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4 O DISCURSO SOBRE A ARTE COMO FATOR DE INCLUSÃO

4.3 Passos preliminares: dados sobre as escolas, as famílias e os filhos

O quadro adiante reproduz dados sobre as escolas que foram visitadas, abrangendo o total de alunos matriculados, o número de alunos com deficiência, o tipo da deficiência, o curso que fazem na escola: Educação Infantil (EI), Ensino Fundamental Séries Iniciais (EF1), Ensino Fundamental Anos Finais (EF2) e Ensino Médio (EM). As siglas que definem as escolas quanto à classe social foram determinadas pelo perfil sócio-econômico, traçado a partir da localização e do valor da mensalidade cobrada.

Romanelli (2003) argumenta que a constituição das classes sociais é complexa, confundindo seu estatuto teórico que, na corrente marxista tem sido insuficiente para equacionar essa complexidade na contemporaneidade. A definição das categorias desta pesquisa, portanto, respeitou a noção de classe, cuidando para a utilização das categorias limitarem-se apenas para a descrição das mesmas, categoria descritiva, e não como um conceito.

Desta forma, a classificação utilizada para diferenciar as escolas subdividiu-se nas seguintes categorias:

C1 para colégios de elite: atende às elites e à classe média-alta, com mensalidade variando entre R$600,00 e R$900,00 reais para Educação Infantil, Ensino Fundamental I e II;

C2 para colégios de classe média: atende à classe média-média, mensalidade para o Ensino Fundamental II é de R$400,00 a R$600,00 reais;

C3, colégios que atendem à classe média-baixa. Nestas escolas, o valor da mensalidade para Educação Infantil e Ensino Fundamental I varia entre R$100,00 até R$300,00, e para Ensino Fundamental II, na faixa de R$300,00 e R$500,00 reais;

Com relação às siglas dos tipos de deficiência, são as seguintes: CE (cego ou com baixa visão), SD (Síndrome de Down), PC (paralisia cerebral), DI (deficiência intelectual)33, AUT (autismo), SA (Síndrome de Asperger) e HID (hidrocefalia).

33 Nesta pesquisa optou-se pela utilização deste termo, que também é abordado como retardo

Quadro 04 – Dados das escolas e dos alunos

Escola Nº de alunos Nº de alunos

com deficiência deficiência Tipo de Curso

C1a 2.000 7 SD, AUT, CE, PC EI, EF 1 e EF2

C1b 3.000 1 Cadeirante EM

C1c 330 15 SD, SA, AUT, HID, DI EI, EF1 e EF2

C1d 845 0 - -

C1e 310 0 - -

C2a 428 12 PC, DI, AUT, AS,SD EF1

C2b 150 4 AUT, DI, AS EF1

C2c 600 10 PC, AUT, SD EI, EF1 e EF2

C3a 80 1 SD EI

C3b 150 3 DI EF1

A meta inicial era entrevistar quatro famílias de elites econômicas e sociais. Para isso, pensou-se em entrar em contato com as que atendessem essa demanda, inicialmente com a coordenação de cada escola visitada, a fim de proporcionar um encontro entre família e escola. Foram visitadas oito instituições. Este tipo de abordagem – via coordenação ou direção da escola – não foi positivo. Os pretextos pelos quais os gestores das escolas resistiram à participação da pesquisa foram os seguintes:

A escola C1a já possuía, segundo a coordenadora, muitos alunos das universidades desenvolvendo pesquisas e estágio na escola;

A coordenação da escola C1b inicialmente mostrou interesse na pesquisa, no entanto, quando percebeu que se tratava de inclusão, adiantou que existia apenas um aluno com deficiência, afirmando que o colégio não costuma atender alunos com deficiência, salvo neste caso, um cadeirante, cuja única necessidade foi adaptação às rampas da escola, sem muitos transtornos, pois a criança tinha somente os movimentos das pernas comprometidos. Na ocasião, a coordenadora sugeriu que eu deveria procurar escolas públicas, pois essas são obrigadas a receber alunos com deficiência e o governo custeia os recursos;

A coordenação do colégio C1c justificou que também existiam muitas pesquisas em andamento na escola e que por solicitação dos

professores deveria ser limitado este tipo de trabalho. No entanto, argumentei que professores não seriam envolvidos, apenas as famílias, o que deu abertura para a colocação dela que a pesquisa é bastante delicada, pois o foco são as famílias. A coordenação reuniu-se com a direção e ambas acreditaram que seria complexo demais, antecipando o receio das famílias em participar;

