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Os pobres / baixa renda

7.3 A equipe de enfermagem olha os tipos de familiares

7.3.4 As cuidadosas, as espertas

Ao olhar o jeito, a equipe se depara com a forma que o familiar age na unidade e, principalmente, como cuida e se interessa pela situação da criança. As cuidadosas ou também chamadas de atenciosas e espertas são aquelas das quais se fala com simpatia, carinho e até admiração. Uma enfermeira referiu que “umas são 100%”. Mães 100%, atenciosas ou cuidadosas são aquelas que se interessam pela criança, ficam ao lado sempre, perguntam e se interessam para aprender. Espera-se que sejam parceiros da equipe no cuidado.

“Muitas mães cuidam muito bem da veia e às vezes se mantêm até quatro dias, que apesar de que o certo seja setenta e duas horas, elas agüentam mais tempo. Tem as mães que colaboram, como esta, mas outras, muitas

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vezes, se descuidam e demoram para avisar ” (Auxiliar de Enfermagem, responsável pela medicação).

Refere-se à mãe de uma criança de oito meses, bastante jovem, internada há seis dias com broncopneumonia. Estava no quarto A, era bastante afável, porém discreta, ocupava- se constantemente com seu filho e não perturbava a equipe. Ser discreto, não perturbar são valores considerados importantes nos pais cuidadosos. Os pais atenciosos ou cuidadosos são pessoas que também se informam.

“Os pais atenciosos se preocupam com o caso, questionam se o tratamento é correto ” (Auxiliar de enfermagem)

Observava que aqueles pais que a equipe considerava atenciosos, cuidadosos eram também o que alguns consideravam, mais abertamente, de “espertos” . Espertos aqui no sentido de que estão abertos, estão informados, sabem o que fazer no momento certo, na hora certa.

“A mãe da Geisa é esperta, sabe das coisas, pergunta" (Auxiliar de Enfermagem).

Era uma mãe discreta, sabia conduzir o cuidado à filha, com insuficiência renal, sem perturbar, sabia quando pedir, quando devia ficar quieta, e quando podia falar e para quem falar.

O familiar cuidadoso e esperto garante que cuidados que precisam ser assimilados ali na unidade ocorram mais facilmente, especialmente, quando a recuperação da criança depende do aprendizado destes cuidados. Assim, os pais são avaliados como cuidadosos pela capacidade de cuidarem em casa e, muitas vezes, com poucos recursos, utilizando a criatividade. Uma auxiliar de enfermagem explicando-me como reagiam os familiares de crianças que precisam fazer diálise peritonial, enfatizou a criatividade que estas mães têm para realizar o cuidado em casa:

“Tem mãe que é muito caprichosa, teve uma que costurou uma espécie de pochete, destas de amarrar na cintura de pano, para amarrar o catéter” (Auxiliar de Enfermagem).

A preocupação da enfermeira está em observar as mães que aprendem a realizar a diálise peritonial. Como estas precisam retomar periodicamente, ela detecta as mães

cuidadosas ou menos cuidadosas, considerando como cuidadosas aquelas cujos filhos não apresentam complicações como a peritonite.

“Tem a mãe de ... que começou a fazer a diálise quando ela tinha só oito meses, agora tem dois anos e até agora teve apenas uma peritonite, sinal de que sabe cuidar ” (Enfermeira).

Quando a mãe é cuidadosa esta notícia se espalha rapidamente e a equipe profissional também leva em conta este predicado para tomar decisões. Ser cuidadosa confere a possibilidade de alta com mais rapidez.

Quando o médico fe z a visita a Alexandre, um menino de onze anos que há cinco anos está em estado vegetativo, ele falou: “Nós vamos lhe dar alta, porque sabemos que você cuida bem e está acostumada com os cuidados ” ( Notas de observação).

Ser cuidadoso pode ter duas facetas: quando o familiar é atencioso/cuidadoso, se preocupa e questiona mais; há os cuidadosos que passam a ser estressados porque questionam muito ou de maneira errada, mas os verdadeiros cuidadosos são os que utilizam outras estratégias, calam às vezes e falam em outras, nos momentos certos.

