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As antigas e as novas

6.1 A necessidade de estar junto

O Hospital da Criança (HC) segue o Estatuto da Criança e do Adolescente, permitindo que um membro da família acompanhe a criança durante todo o período da internação. Nas unidades de internação em geral, este familiar permanece todo o tempo, porém, na UTI o período de permanência do familiar é durante o dia e à noite até as vinte e uma horas.

Quando o médico decide que uma criança ficará internada, logo em seguida, explicam-se os trâmites da internação, entre estes está a questão do acompanhante. Às vezes o médico, mas muitas vezes a equipe de enfermagem, explica para os pais que apenas uma pessoa poderá permanecer junto da criança. Grande número das internações que são efetuadas no HC ocorrem através do setor de Emergência. A equipe da emergência relata que a escolha de quem permanecerá com a criança, neste momento de tensão, nem sempre acontece isenta de conflitos.

A família que fica dentro do hospital reduz -s e a um membro adulto e a criança, a outra parte fica fora. A família perde sua autonomia para permanecer unida, exigindo uma reorganização de sua própria dinâmica.

O mais comum é a mãe permanecer no hospital, no entanto, a equipe de enfermagem, às vezes, presencia conflitos nesta decisão, indicando que há dificuldade de separação dos membros neste momento.

“Quando a criança vai ficar internada, a gente explica que só pode fica r um acompanhante, às vezes dá briga entre o casal” (Enfermeira da

Emergência).

Completando a fala da enfermeira, uma Auxiliar de Enfermagem disse:

“E, agora mesmo aconteceu isto, os pais da criança do choque elétrico, estavam lá no maior bate-boca, o pai dizendo: Sinto que é eu que tem que ficar. A mãe, depois de um tempo não falou mais nada, pegou a carteira de cigarro e fo i fum ar lá fora, não sei quem, afinal, vai fic a r ” (Auxiliar de Enfermagem).

“E quando um não quer dar a vez para o outro ” (Enfermeira completando).

De acordo com RIBEIRO (1999), no seu estudo realizado com famílias que internavam na Unidade de Terapia Intensiva, para os pais, a sua permanência é uma necessidade da criança, mas ficar junto, é uma necessidade dos próprios pais, pois isto dá forças para suportar a doença do filho.

Há ainda as situações nas quais não são conhecidos os direitos de permanecer com a criança, especialmente quando são procedentes do interior do estado, de locais onde já vivenciaram internações em que não puderam permanecer com a criança.

“Tem gente para quem se diz: olhe seu filho vai ficar internado. Elas então, já vão se arrumando, pegando as coisas para ir embora. Quando a gente diz: Mas a mãe ou alguém pode ficar com ele, aí elas ficam até surpresas ” (Enfermeira).

Esta é uma faceta desta escolha, uma vez que apenas uma pessoa pode permanecer junto da criança. Porém, é geralmente a mãe que permanece no hospital. Quando a família é procedente das imediações ou de outros municípios próximos do hospital, o pai ou, às vezes outros parentes como tia ou avó da criança, fazem parte do revezamento com a mãe, que ocorre em dias alternados, ou às vezes só no final da tarde, permitindo que ela vá para casa tomar banho e trocar de roupa.

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“Meu marido vinha no final da tarde, depois do serviço ficava aqui, para eu ir em casa tomar banho(Mãe).

Em alguns casos, quando são de outras cidades mais distantes, as famílias organizam-se mobilizando membros da família extensa que residem na cidade para auxiliar no cuidado da criança.

“Pedi para minha tia ficar um pouco aqui cuidando dele, para eu poder dormir uma noite na casa dela” (Mãe com criança de dois meses na segunda internação em menos de quinze dias).

As avós com freqüência se revezam com os pais no cuidado.

“Não sou a mãe, sou a avó, estou aqui dando uma força para minha filha, revezando com ela" (Avó de criança com um mês de vida fazendo

diálise peritonial).

Muitas vezes, observa-se, pela aparência, que poderia ser avó, mas nem sempre condizia a realidade. Havia mulheres de aproximadamente 40 anos que às vezes eram mães, outras da mesma idade eram avós, ou tias- avós. Assim, diferentes mulheres são mobilizadas na família neste momento, que são de idades e parentescos variados.

A escolha de outro acompanhante para revezamento com a mãe não ocorre aleatoriamente, as escolhas são feitas levando-se em conta certas afinidades entre o familiar e a criança. Além disso, são levadas em consideração as experiências e a “paciência” disponível. No entanto, a procedência da família e a situação econômica são fatores decisivos para que haja a possibilidade de escolha. Quando não há esta possibilidade, apenas uma pessoa da família, mais comumente a mãe que permanece, sem possibilidade de fazer revezamento.