Segundo os coordenadores, as escolas C1d e C1e não possuíam alunos com deficiência;

A coordenadora da escola C2a demonstrou interesse na pesquisa, afirmando que uma parceria seria efetivada. Listou uma série de possíveis famílias que participariam e outras que seria mais difícil, pois conhecia os pais e as mães. Para nossa surpresa, todas as famílias negaram interesse em participar, justificando que seus filhos já estavam encaminhados e a deficiência também estava sendo “remediada”;

Na escola C2b o percurso foi único: a coordenadora atendeu-me e imediatamente, após nossa conversa, ligou para uma mãe que prontamente foi até a escola, dispondo-se a conceder-me uma entrevista;

Nas escolas C2c e C3b as coordenadoras inicialmente apresentaram interesse, porém quando expuseram à direção, trouxeram-me a informação que a escola estava bastante atarefada e impossibilitada a realizar uma pesquisa neste âmbito, em função da complexidade;

Na escola C3a a direção aprovou a iniciativa e possibilitou facilmente meu acesso, indicando uma mãe para participar;

Neste percurso, portanto, muitas foram as razões que dificultaram a realização das entrevistas: pouco interesse em contribuir com a pesquisa acadêmica por parte das escolas e das famílias; preocupação com o número excessivo de estudantes realizando pesquisas; descaso com a inclusão dentro do colégio e a indisposição da própria escola em participar, que foi a situação que mais chamou atenção, além do fato de as famílias se mostrarem temerosas para falarem sobre o assunto inclusão, o que leva a pensar as hipóteses dessa dificuldade.

Para Zago (2003) muitas razões, algumas de caráter pessoal como sentimentos relacionados à condição social, temor à repercussão que o

depoimento possa causar, acarretam a recusa de algumas pessoas em participar do estudo. “Nem sempre avaliamos que o pesquisador pode não ser uma figura benquista na escola, no bairro, na família ou em outro local de estudo.” (ZAGO, 2003, p. 293). Na concepção da autora, o trabalho de campo dificilmente irá se desenrolar do jeito que foi planejado, sujeito a sofrer um processo de constante construção.

Nessa busca, pude perceber que esse tipo de atividade, a pesquisa acadêmica, não seduz as famílias, ainda mais se a pesquisa for orientada para falar da deficiência do filho. Acredito que o que mais determinou para a desistência das famílias foi o tema inclusão, porque é um assunto ainda cercado de pré-conceitos, camuflado pelas próprias famílias que, em muitos casos, não se sentem à vontade para falar abertamente da deficiência, do filho e das relações entre ambos, quais sejam, escola e sociedade.

A estratégia para encontrar essas famílias passou a ser outra: abranger os municípios da grande Florianópolis, como São José e Palhoça, além de questionar pessoas próximas, professores de Arte, conhecidos, colegas, amigos, se tinham conhecimento de famílias com o perfil desta pesquisa.

Com essa abordagem – através de terceiros – foi possível agendar a primeira entrevista, realizada na escola C3a, com a mãe Frida. A segunda entrevistada, Anita foi agendada através do contato com a escola. Esta foi a única entrevista obtida da forma convencionada no início, ou seja, com apoio da coordenação escolar.34 A terceira mãe não foi indicada por terceiros nem pela escola. Quando a escola em que seu filho estuda respondeu minhas solicitações negativamente, como eu já havia trabalhado na instituição e conhecia o caso de Lygia, inclusive sabia onde ela trabalhava, fui até lá. Tarsila, a quarta mãe entrevistada também foi apresentada por terceiros, resultando na indicação de Fayga, a quinta mãe pesquisada.

