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As antigas e as novas

6.2 A troca de acompanhante

Durante a internação de uma criança, ela se distancia da família e do cotidiano. Diante das normas do hospital, e da permanência de apenas um acompanhante, há necessidade de ambas as partes da família, a que está fora do hospital e a que está dentro, se vejam e se encontrem.

O hospital possui características de instituições com graus de fechamento. De acordo com GOFFMAN (1987), entre estas características estão as barreiras que separam o interior do exterior. Assim, parte da família que está dentro tem restrições de comunicação e contato físico com aqueles que estão fora. No HC, há um horário específico para a troca de acompanhante: no período da manhã é das 8:00-8:30; à tarde das 14:00 às 14:30;e a noite das 21:00-21:30.

A troca de acompanhante se faz no espaço da portaria de visitas. Desta forma, o acompanhante precisa descer, no momento que este chega na portaria o outro poderá subir para a unidade. Assim, dificilmente os pais ficam juntos com a criança, na unidade, isto pode acontecer, somente no horário de visitas, que ocorre no período da tarde, das quinze às dezessete horas. Observei uma troca de acompanhante na portaria de visitas:

“Uma mãe, jovem de aproximadamente vinte e cinco anos, veio correndo do interior do hospital, assim que avistou o marido que estava ali já pronto esperando, e disse para o porteiro: deixei o menino sozinho lá em cima. O pai fo i logo entrando, porém o porteiro fe z com que ele parasse, entregou-lhe o crachá, no qual está escrito Acompanhante”(Notas de Observação).

Ocorrem problemas ocorrem com o horário instituído para a troca de acompanhante. A comunicação destes horários é fixada em alguns locais apenas, como na portaria de visitas, o que ocasiona a falta de informações da família.

“Não sabia que tinha horário para troca de acompanhante. Internei pela Emergência, não me disseram, aí minha irmã me ligou, combinei com ela para ficar aqui para eu ir em casa. Quando ela chegou às nove horas da manhã, a funcionária da portaria não queria deixar entrar. A í ela me ligou lá de baixo, fu i lá, falei um monte de coisa para ela (funcionária), mas depois a ... (Enfermeira da unidade) deu autorização, aí ela entrou. A tarde, eu voltei às cinco horas e ela ( funcionária da portaria) me olhou e não disse nem uma palavra e eu entrei" (Mãe de criança com broncopneumonia internada durante cinco dias).

A comunicação pelo telefone realiza-se também dentro de algumas normas reguladoras. No período diurno, das 14:00 às 15:00 e no período noturno das 20:00 às 21:00, nos demais horários, quando um familiar telefona, a escriturária ou outros integrantes da equipe, informam o estado da criança. Quando a família deseja mais detalhes, orienta-se para entrar em contato com o acompanhante, para isto há um telefone público no corredor geral das unidades de internação. Em outras unidades do hospital, este

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horário de comunicação pode ser diferente, de acordo com as suas características e o tipo de pacientes internado.

Além das vias formais instituídas pelo hospital, há maneiras informais de os familiares se comunicarem. A janela do quarto pode se constituir num meio muito bastante útil.

“Meu marido ficou aqui de sexta feira até hoje de manhã. Eu vim da Penha com o carro da Prefeitura e chegamos cedo, às sete e meia da manhã. Ele estava me esperando olhando pela janela, quando me viu, desceu, aí conversamos lá na portaria. Depois eu subi, me deixaram entrar, porque quando é de longe eles deixam entrar fora de hora” (Mãe).

As normas podem ser afrouxadas, ou podem ser contornadas por outros meios. O objetivo da instituição de ter um horário e local (portaria de visitas) para a troca de acompanhante, bem como um horário para a comunicação por telefone, foi de favorecer o trabalho da equipe profissional, particularmente da enfermagem.Segundo um membro da equipe diretiva, estas normas foram instituídas pela direção em conjunto com os diferentes segmentos da equipe profissional.

“Foi feito o horário porque antes a enfermagem gastava boa parte de seu tempo para autorizar a entrada do acompanhante. E impossível ter aqui nestes quartos dois acompanhantes ao mesmo tempo, pois quando um subia ficava conversando até o outro descer, ficava complicado. É claro que dou autorização em algumas situações, por exemplo, se a criança tem um mau diagnóstico, a família está muito estressada, mãe amamentando e se tiver outro problema. Nos outros casos, só na portaria e acho que está funcionando bem ” (Enfermeira).