A observação de um casal proveniente de um pequeno município próximo ao HC pode ilustrar a situação. O menino de dois anos, internado por broncopneumonia, teve sua internação prolongada durante um mês por complicações. Durante todo este período, o casal permaneceu na cidade, hospedado na casa dos pais, ou seja, avós paternos da criança. O pai era uma pessoa muito cuidadosa e também exigente quanto ao cuidado da criança e quanto ao atendimento das necessidades do familiar. Não tolerava ordens sem sentido, questionava cuidados e solicitava com freqüência e insistência a equipe. Porém, a longa internação fez com que a mãe, cuidadosa, procurasse sempre evitar atritos. Uma dia, confidenciou:

“Eu choro quando não estou bem, isto me alivia. Tem gente que desconta nas enfermeiras, mas eu não. Já o meu marido, esse é brabo, por isso eu faço ele ficar aqui de noite e eu de dia. Só uma vez ele ficou de dia e já criou confusão com uma enfermeira. De noite, quase não tem ninguém, e ele dorme a maior parte do tempo”. Ainda complementou: “A gente não pode brigar com as enfermeiras, porque precisa delas” (Mãe de criança de dois anos).

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Assim, a dependência da família em relação à equipe de enfermagem, que se revela através de um certo temor, porque precisam das enfermeiras, por isto há necessidade de ser cuidadosa. Uma outra situação também esclarece este calar.

Uma mãe cuja filha estava com o abscesso na área sub mandibular, uma mulher muito jovem, tem 23 anos, tem um rosto bonito, emoldurado com cabelos negros, um rosto vivo e é bastante espontânea. Sua filha, de quatro anos, a Karina, está um pouco abatida, mas é uma menina meiga e cativante. Contou-me que estava um dia no isolamento, mas prefere a unidade, porque tem mais pessoas para conversar. Conheci-as numa segunda feira de manhã, quando estavam bastante envolvidas em fazer bolsa de água quente no local para apressar a supuração do abscesso. No outro dia, quando fu i na unidade no final da tarde, encontrei-as no quarto bastante animadas. Ela então disse: “Hoje ela já está bem melhor, nossa! Como estas bolsas de água quente fizeram efeito, só que hoje quase não fizeram, agora de tarde nem uma vez, mas deixa pra lá, está melhorando assim mesmo ”. Depois, quando passamos no quarto durante a passagem de plantão, a auxiliar falou: esta é a Karina com o abscesso, tem bolsa de água quente de duas em duas horas, a mãe estava atenta escutando, mas não disse nada. (Notas de observação).

Ela entendeu que os cuidados estavam prescritos, mas não sendo feitos, porém, ela é uma mãe cuidadosa/esperta e, portanto, não fala nada neste momento.

Descobrir a pessoa certa na unidade para solicitar ou reclamar é uma estratégia que mães “cuidadosas”, “espertas”, “daqui”, “de classe média” aprendem a fazer logo que internam, o que, às vezes, as outras, demoram mais para aprender. Este exemplo pode ilustrar uma situação de mãe cuidadosa, que apesar do pouco tempo na unidade, logo estabeleceu as referências necessárias para cuidar de seu filho e ser bem cuidada.

Rúbia é uma mãe residente em um município vizinho. No primeiro olhar, nas primeiras conversas, nota-se que se diferencia de outras mães na unidade. Está vestida com calças compridas e blusa mais elegante. Seu filho, de cinco anos, veste roupas trazidas de casa com pantufas em forma de bichinho. No dia seguinte da internação, às onze horas da manhã, perguntou-me: “Não sabe quando abre esta sala? O Igor está vendo estes brinquedos aí pelo vidro e quer brincar e está tudo fechado ”. Expliquei- lhe que a sala de recreação só abre no período da tarde. No dia seguinte, recebeu um telefonema do esposo, em seguida, viu-me no corredor e perguntou-me se este poderia subir para a unidade neste momento. Estávamos no meio da conversa quando avistou a auxiliar responsável pela medicação, chamou-a pelo nome e fe z a mesma solicitação a ela. Deixou-me plantada ali no corredor, porque sabia que era ela que poderia resolver a questão (Notas de observação).

Ser cuidadoso, atencioso, 100% são explicitamente aqueles familiares que cuidam bem da criança, se interessam, procuram saber. Por outro lado, de forma implícita, entende-se que são aqueles familiares que se adaptam às normas e rotinas da unidade e do hospital, não perturbam, são parceiros, facilitando o trabalho da equipe. Sem, no entanto, indicar conformismo destes familiares. São aqueles que, de acordo com a fase da internação, ou o tipo de doença que enfrentam, se o familiar é do sexo feminino ou masculino, mais informado ou não, abrem caminhos para estabelecer alianças e conseguir o que precisam sem criar atritos.

Não é possível ser cuidadoso sempre, como a equipe refere ilustrando a explicação com os casos vividos, uma mãe cuidadosa pode transformar-se em estressada na medida em que fica muito tempo no hospital. Pode perder a paciência quando não há perspectivas de melhora da criança, quando não recebe informações, quando tem dificuldade de atender suas próprias necessidades básicas de descanso, alimentação, contato com outros membros da família.