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As antigas e as novas

6.3 As necessidades de higiene, alimentação e descanso

Como já mencionado anteriormente, o hospital oferece três refeições para os familiares acompanhantes. Para obter estas refeições, o familiar, logo após a internação, é orientado a dirigir-se para o Serviço Social, que fornece os “tickets” de alimentação.

Ao entrar na unidade um pouco antes das sete horas da manhã, observa-se a movimentação dos familiares para ir ao refeitório. Como eles dormem com a roupa normal, levantam-se, arrumam-se um pouco e vão andando pelo corredor, ainda passando a mão no cabelo, endireitando-se. As mulheres geralmente dormem de calça comprida, no inverno e de bermuda, no verão, pois assim estão mais a vontade, principalmente se tiver um pai no quarto. Alguns familiares vão sozinhos, outros levam a criança no colo. Aqueles que vão ao refeitório procuram trazer pelo menos um copo de café para os demais. Nem todos os familiares vão ao refeitório, alguns perdem a hora, não dormiram o suficiente à noite e, portanto procuram dormir mais um pouco até a passagem de plantão, outros não têm coragem de ir para não deixar o filho só.

“O café da manhã é muito cedo e é na mesma hora que as enfermeiras passam (passagem de plantão), aí todos entram no quarto e as crianças

acordam, imagine se não estamos aqui nesta hora ” (Mãe).

No almoço e no jantar, a fila diante do refeitório e a conseqüente demora para o familiar fazer a refeição, se constitui em uma dificuldade para alimentar-se. Assim, a preocupação com a criança que está no quarto, faz com que às vezes elas desistam de comer.

“Ontem à noite, nós duas fomos às oito horas e trinta minutos para a fila da janta, o guarda do refeitório só liberou às nove horas e quinze minutos para jantarmos. Engolimos tudo rápido, para que as duas (as outras companheiras de quarto) pudessem comer, só que quando elas desceram não tinha mais jantar, porque já tinha passado das nove horas e trinta minutos, aí elas ficaram sem nada, com fo m e ” (Mãe de bebê de sete meses).

Normalmente, no início da internação, há maior dificuldade para ausentar-se a fim de comer ou atender às outras necessidades, pois ainda não conhecem bem as companheiras e a criança está em uma situação que exige cuidados mais constantes. Além disso, a própria preocupação com a doença, no início, é maior, uma fase de incerteza que faz com que elas tenham medo de se ausentar.

“No domingo, ele internou em . . . (município vizinho), mas o médico

transferiu para cá, ontem não comi, mas hoje já deixei ele com as outras aqui do quarto e fu i no refeitório ” (Mãe de criança de quatro meses).

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No início da internação, as dificuldades são maiores, ausentar-se para ir ao Serviço Social pedir os tickets também se constitui um problema, pela mesma dificuldade já mencionada anteriormente. Além disso, nem sempre os tickets estão disponíveis para todos.

“Ouvi dizer que não tem mais tickets lá no Serviço Social, por isto nem fu i lá, mas estou desde ontem sem comer e aí não sei como vai ser daqui para fren te” (Mãe internada com bebê de quatro meses por

broncopneumonia no dia anterior).

Com o avanço do tempo da internação ou quando a criança reintema, os pais já sabem como se organizar para atender suas próprias necessidades.

“Eu faço ele dormir depois do meio dia e aí vou almoçar ” (Pai).

Às vezes, pedem para a auxiliar de enfermagem do quarto:

Eram treze horas, estávamos no quarto E eu, uma auxiliar de enfermagem, as crianças estavam todas dormindo, as mães pediram para a auxiliar de enfermagem: “Será que você olha eles para nós?” A auxiliar respondeu: “Vou ficar por perto, eu olho pode deixar”. Elas então saíram todas conversando a caminho do refeitório (Notas de Observação).

Usam também de outras formas, burlando normas, ou apenas cuidando de sua sobrevivência:

“Quando as crianças pré-escolares recebem a vitamina ou café com leite e não tomam tudo, as mães disfarçadamente, quando não tem ninguém por perto tomam o que restou no copo ” (Notas de Observação).

Às vezes, pedem um copo de café para a funcionária da copa ou, quando são novos na unidade para qualquer pessoa que aparecer no corredor.

O familiar acompanhante dispõe, para dormir, de uma cadeira reclinável. Para quem utiliza esta cadeira, ela oferece conforto, porém, os pés ficam sem apoio, precisam permanecer no piso. O hospital também dispõe de um cobertor para agasalhar nas noites frias. Na percepção da equipe de enfermagem, houve uma evolução nestas acomodações, porque antes as reclamações eram muito mais freqüentes:

"Agora está muito melhor,imagine, antes as cadeiras eram retas, igual àquela que tem ali dentro do posto de enfermagem, as mães reclamavam o tempo todo e com razão" (Auxiliar de Enfermagem do período noturno).

Apesar do esforço empreendido para colocar os recursos à disposição do familiar, o atendimento às suas necessidades são percebidos de maneira diversa.

Com relação às acomodações, referem desconfortos, quanto à forma de dormir:

“A cadeira é muito reta, dá dor nas costas" (Mãe procedente de um município vizinho, internada com bebê de oito meses durante sete dias).

‘‘Estou toda descadeirada de dormir nesta cadeira e ainda carregar ele" (Mãe de criança de nove anos,há uma semana no hospital).

Durante a noite, procura-se, por todos os meios, tomar a cadeira mais confortável, forrando- a, com um cobertor, ou utilizando-se de uma cadeira vazia para colocar os pés, mas nem sempre isto está de acordo com as normas estabelecidas para o funcionamento da unidade e conservação dos móveis, e a equipe de enfermagem flagra estes expedientes fortuitos.

‘‘Esta noite tentei dormir melhor, puxei a cadeira do lado, já que não tinha ninguém. Só que a enfermeira (auxiliar da noite) entrou, e com a cara amarrada disse para eu tirar os pés ” (Pai, fazendo esta queixa para auxiliar do dia).

Não dormir, pela própria situação de estar no hospital, num ambiente coletivo são relatados com freqüência.

"E duro ser acompanhante, não se consegue dormir com criança pequena e doente chorando ” (Pai acompanhando filho de dez anos).

"Não conseguíamos dormir, pois entravam e saiam o tempo todo ” (Mãe de criança de seis meses).

N a fase inicial da internação, a não adaptação ao novo ambiente, a nova situação impingida ao familiar, alterando sua dinâmica, implica maiores queixas de desconforto. No entanto, a permanência mais demorada no hospital, leva a adaptações para o atendimento das necessidades. Uma mãe, que já estava internada há três semanas com seu filho, explicou-me:

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“A gente vai dormir cedo, sempre aproveito para dormir quando ele dorme, elas todas aqui fazem assim ” (Mãe).

A privacidade e a intimidade, uma característica inerente a instituição da família, é afetada durante a internação no hospital, dadas as características de ordenação espacial dos indivíduos visando o controle e vigilância do estado da criança. Assim, em um quarto no qual há quatro leitos de crianças, conseqüentemente quatro cadeiras de acompanhante, a privacidade pode ser reclamada.

“Aqui deixam estas portas do banheiro sempre abertas ” (Pai).

Algumas mães procuram, incessantemente, fechar as portas dos quartos, a que dá entrada pelo corredor e a que existe entre os quartos. As portas abertas entre os quartos expõe o familiar e o paciente à visão dos outros pacientes do quarto ao lado, aumentando o barulho. Assim, geralmente, após refeições ou durante as refeições procura-se resguardar a intimidade fechando as portas.