A portaria de visitas constitui-se em um local no qual existe um rigoroso controle, como já descrito anteriormente, porém, quem trabalha neste local vê dificuldades para impor as normas. Estas normas de troca de acompanhante e de visitas têm exceções, que, no entanto, dependem tanto do funcionário da portaria como do integrante da equipe de enfermagem. Se um familiar está na portaria diante do funcionário e deseja entrar para falar com o acompanhante ou pede para falar com ele, há dois caminhos:

■ telefona para a unidade pedindo permissão para deixar entrar. Esta permissão é obtida com a enfermeira chefe da unidade, na sua ausência outros membros da equipe autorizam.

Diante da família com um a criança internada, impor as barreiras de fechamento que a característica da instituição exige não é uma tarefa fácil para quem está diretamente envolvido. Como ser humano, que também tem família, o funcionário, pode colocar-se no

lugar, sentindo que os familiares tem necessidades de estar junto. Uma informante, faz um

relato emocionado do que significa trabalhar no sentido contrário desta necessidade.

"Este setor é muito difícil e ingrato para trabalhar, tem um colega nosso que agora está lá no ... (outro hospital), que teve um infarto estes dias, porque se incomodava demais com isto lá ” (Auxiliar de Enfermagem).

Perguntei-lhe o que era tão difícil neste trabalho, e ela logo respondeu:

“Imagine a senhora (referindo-se a mim) se você tem um filho doente e só poder entrar em horário estipulado. Esta troca de acompanhante não está certa, você sabendo que aquela pessoa não está bem e você ainda tem que estar dizendo não pode, não pode agora ”.

E acrescentou: “Quem fa z as normas não está aqui na frente para agüentar”. Referindo-se a uma situação ocorrida recentemente: ‘‘Um pai chegou aqui e pediu para entrar para ver seu filho lá na oncologia, a mãe j á estava na unidade. O ... (porteiro) ligou para lá e a técnica de enfermagem autorizou, o pai entrou, pouco tempo depois, quando entrou outra pessoa da enfermagem no quarto, que não sabia da autorização, colocou ele para fora. O pai chegou aqui chorando. Eu tenho horror de ligar para as unidades e pedir, mas que é que eu vou fazer quando chega alguém aqui pedindo ” (Auxiliar de Enfermagem).

N a unidade, na ausência da enfermeira, a decisão depende da postura individual de quem estiver presente no momento da solicitação. Um dia, no final da tarde em tomo de 18:30, atendi dois telefonemas pedindo para fazer visita fora do horário. Consultei a auxiliar de enfermagem que estava ao meu lado, que disse:

“Pode deixar entrar, é melhor entrar agora porque depois das dezenove horas o plantão vai barrar” (Auxiliar de Enfermagem).

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“Eu avalio a situação e dou autorização, no entanto, às vezes tem funcionário que para ‘não se incomodar’ abre exceção para tudo"

(Enfermeira).

É importante observar que, para atender a esta necessidade elementar da família de estar junto, ela depende da estrutura própria da instituição, que precisa da disciplina para funcionar. Todavia, depende, principalmente, do funcionário da portaria e da enfermagem, que mesmo sob um a hierarquia, tem o poder de abrir ou não exceções.

Por outro lado, conforme uma informante, os familiares fazem tudo para “burlar” e entrar:

“As vezes, dizem que conhecem o diretor, que são amigos de fulano, sicrano aqui dentro. Jogam o crachá de acompanhante pela janela, para que a pessoa que está embaixo entre fazendo de conta que é o acompanhante. Já aconteceu até de uma mulher se vestir de branco, só que lá na portaria de Serviço pegaram ’’ (Informação Verbal do Funcionário responsável pela Portaria).

Assim, a família, atravessando um período de doença, precisa se preparar para se encaixar na organização do hospital. Em um estudo realizado no Japão com mães que estiveram internadas no hospital com seus filhos que tinham leucemia, estas relataram sua experiência de forma semelhante. Elas referiram que precisavam se encaixar nas normas, independente se estas eram “triangulares ou quadradas” (SAIKI-KRAIGHILL, 1997).

A doença desencadeia uma situação que a princípio desestrutura a família, tende assim, a fazer uma quebra na vida rotineira, principalmente nas situações de distúrbios agudos. Estas famílias, repentinamente, vêem suas possibilidades de estar junto e de se comunicar, sujeitas às normas de outra instituição, o hospital. As equipes de enfermagem e da portaria, encontram-se neste limiar, tendo o poder de abrir ou de fechar portas entre a instituição do Sistema Profissional e Familiar de cuidado.