Nas situações das doenças agudas, a família procura organizar-se rapidamente para apoiar quem permanece no hospital.

“A minha mulher fo i em casa, eu estou ficando aqui agora de tarde, pedi dispensa do meu trabalho. Eu trabalho lá no Instituto, lá eles são muito bons e num caso destes, entendem ” (Pai).

Quando a doença é crônica, ou no caso de doenças que exigem cuidados contínuos e constantes no hospital e no domicílio, as equipes de psicólogos e de enfermagem procuram selecionar com a família os acompanhantes, afim de que haja revezamento.

“Eu estou ficando à noite, a minha mulher vai ficar de dia para aprender a trocar as bolsas” (Pai de criança com insuficiência renal que está iniciando diálise peritonial).

Nestas situações de doenças mais complexas, exigem-se requisitos para ser acompanhante, pois há necessidade de um aprendizado específico que garanta a continuidade do tratamento em casa. A equipe de enfermagem, atua junto à família, auxiliando-a quando necessário a mobilizar recursos, e fazer escolhas.

“A enfermeira lá da neuro, ensinou eu, minha irmã e meu marido para que tudo não ficasse nas costas de uma pessoa” (Mãe de criança que sofreu semi-afogamento com seqüela neurológica).

Nas situações de reintemações constantes de uma doença complexa, a família extensa é mobilizada, quando reside na mesma cidade ou região.

“E a terceira internação, por isto nós já nos organizamos, estamos revezando. Eu fico, depois a minha irmã, minha cunhada e o meu marido ” (Mãe).

A experiência no cuidado à criança ou a pessoas doentes é uma condição para a escolha do familiar, o qual pode ajudar, havendo possibilidade de fazer trocas. Uma jovem de vinte e cinco anos estava com seu filho de três anos internado há dois dias. Estava visivelmente cansada, internou durante a noite, permaneceu a primeira noite na Emergência para observação.

“Não dormi nada aquela noite, e a noite passada já fo i melhor aqui dormi um pouco. Minha tia vai ficar aqui para eu poder ir em casa, ela vai ficar porque trabalha em hospital, meu marido não tem paciência ” (Mãe).

Um pai bastante abnegado no cuidado, explica sua disponibilidade para revezar-se com a esposa e a sogra para cuidar de seu filho de um ano e cinco meses.

"Estou de férias, por isto vou ficar aqui. Também já estou acostumado a estas coisas, trabalho lá na polícia cuidando de cachorro e ele nasceu prematuro de seis meses, ficou internado muito tempo ” (Pai).

A vida da família, se manifesta neste espaço. Os conflitos e ressentimentos

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fazer a troca de acompanhante. Uma tarde, entrei no quarto E deparei-me com uma jovem de mais de vinte anos, que logo foi dizendo:

“Não sou a mãe, sou tia. Estou aqui porque a mãe que é a minha cunhada não cuidou direito ’’ (Tia de criança de cinco meses).

Mostrou-me então as lesões de pele no rosto e no corpo de uma criança de cinco meses, que me pareciam decorrentes de lesões de dermatite atópica infeccionadas.

“Meu irmão trabalha a semana toda fora, ele já estava internado uma vez, quando ganhou alta, o médico deixou a consulta marcada no ambulatório. Ela em vez de vir no dia na consulta, ficou em casa dormindo. No sábado quando ele chegou e viu este menino assim, me telefonou pedindo para eu vir com ele. Ainda bem que eu estou de férias do meu emprego do dia, assim posso ficar com ele, mas a noite preciso trabalhar” (Tia de criança de cinco meses).

No dia seguinte, de manhã, encontrei o pai cuidando da criança. Ele, no entanto, contou-me outra versão. O casal tinha mais uma criança, atualmente de um ano e quatro meses, a esposa da qual ele falava sem ressentimentos, estava em casa cuidando, razão porque não podia estar no hospital, segundo ele.

Neste momento da internação, as diferentes formas de família, exercem um importante papel.

“O pai dela ficou uma vez aqui no final da tarde para eu ir em casa tomar banho, mas eu estou vivendo com outro que também é uma espécie de pai para ela e também vem aqui visitar” (Mãe de Karina de sete anos).

Nestas situações, as visitas ou o próprio revezamento de acompanhante pode ser feito com os dois pais da criança, o biológico e aquele com quem a criança convive.

