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Os pobres / baixa renda

7.2.5 As mães têm mais jeito para cuidar do que os pais

Há consenso de que são as mulheres que permanecem cuidando dos filhos, netos, sobrinhos no hospital, sendo a presença do homem mais transitória e eventual. Na opinião de uma enfermeira que trabalha há aproximadamente seis anos no hospital:

"Geralmente, o acompanhante é 80% a mãe, 10% o pai, e avós, tias e primas são 10% ” (Enfermeira).

De acordo com esta estimativa, a porcentagem das mulheres estarem cuidando da criança no hospital é de 90%. A explicação para esta situação é a leitura que se faz dentro de uma percepção da realidade que os circunda.

"O pai que fica com a criança é o que já sabe fazer as coisas, que troca fralda, que cuida muito bem da criança, em casa também. Mas tem muito mais mãe do que pai, e também porque as mães são do lar e o pai tem que trabalhar, então é mais fácil para a mãe cuidar" (Enfermeira, trabalha no HC há mais de dez anos).

Indagando esta enfermeira que trabalha na área da criança se ela observava alguma diferença no número de pais que cuidam e na forma de cuidar durante sua trajetória profissional, ela respondeu negativamente:

"Não tem diferença, acho que, naquele tempo, era a mesma coisa, as mães sempre cuidaram e ainda cuidam mais" (Enfermeira).

Associar o cuidado mais competente da mãe e da mulher em geral, tia ou avó, como inerente à natureza, é citado freqüentemente, e ainda bastante reforçado pelas próprias mães quando dizem:

"Não adianta meu marido vir aqui e ficar, ele não sabe cuidar mesmo" (Mãe de bebê de cinco meses).

Mesmo afirmando que faz parte da natureza, reconhecem que há exceções:

"As mães cuidam melhor que os pais, isto fa z parte da natureza, os pais são muito desajeitados e não têm aquela dedicação, mas às vezes existem mães que são relapsas e existem pais que são muito dedicados" (Enfermeira).

Um auxiliar de enfermagem se identifica com a situação dos pais:

"As mães são muito mais cuidadosas, elas é que perguntam mais e sabem como fazer, os pais esperam as mães voltarem para que elas façam. Quando um pai está cuidando, nós temos que ajudá-lo, porque ele não tem jeito. Eles são homens, não têm jeito, eu também não tenho" (Auxiliar de Enfermagem do sexo masculino).

Neste caso, mesmo trabalhando em pediatria, e sendo um profissional com habilidades de um cuidador dedicado, faz o discurso coerente com os valores compartilhados com todos.

Os homens não têm jeito é reforçado pela equipe, mesmo quando certos pais tentam ter “esse jeito”, quando trocam de acompanhante com a mãe e procuram cuidar. Um fato acontecido num final de tarde pode ilustrar esta afirmação:

O pai de Antônio, uma criança do interior do estado que estava internada na unidade com uma patologia renal. A esposa tinha saído para descansar e ele estava sozinho com a criança. Ele veio ao posto de enfermagem aflito com a criança no colo meio desajeitado, pois Antônio tinha um ano e meio e um peso alto para sua idade e não andava. Na porta do posto, chamou a auxiliar de enfermagem do quarto que estava ali naquele momento. Antônio estava irrequieto, chorava e estava o tempo todo mordendo as mãos.

"Oh, enfermeira, olha ele, parece que ele tem alguma coisa na boca" (Pai).

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Ela foi, sorrindo, prestativa e pegou Antônio no colo. Lentamente, foi embalando-o e falando com ele e observando:

"Oh, rapaz, que è isto, que é que estás aprontando com teu pai? Que é que queres? Teu pai não está dando conta de cuidar de ti? (Auxiliar de Enfermagem).

Logo ele foi se acalmando, prestando atenção na sua fala e até fazendo menção de um sorriso.

"Ah, agora gostastes? Já sei você queria um colo de mulher não é? É, acho que teu pai não tem muito jeito, não é?" (Auxiliar de Enfermagem).

Depois de observar melhor a boca da criança, explicou para o pai que, às vezes, ele ficava irrequieto, que aparentemente não havia motivo para maiores preocupações, mas que continuasse observando e qualquer anormalidade ela estaria à disposição. O pai, sempre quieto, ouviu e agradeceu, voltando lentamente para o quarto. Apesar de sair mais tranqüilo, talvez não tenha percebido este reforço do domínio feminino do cuidado e nem ela, a auxiliar de enfermagem, “pois tudo isto faz parte da natureza”.

Se há sutilezas para atribuir ao pai a falta de jeito, ocorrem situações nas quais isto é colocado abertamente aos mesmos, quando estes questionam e exigem da equipe. Um pai do interior do estado, bastante conhecido na unidade pelo fato de que, nas sucessivas reintemações de seu filho de oito meses, ele era o principal cuidador, referiu:

"Este fim de semana fo i uma coisa, o Mateus estava com temperatura, elas tinham colocado o termômetro e eu tinha visto que estava 38,8°, mas não fizeram nada, eu fu i lá no posto e chamei. Depois de uns quinze minutos, ela veio aqui, botou o termômetro e disse: ah está 38,3°. A í ela ficou dizendo: ah, não sei se eu vou medicar. Aí, eu comecei a brigar com ela, então ela me disse que eu não sei cuidar de criança" (Pai de criança de oito meses).

Se o pai permanece com mais freqüência do que a mãe no hospital, gera desconfiança de que há algo errado na relação do casal.

"Este pai é genial, é sempre ele que fica aqui, já teve numa outra vez. Acho que ele é daqueles que não confia na mulher para nada(Auxiliar

A mãe cuida melhor, presta mais cuidados, questiona mais sobre os sintomas e os cuidados, enfim, tem mais jeito. É, em síntese, o que a equipe pondera sobre a mulher, incluem nestes atributos a avó ou a tia da criança, que são escolhidas muitas vezes para seus acompanhantes, porque já cuidam da criança em casa. Quando denominam a figura do familiar, mesmo quando há famílias nas quais há um revezamento entre mãe, pai, avó, geralmente, a mãe como figura responsável pela criança, é lembrada em primeiro lugar. O pai, ao ensaiar e tentar cuidar da criança na unidade, ainda é visto como alguém que faz algo não ligado à sua natureza, o faz causando estranheza.

Está implícita a aceitação da mãe, avó e tia como a acompanhante “natural” que faz, sabe fazer e ajuda mais, por que o homem não sabe, mas, segundo a equipe, há exceções, é quando o homem sabe ou procura saber.

"Tem pai que, quando é cuidadoso, é mais exigente que a mãe, ele vem perguntar sobre o remédio que a criança está tomando, sobre a doença,

exige tudo certo ” (Auxiliar de Enfermagem).

Há um consenso geral de que a mãe/mulher tem mais jeito, ela cuida mais, ela quem sabe, ela está presente. No entanto, observei com bastante freqüência a presença dos pais, participativos, questionadores, dispostos a brincar e a cuidar, e como refere a auxiliar, “às vezes mais exigentes do que a mãe”, manifestando-se sem a preocupação de tomar cuidados para relacionar-se com a equipe, o que a mulher/mãe, avó, tia, mais presentes na unidade, sabiam fazer melhor.