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2 FAMÍLIA, EDUCAÇÃO E DEFICIÊNCIA: UM DEBATE POLISSÊMICO

2.3 A escolarização dos filhos com deficiência

As reformas da política educativa iniciadas na década de 1990 têm encorajado que a educação dos alunos com deficiência aconteça preferencialmente nas salas comuns em escolas regulares. À medida que esta prerrogativa é posta em prática, surgem as interrogações acerca de sua eficácia para o processo de escolarização.

Para compreender como as relações de ensino-aprendizagem são construídas, por meio das práticas em salas regulares, é necessário abranger a constituição da deficiência, articulando os conceitos desta com a cultura escolar.

Ao longo da história, a ideia de deficiência esteve veiculada à noção de

handicap17, relacionada a chances, de desigualdades e de igualdade. Assim, a ideia de deficiência está pautada na produção de uma compensação. O handicap torna-se a deficiência da qual padece uma pessoa que, por isso mesmo, encontra-se em posição de inferioridade. É pensado, então, como uma falta que caracteriza o mais fraco. (SIQUEIRA, 2008).

Faz-se importante, para superar a leitura negativa com relação às faltas, olhar o que as pessoas fazem e conseguem, ou seja, compreender e explicar

17 A palavra vem do inglês hand in cap, nome de um jogo de azar. No vocabulário hípico,

impõe-se um handcap para um cavalo sabidamente mais ligeiro, ou seja, uma desvantagem. A própria significação do termo se modificou ao longo dos anos e designava, já no século XIX, pessoa afetada por uma deficiência física ou mental. (CHARLOT, 2000, p. 26-27).

como se constroem as relações de fracasso, prestando atenção ao sujeito como um todo. Este se constitui, segundo Charlot (2000), como um ser humano movido por desejos, um ser social, inscrito em relações sociais e que ocupa um espaço social, um ser singular, que tem história, dá sentido ao mundo. Esse sujeito, vinculado ao universo escolar, pode despertar para a necessidade do saber ou confirmar sua situação de desvantagem. É por este viés que se configura a trajetória escolar dos alunos e os processos de inclusão e exclusão.

Se o acesso à escola é concretizado por sujeitos específicos, o interesse em freqüentá-la é, em larga medida, organizado e planejado pela família que via proporcionar determinada escolaridade aos filhos e que, inclusive, pode ser beneficiada, simbólica e/ou materialmente, pelo êxito escolar da prole. Certamente, a influência da família na escolarização dos filhos depende de vários fatores, mas deve-se levar em conta que essa influência pode ser mais intensa em relação à freqüência ao ensino fundamental, reduzindo-se quando se trata do ensino médio e tornando-se menos atuante ainda quando se refere ao ingresso no curso superior. (ROMANELLI, 2000, p. 101).

Bourdieu (1998) infere que as elites econômicas e sociais, na busca de conservar ou aumentar seu patrimônio, colocam em foco uma série de estratégias, de forma consciente ou não, a fim de manter sua posição social. Nessa busca destacam-se a escolha da escola, o vestuário, a linguagem, os lugares que frequentam, o que garante certo status intelectual e social, além do êxito no ensino superior, o que representa a conversão do capital econômico em capital cultural.

Os critérios utilizados pelas famílias para escolher a escola do filho costumam ter relação com as características educativas, quais sejam, as práticas escolares, o currículo, as ações pedagógicas, a disciplina, os resultados escolares, e também por critérios funcionais, isto é, a proximidade geográfica, a facilidade no transporte, preços e pessoas conhecidas que frequentam o estabelecimento. Dallabrida (2006, p. 35) pontua que as representações sociais que as famílias fazem dos diferentes estabelecimentos são parte das combinações de informação, tais como: estrutura física, grau de tradição, resultados divulgados na mídia, percepção do tipo de clientela, comportamento dos alunos e localização.

a escola como instância social não compensa as diferenças que a sociedade capitalista impõe, ou melhor, não consegue anular o desequilíbrio entre as classes e grupos com possibilidades e oportunidades econômicas distintas, pois apesar de pertencer a uma sociedade industrializada e de sua constituição formalmente democrática, sobrevive a desigualdades e injustiças. Os pais da elite, por possuírem capital econômico, impõem seu capital cultural e social e, apesar da escola ser considerada pública, interferem na prática de ensino, selecionando os saberes que deverão ser repassados, independentemente da formação do professor. (DALLABRIDA, 2006, p. 36).

Há interferência dos pais em um modelo de escola pública, mas é importante frisar que, mesmo em instituições privadas, ocorrem situações semelhantes. Com relação a isso, Anversa (2008) destaca que consciente ou inconscientemente os pais intervêm na prática escolar.

As instituições da rede privada normalmente vêem o aluno como cliente, porque prestam um serviço a ele. Ocorre que o cliente, de fato, são os pais, ou os responsáveis que investem financeiramente no aluno. Este dado implica a imposição de uma relação entre família e escola que normalmente privilegia o cliente, ou seja, dá direito a um poder incomensurável de envolverem-se com questões que não lhes competem. O que se percebe é que a família sequer usa seu poder de cliente e a escola, muitas vezes, vê no aluno esse poder. (ANVERSA, 2008, p. 35-36).

No contexto de sua pesquisa realizada com as famílias em escola da rede privada da grande Florianópolis, a autora constatou que a interferência dos pais nas aulas de Arte extrapolava os limites da sala de aula, principalmente porque, na maioria dos casos, desconheciam a função do ensino de Arte e por consequência, sugeriam a produção de trabalhos manuais e decorativos, o que contradiz os conceitos vigentes sobre o ensino de Arte.

A escolha da escola para o filho, entretanto, é fruto de uma série de questões que perpassam o ideário pedagógico dos pais, ou seja, como eles concebem a escola a partir de suas experiências de aluno, mesmo porque algumas famílias valorizam mais o fator sociabilidade – no caso das famílias que têm filhos com deficiência – do que o valor acadêmico em si, isso geralmente quando os pais possuem baixo nível de escolaridade e creditam seu êxito econômico às competências externas ao conhecimento escolar.

Segundo Nogueira, Romanelli e Zago (2000, p. 12), os estudos sobre as estratégias familiares foram deixando perceber o peso das vantagens sociais, principalmente culturais, na estruturação de uma hierarquia social das escolhas. Os autores afirmam que a relação entre família e escola é complexa e assimétrica, principalmente no que diz respeito aos valores e objetivos das instituições.

Zago (2000) infere que o estudo sobre a realidade escolar do aluno deve considerar que ele possui outras dimensões e experiências que vão além da escola, entre elas sua participação no mercado de trabalho e a rede de relações sociais a qual ele faz parte.

O enfraquecimento dos processos de ampliação de oportunidades de acesso à escolas públicas, que vieram progredindo desde o século passado, redundaram no comprometimento de sua qualidade e favoreceram a ampliação da rede privada de ensino, principalmente pelos estratos superiores das classes médias na oferta de ensino de qualidade a seus filhos.

No caso dos alunos com deficiência, cabe destacar que a escolha da escola se torna uma ação mais criteriosa, porque não se busca em primeira instância o desenvolvimento da cognição, e sim a sociabilidade da criança. Quando se trata de inclusão de alunos com deficiência, novas premissas surgem à família na hora de selecionar a escola para o filho, independentemente de seu estrato social. O tópico a seguir enfatizará essa discussão e introduzirá questões sobre inclusão e deficiência nos moldes contemporâneos.