Nos casos de Frida e Lygia, entrevistas um e três, antes do agendamento houve uma aproximação prévia entre nós, marcando o encontro e definindo o melhor dia e local para realizar a coleta. Com Lygia houve um primeiro contato informal que possibilitou o agendamento da entrevista e o

34 A opção por chegar às famílias por intermédio da escola se deu devido à ideia inicial em

pesquisar também a coordenação e os professores, a fim de obter dados mais específicos sobre o processo artístico dos alunos e a concepção de inclusão.

esclarecimento da pesquisa. Com Frida, as conversas iniciais se deram com a diretora da instituição, Alice, que se encarregou de estabelecer uma relação confortável entre nós. Para Anita, a segunda entrevistada, a relação foi um pouco mais rápida e prática, embora tenhamos conversado posteriormente para esclarecimento de dúvidas. Quando cheguei à escola e expus a pesquisa à coordenadora, esta imediatamente agendou a entrevista com a mãe que compareceu à escola no mesmo turno, ao final do período escolar, bastante disposta a colaborar com a pesquisa. Com Tarsila não foi diferente: embora o encontro tenha sido rápido e sem uma aproximação informal prévia – em função do prazo de entrega da própria dissertação –, ela mostrou interesse em colaborar indicando várias outras famílias, perguntando posteriormente se suas indicações foram proveitosas. Foi necessário optar por apenas uma mãe a ser entrevistada, no caso a opção se deu pela que tinha disponibilidade imediata, Fayga, atendendo-me no dia seguinte, em seu consultório.

Dallabrida (2006) salienta que é importante estabelecer uma aproximação proposital entre entrevistador e entrevistado, no sentido de não somente cativar o entrevistado, mas passar-lhe segurança para assegurar a entrevista e a continuidade da conversa, utilizando-se estratégias necessárias para tal fim, identificando-se como ocupante de um determinado lugar na sociedade, valorizado pelo interlocutor.

Percebeu-se após o contato com a primeira entrevistada, que a meta inicial em entrevistar famílias de elites precisaria ser alterada. Foi necessário flexibilizar os critérios de seleção dos participantes e incorporar famílias de classes médias e populares, desde que com filhos matriculados em escolas particulares, em função da dificuldade em conseguir famílias com o perfil estipulado primeiramente. Somente as entrevistas quatro e cinco têm a característica inicial.

Nogueira (2002) precisou modificar os critérios de seleção dos participantes em sua pesquisa que envolvia estratégias de escolarização em famílias de empresários. Ao se deparar com a dificuldade em acessar as famílias de empresários de grande porte, precisou abranger empresários de pequeno e médio porte. Segundo a autora é muito recente, na Sociologia da Educação, o interesse pela escolarização dos estudantes advindos de lares altamente favorecidos do ponto de vista social.

Romanelli (2003) esclarece em sua pesquisa em camadas populares que existe uma dificuldade conceitual que acarreta problemas de ordem metodológica para delimitar em qual classe inserir, no caso do autor, trabalhadores de diferentes setores da economia e também para investigar as relações entre pertencimento de classe e práticas educacionais das famílias.

A condição de classe não pode ser determinada apenas a partir da posição dos agentes nas relações de produção, já que alterações na dinâmica da infra-estrutura econômica criam divisões no interior das classes, diversificando sua composição. (ROMANELLI, 2003, p. 246).

As duas primeiras entrevistas foram realizadas nas escolas, ambas com a presença de uma pessoa da instituição. Quando fui até o colégio C3a, por indicação de uma amiga, tive uma longa conversa com a diretora Alice, que demonstrou interesse em contribuir. Ela fez toda a mediação com a mãe Frida, que no dia da entrevista, realizada na sala da coordenação com a presença de Alice, entregou-me um documento para anexar à pesquisa, o qual se tratava de uma carta às escolas da rede privada de ensino do município de São José, advertindo que as mesmas não poderiam cobrar a mais por matricularem alunos com deficiência, mesmo que este necessite de reformas, materiais diferenciados, suportes pedagógicos, ou contratações específicas. Este documento era originário do PROCON35, o qual encaminhou à Secretaria Municipal de Educação do município, que por sua vez dirigiu às escolas da rede privada.

Durante toda entrevista de Frida, Alice esteve presente, assim como na coleta de dados de Anita, onde Jéssica, a assistente de educação especial da escola, que, além de acompanhar a entrevista, forneceu algumas contribuições do conhecimento que tinha ao encerramento da entrevista com Anita. A entrevista de Lygia foi realizada na casa onde ela reside, próxima ao seu local de trabalho, num sábado, após o expediente.

Com o intuito de agendar a 4ª entrevista, realizei a última opção, que desde o início tinha em mente, caso não conseguisse pelas vias tradicionais: ir a uma instituição de educação especial localizar famílias que tivessem o perfil da pesquisa. Foi quando conversei com uma professora de Arte da Associação

de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE), que fez a ponte entre eu e a instituição.