Neste momento de doença, pode-se exigir que o companheiro assuma responsabilidades, a tempo não assumidas e conflitos ocorrem dentro do hospital. No quarto E, as mães estavam comentando o que ocorreu no final de semana. Sandra, mãe de Gabriela, que já está há duas semanas internada, disse:

“Veio o pai de Gabriela para visita, ele nunca tinha aparecido, assim que ele botou os pés aqui começaram a brigar. A í eu disse: olhe se vocês quiserem brigar, vão lá fora, mas brigar aqui não dá. A í eles foram, depois de algum tempo, ela veio, pegou a bolsa, disse para o pai que ia

dar uma saída, só que ela voltou no outro dia à noite. A í ele teve que ficar aqui e se virar, a gente via que ele estava sem jeito, não gostava de ficar aqui no quarto com a gente. Ele pegava a menina e ia lá para a copa, mas ele cuidou bem dela o tempo todo. Aí, domingo à noite, ela voltou e, segunda feira, tiveram alta” (Conversa no quarto com as mães).

Em algumas circunstâncias, são as avós fazendo o papel de mãe que permanecem o tempo todo no hospital. Nestas situações, depois de várias conversas ou de uma longa conversa, descobria que a mãe na verdade, era a avó.

“Ele não é meu filho, é meu neto, mas estou criando, é filho. A minha filha, mãe dele, é separada e tem que cuidar de sua vida” (Avó com

aparência de mulher jovem, aproximadamente trinta e cinco anos).

Não há um modelo único, a família nuclear é um modelo idealizado, a família extensa um arranjo útil, principalmente nas situações que envolvem necessidades como a doença. Pode-se inferir que, no dia-a-dia da unidade, convive-se com diferentes formas de família. Estas diferentes formas imprimem dinâmicas e relações diferentes e que se manifestam, às vezes, de forma exacerbada durante a hospitalização da criança.

Se a necessidade de estar junto mobiliza ou não os diferentes integrantes das diferentes formas de família, há fatores que impedem certas escolhas, possibilidade e troca de acompanhante se constituem em um privilégio para aquelas famílias que residem na cidade ou nas cidades vizinhas ao hospital. Para quem vem de locais distantes, o próprio atendimento dos outros integrantes da família e a manutenção do emprego de um dos pais exigem a permanência de apenas um adulto, todo o tempo no hospital.

“Somos de ..., meu marido ficou lá cuidando dos meus dois maiores, eu fico aqui cuidando dela " (Mãe com sua filha de dois anos internada com diagnóstico de derrame pleural a uma semana sem receber visitas e nem fazer troca de acompanhante).

Uma mãe estava internada com seu bebê que tinha apenas um mês de vida, ilustra esta situação. Não tinham outros filhos, porém, a ocupação do marido, a distância, uma internação anterior a esta em um hospital na sua região e os custos da viagem, tomavam este revezamento ou mesmo um a visita, um projeto que estava fora de cogitação.

“Sou d e... (Oeste do Estado), meu marido ficou lá trabalhando, temos

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Nestas situações, há uma espécie de conformismo do familiar presente no hospital. O cansaço e o desconforto são entendidos como parte da função de ser acompanhante, pois aquele que está em casa está fazendo a outra parte, também está sobrecarregado com o emprego e o cuidado dos outros filhos. Estes familiares, que na maioria eram mães, dificilmente queixavam-se de sua situação. Estar neste hospital já se constituía um avanço, o últim o recurso, depois de muitas outras tentativas, depois de um longo itinerário. Estas outras tentativas eram comparadas à situação atual, fazendo-se geralmente um balanço positivo, considerando-se este o porto seguro.

Muitas vezes, se fazem diferentes arranjos e durante uma longa internação, a família se espalha. A mãe, que vinha do extremo oeste do estado e estava há três semanas internada com o filho de nove anos, aprendendo a fazer diálise peritonial disse:

“Meu marido está em casa, meu nenê de sete meses está em outra e nós estamos aqui. Por isto estou louca para ir embora ” (Mãe de criança de sete meses de idade).

Assim, a ansiedade está em voltar, reorganizar a família num mesmo espaço, voltar à vida cotidiana.

As situações em que apenas, um familiar, normalmente a mãe, permanecia no hospital,mesmo quando a família residia em local geograficamente favorável para fazer revezamentos, era a alegação de que o “marido não tinha paciência”

“Meu marido não tem paciência, o meu marido não sabe cuidar, por isto não adianta ficar aqui ” (Mãe).

Inclui as diferentes situações em que o companheiro ou não participava dos cuidados ou não tinha condições emocionais para participar. Esta queixa freqüente das mães, em doenças simples como broncopneumonias, alegavam que o fato da criança estar com soro, dificultava o pai a chegar perto e ficar com ela.

