações dos familiares. Assim, a equipe é mais exigida quando é a primeira internação, já nas reintemações toma-se mais fácil.

"Nas situações em que já internaram outras vezes elas dizem, já sei, já sei, e pegam e fazem sem problemas os cuidados. Quando é a primeira vez precisa-se orientar muito bem, e várias vezes" (Enfermeira).

No entanto, se os familiares já dominam alguns cuidados e conhecem as normas e rotinas, quando reintemam, pode haver dificuldades com esta equipe que ainda não conhecem. Estas dificuldades podem estar relacionadas quando, nas internações anteriores, estavam internadas em outra unidade, neste caso, ocorrem desconfianças, comparações e, às vezes, até solicitações de transferência. Assim, o fator confiança desempenha um papel preponderante. Um relato no livro de ocorrência pode ilustrar esta situação:

"Internou Carlos, dois anos, paciente da neurologia às doze horas e quinze minutos, muito problema com os familiares. As dezessete horas e trinta minutos passado sonda nasogástrica. Para os familiares (mãe e tia) todos os procedimentos estão errados, que não fizeram a medicação, que a enfermeira ... não sabe passar SNG. Tudo tem que ser da maneira que as duas querem” (Assinado por Auxiliar de Enfermagem).

A equipe percebe que existem fases que o familiar atravessa para adaptar-se à situação de acompanhar e cuidar da criança internada. Mesmo naquelas situações agudas, de primeira internação, percebe-se que existem diferenças de comportamento no início e após algum tempo de internação de permanência no hospital. Uma enfermeira deu uma explicação geral sobre a situação.

“A permanência do familiar acompanhante tem duas fases, no início elas não saem de perto da criança, depois aos poucos, à medida que elas vão se ambientando, elas vão conversando com as companheiras de quarto, vão pedindo para ajudar a cuidar para que elas possam sair para as suas próprias necessidades. Depois de algum tempo, elas ficam muito folgadas, cobram mais, avisam sobre as outras mães que não cumprem as normas, me chamam para qualquer coisa ” (Enfermeira).

"De início, eles chegam estressados, com medo, ficam de p é atrás com a gente" (Auxiliar de Enfermagem).

"No início, tem muitas perguntas e depois elas vão se acostumando e já vão sabendo, e as mães mais velhas já se acostumaram com as rotinas e passam a perguntar somente sobre o que a criança está apresentando. Por exemplo, a mãe de Ricardo (criança com afecção renal), que está internado há dois meses, ela está antenada com a saúde do filho e só pergunta coisas referentes à doença" (Auxiliar de enfermagem

responsável pelos quartos).

O fato de uma criança ter estado internada primeiramente em uma unidade de cuidados mais complexos, como a Unidade de Terapia Intensiva, leva o familiar a ter mais controle da situação quando chega em uma unidade clínica, tomando sua relação com a equipe mais segura.

Internou à tarde uma menina de um ano e seis meses, vinda da UTI, onde estava há seis dias. A mãe, uma jovem que aparenta vinte anos, disse que, lá na UTI, permanecia com a criança até às vinte e uma horas. A criança está com dissecção de veia no braço direito. A mãe trocou a roupa da criança e, acostumada com o ambiente da UTI, nos perguntou se teria que colocar a camiseta, ficou receosa de como colocá-la, sendo que ela mesma sugeriu para a auxiliar: "Já que o frasco é tão grande que não dá para passar pela manga da blusinha, porque vocês não soltam aqui (mostrando a conexão do equipo e dobrando-o conforme a técnica) ”. No que a auxiliar fe z o que ela sugeriu (Notas de Observação).

A equipe considera, ainda, a situação das diferentes fases que o familiar atravessa com relação às suas próprias necessidades já relatadas anteriormente, que tem influência direta na relação com a equipe de enfermagem. Assim, depois de alguns dias de internação, quando os familiares ficam cansados, aliado ao cansaço, não vêem perspectivas de melhora e não há informações precisas do diagnóstico, a tensão aumenta.

A gravidade ou não da doença também demanda comportamentos diferentes da equipe. Quando o caso é grave, ou com prognóstico grave, a equipe se vê mais inclinada a fazer concessões e entende que o familiar precisa de “muita ajuda”. Esta “muita ajuda” possui vários sentidos, é tanto ajuda no cuidado da criança em si, quanto no cuidado ao familiar acompanhante e à família.

“Quando é um caso de mau prognóstico, autorizo a troca de acompanhante aqui na unidade ” (Enfermeira).

170

O tipo de doença também demanda comportamentos do familiar que exige atenção da equipe.

“Eu observo que os pais de crianças com AIDS reclamam mais, porque é muita medicação ” (Auxiliar de Enfermagem).

Olhar o jeito, no que diz respeito à doença e à internação, é diagnosticar estas características que levam a uma influência direta na relação equipe de enfermagem e família, mais especificamente com o familiar que acompanha. A relação da equipe de enfermagem com os familiares acompanhantes de crianças com doenças crônicas ou crianças que reintemam com freqüência e com aqueles já internados há algum tempo toma-se, por um lado, mais fácil, pelo fato de estarem de alguma forma ambientados. Entretanto, esta ambientação pode gerar tensões, pois os familiares têm mais controle da situação e, de posse deste controle, podem exigir a assistência de profissionais específicos, já conhecidos ou reconhecidamente mais competentes, podendo também sugerir cuidados. Conhecem melhor os caminhos hierárquicos, fazendo ou ameaçando até a denunciar o funcionário na direção do hospital.