Com o projeto, fui até a APAE conversar com a direção técnica e expô- lo, ciente de que, por se tratar de uma instituição com enorme abrangência e número de alunos seria algo fácil. A frustração começou no momento em que a diretora comunicou que existem poucas famílias com o perfil que eu procurava, informando que cerca de 95% dos alunos estudam em escolas públicas. Nesta conversa, ela afirmou que indica às famílias que matriculem seus filhos na rede pública, pois está melhor preparada do que o setor privado para acolher alunos com deficiência. Quando ela sugeriu isso às famílias, segundo a mesma, foi devido às inúmeras reclamações e insatisfações que a própria família denunciou com relação aos filhos matriculados em colégios de elite de Florianópolis. Ainda assim, a diretora comentou que os filhos que possuem deficiência e estudam em escolas particulares freqüentam o núcleo do SAEDE36, e que através disso, buscaria famílias com o perfil da pesquisa a fim de agendar entrevistas. Ela mapeou duas famílias, porém com seus filhos matriculados em escolas de bairro, escolas de classes médias, fazendo contato sem sucesso com estas.

Com mais um insucesso, percebi que a meta inicial ficava cada vez mais distante, mas após qualificar, conversei com uma professora que me indicou uma pessoa que possivelmente conheceria várias famílias com o perfil desejado para a pesquisa: famílias de elite ou de classe média-alta com filho(s) matriculado(s) em colégios particulares considerados de elite. Embora este contato tenha sido favorável, porque ela conseguiu várias famílias disponíveis, havia pouco tempo para coletar e transcrever os dados, e, portanto, precisei optar por famílias que estivessem com disponibilidade imediata nos dias seguintes que restavam para finalizar as coletas de dados.

Desta forma foi estabelecido contato com Tarsila e Fayga, as duas últimas mães a serem entrevistadas, as quais possuem seus filhos matriculados na mesma instituição, localizada em área central da cidade de Florianópolis.

36 Serviço de Atendimento Educacional Especializado que atende crianças na faixa etária de 07

Um dado que chamou atenção foi que esta escola abriga poucos alunos com deficiência em relação ao total de matriculados, diferentemente das três escolas dos filhos das outras pesquisadas, que não são localizadas em áreas centrais, mas em bairros, atendendo menos de trezentos alunos, mas que possuem um percentual maior de acolhimento a alunos com deficiência.

Uma das razões pela qual as instituições optaram por não participar da pesquisa foi o fato de que a relação entre pais e escola é delicada, o que ficou claro quando explicitei o objeto da pesquisa em alguns estabelecimentos, que até então, nos primeiros contatos – sem saber direito do que se tratava a pesquisa – demonstraram interesse. Se fosse realizada com professores ou alunos, o acesso seria mais fácil, mas, pelo que pude perceber, apesar de argumentar enfaticamente, a negação foi justamente por temer que os pais se sentissem incomodados ou constrangidos diante desta situação. Além do mais, as coordenadoras que se dispuseram a colaborar, foram ou barradas pela direção, ou invariavelmente receberam um não inesperado de pais que elas julgavam mais “abertos”. Estes alegaram que ou a criança já está sendo atendida por profissionais, ou deixaram a entender que não se sentiam à vontade para falar sobre a deficiência, mesmo que se argumentasse que o foco da entrevista não seria este, mas sim, a formação artística da criança. Como a negação por parte dos pais ocorreu sucessivamente, outro questionamento surgiu com relação a isso: a hipótese de que talvez o desinteresse dessas famílias em participar se deveu porque elas pensavam que os filhos não possuíam uma produção artística, e por isso não queriam passar pelo constrangimento de revelar isso em entrevista.

Diante dessas constatações e das circunstâncias, muitos dados foram percebidos ao longo da pesquisa, os quais não se pensava inicialmente, considerando que mesmo com a premissa inicial, muitas informações que são obtidas ao longo do processo são, em princípio, inesperadas, o que colaborou para a ampliação da mesma. A seleção dos participantes, apesar de ter sido alterada em virtude do contexto, foi essencialmente motivada pela aproximação das famílias para com a escola, já que ambas precisaram dispor de tempo e vontade para não somente contribuir com a pesquisa acadêmica, como também fazer uma troca mútua, somando experiências entre família e escola no âmbito da pesquisa acadêmica, que é um contato pouco comum,

principalmente na perspectiva da família, que não costuma conceder este espaço.