Não ter paciência ocultava situações familiares que nem sempre eram fáceis de revelar. Não ter paciência era muitas vezes o “não dito” de situações de não cooperação entre os membros da família, que se revelam de forma mais intensa com a doença. Um caso extremo pode exemplificar que mesmo em situação de doença longa, que exige uma organização familiar e alternância no cuidado, às vezes somente a mãe “têm paciência”. Assim, ela é a principal cuidadora, mesmo tendo que ficar alerta todo o tempo e fazendo

cuidados complexos. A mãe de Augusto de nove anos com doença neurológica, internado na unidade devido a uma pneumonia, totalmente dependente de todos os cuidados há cinco anos disse:

“Somos só nós dois e Deus. Meu marido é muito bom, nos leva e traz, mas ele tem horror a vê-lo nesta situação, por isto ele não cuida. Lá perto de casa tem uma vizinha que trabalha no hospital, às vezes me ajuda e uma das minhas irmãs que me dá uma mão. Mas a maioria do tempo sou eu, todos os nossos parentes não suportam nem ver" (Mãe).

Nesta situação, a criança já esteve internada inúmeras vezes no hospital, tendo sido feita tentativa para revezamentos. Durante toda a internação na unidade, que se prolongou durante duas semanas, apenas a mãe permanecia cuidando. Fazia cuidados como aspiração de traqueostomia, dar alimentação pela sonda nasojejunal, higiene e conforto. No entanto, a mãe não demonstrava cansaço ou mau humor.

Há mães que entendem ser sua tarefa e de mais ninguém cuidar da criança no hospital. Mesmo que possam fazer troca de acompanhante, não o fazem pelo fato de não querer se afastar da criança como se fosse este dever que cabe apenas a mãe.

“Eu moro ... (imediações do hospital), mas eu não deixo ninguém ficar aqui, eu já estou acostumada, meu outro menino ficou uns dias no ... (outro hospital da cidade) e eu também fiquei lá sempre com ele, pois eu que sempre cuido, não deixo isto para os outros" (Mãe de criança de três anos internada para tratamento de afecção respiratória).

Independente de o familiar ter possibilidade ou não de fazer a troca de acompanhante, quanto isto não é realizado, durante uma longa internação, após vários dias ou semanas, começam a ocorrer problemas. Os problemas decorrentes da não troca de acompanhante têm, segundo a enfermagem, reflexo direto com os cuidados que este familiar dispensa à criança e a relação com a equipe. O cansaço e o desconforto são percebidos como fatores para ocasionar stresse.

Para alguns familiares, o cansaço pode ser até suportável, porém insuportável é a saudade de outros membros da família, principalmente de outros filhos. Uma mãe procedente de uma região próxima ao HC, já estava pela segunda vez internada com seu bebê de dois meses disse:

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“Eu suporto ficar sem tomar banho, dormir nesta cadeira, mas é insuportável fica r longe do meu menino” (Mãe que se referia ao seu outro filho de cinco anos que permanecia em casa com o pai).

Em situações extremas, a equipe de enfermagem procura interferir, sugerindo descanso. Quando possível, recorre-se ao albergue para ceder uma cama para descanso.

“Quando a gente vê que as mães estão muito cansadas agente procura ver se algum outro parente pode ficar, senão agente telefona para o albergue para que elas possam dormir” (Auxiliar de Enfermagem).

Embora seja pouco comum, ocorrem situações que somente o pai acompanha, os motivos são: emprego da esposa, a esposa não faz perguntas, a esposa está amamentando ou cuidando de outro filho, esposa internada e outros. Há situações nas quais, a criança permanece sozinha, a alegação mais freqüente nestes casos, são os outros filhos que a mãe precisa cuidar. Há ainda as situações em que a mulher é chefe de família, dependendo exclusivamente de seu trabalho. Nestas situações, ou a mulher deixa de trabalhar ou deixa a criança sozinha. Instala-se assim, um grande conflito, como expressou a mãe de Gabriela de quatro anos internada por broncopneumonia.

“Ah! Eu não poderia estar aqui, devia estar trabalhando, faltar mais de uma semana eles não admitem, vão me botar na rua, mas como vou deixar ela aqui sozinha? ” (Mãe).

Gabriela ficou internada quase três semanas, como era nova no emprego de vendedora, e estava na fase de experiência perdeu o emprego no final da segunda semana de internação. Outras, por trabalharem como diaristas, se deixarem de trabalhar, não podem garantir o sustento. Desta forma, a não permanência de um adulto com a criança, pode estar ligada a organização da família, que precisa fazer opções, no qual o afetivo, a emoção, às vezes, precisam ser relegados a um outro plano para garantir a sobrevivência.