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4 O DISCURSO SOBRE A ARTE COMO FATOR DE INCLUSÃO

4.6 O ensino de Arte na concepção das mães

Este item diz respeito ao que as mães pensam sobre as aulas de arte, apresentando uma reflexão sobre o que acontece na escola, se elas acompanham essas aulas, se elas têm contato com o professor da disciplina, ou seja, aquilo que acontece no âmbito da escola e como é o respaldo em casa.

As respostas foram variadas, exemplificando na maioria dos casos, os trabalhos manuais realizados pelos filhos, porque a parte cognitiva é ainda complexa para ser observada, visto que as deficiências dos filhos desta pesquisa são: Síndrome de Down, Autismo, Paralisia Cerebral e Deficiência Intelectual.

Fayga expõe a questão da criatividade, pontuando que é importante deixar que as crianças mexam com tinta, manuseiem pincéis, criem a partir do que viram, partindo de uma teoria, destacando que é essencial deixar a criança fazer, não apenas falar sobre determinado artista.

Ai eu acho que a coisa criativa ela tem que ser fundamental, assim, sabe...Se você vai mostrar uma pintura, quanto mais perto pegar com a tinta e papel, pra eles poderem criar o deles, eu acho que ia ser mais rico, do que só falar, né. Então, por exemplo, tava trabalhando com Romero Britto, o que que é mais específico pro Romero Britto,

cores? Forma? Coloca as tintas do Romero Britto e deixa eles vivenciarem...se sujarem né, é muito bom de ver isso...difícil é lavar o uniforme depois [risos]. Mas eu penso assim, eu acho que é a vivência, não só ver, que uma criança da idade deles não fica só vendo...elas ficam tocando né...elas querem, né...

(05 – Fayga)

As práticas no contexto da educação infantil estão ligadas ao lúdico, nas relações entre o brincar, voltadas para processos interativos de experimentação, expressão, percepção, criação, intuição. No entanto, um dos pontos básicos da arte no contexto da educação infantil é a educação do olhar. “Não o olhar que conduz para uma única direção, mas o olhar que amplia as leituras de mundo.” (PILLOTTO, 2007, p. 23). As significações que as crianças dão às situações passam pela impressão que elas têm do mundo, de seu contexto histórico, social e cultural.

Anversa (2010, p. 62-63) salienta que:

Quando se trabalha com crianças com idade inferior a dez anos, é essencial que se tenha ludicidade naquilo que está sendo mediado. As crianças necessitam correlacionar, estabelecer conexões entre o aprendizado e a prática lúdica, vinculando o que aprenderam e o que vivenciaram através da brincadeira.

O fazer criativo das crianças resulta numa simultânea exteriorização e interiorização de suas experiências, configurando a arte neste campo como mediadora dos processos de criação, percepção, emoção, entre outros. A constatação desta mãe, portanto, vai ao encontro do que é sugerido que se trabalhe no currículo de artes na educação infantil.

No depoimento seguinte, o qual se questionou sobre a concepção das aulas de arte, Frida declarou que:

Na escola eu acho que tem que envolver todos os tipos de arte, a música, a manual, entrar todos os tipos de materiais, areia, argila, todos esses, né... igual pintura, existem várias maneiras de pintar, não só uma, vários tipos de colorir, não é só um tipo, ... E a Arte é todo este processo, os materiais que tão em volta da gente, que a gente pode transformar, modificar, é meio que básico pra vida da gente, que a gente tá envolvido... Que em Arte escuta música, e na escola também é legal né, as crianças gostam né, e já envolve outro tipo de Arte. Quando escuta música já ta envolvendo não só o áudio, mas tem o corporal que traz uma coisa e busca outra, né. Então, Arte é mais ou menos uma conexão...de um vai pra outro, do outro vai pro outro, sem saber que você ta trabalhando todo o complexo de artes... e um é caminho pro outro. Na escola a gente trabalha muito com

Arte, porque pra todo o nosso grupo, é fundamental, né? É, é o nosso caminho. Igual outro dia, falando de quadro né, aí a gente vai mostrando os quadros né, Tarsila do Amaral...

(01 - Frida)

Ante o exposto, Frida reconhece que a Arte é importante, porém, não sabe explicar com precisão o porquê, não constrói um conceito com maior clareza. Sendo assim, fica evidente que, neste caso a transmissão do capital cultural, questão apontada por Bourdieu (1998; 2003), ficará restrita à escola e ao seu meio social.

Setton (2002) indica que o habitus é um produto das relações dialéticas entre uma exterioridade e uma interioridade, em que atualmente é estruturado não somente pelos agentes tradicionais da educação, como família e escola, mas também é constituído pela cultura de massa, difundindo múltiplas informações e referências identitárias, o que caracteriza a socialização da contemporaneidade com base em múltiplos exemplos de referência. É pertinente destacar que através do depoimento de Frida o habitus, relacionado à cultura, será mais amplamente transmitido pela escola e pela cultura de massa do que através da família.

Na sequência, utilizando-se da própria resposta dessa mãe, aproveitei para investigar se essa concepção que ela estava fornecendo, a respeito dos trabalhos desenvolvidos, era abordada apenas na escola em que o filho estuda, ou onde ela trabalha, ou se as informações eram abordadas no curso de Pedagogia que ela cursa. A resposta da mãe foi a seguinte:

[...] lá na escola mesmo, com as crianças, de três, de quatro; aí têm os quadros...É, porque, é um tipo de linguagem que a gente usa muito na escola...Eles vêem os quadros, paisagens, e... é interessante né? Aí tem aquele quadro a Tarsila do Amaral, e cada um interpreta...várias coisinhas que os profissionais...que a gente tá sempre falando né, ou lendo uma poesia...Então, essas coisas, é o básico assim né...pra estar introduzindo todo um conceito de Arte, né...porque essas coisinhas que muitos não ..., já tem esse contato desde pequeno...Tem o boi-de-mamão que eles gostam, depois eles vêem um quadro do boi-de-mamão, feito por alguém, então....né? Aí ao mesmo tempo que vai mostrando aquilo tu ta mostrando o dia-a- dia, tu vai botando o conceito de Arte, várias formas que se pode montar um boi-de-mamão, um artista faz assim, o outro assado, né? Então vai sendo um caminho assim mais longo pra percorrer porque eles vão vendo de todas as formas aquelas coisas que estão

introduzidas no nosso PPP45 né... aí a gente vai trabalhando essa coisa né?

(01 - Frida)

Essa mãe reporta o conceito de Arte às diferenças entre o trabalho de determinado artista e outro, o que não deixa de estar equivocado, desde que este olhar não esteja focado apenas à parte técnica, como ela cita, às maneiras que se faz um boi-de-mamão. Outra questão observada diz respeito ao PPP da escola em que trabalha, que é um documento fundamentado nas leis, como LDB e Parâmetros Curriculares (Nacionais e do Estado). Segundo a fala de Frida, a escola segue as exigências do PPP com relação às aulas de artes, mas, no entanto, mesmo que ela esteja cursando o curso de Pedagogia, oferecido pela Prefeitura Municipal de Florianópolis, não assimilou ao certo os fundamentos que estruturam o ensino de Arte.

Segundo o PCN (2001), a Arte envolve o conhecimento, que tem como base a experiência de fazer formas artísticas e tudo o que entra em jogo nessa criação, englobando várias ações, como a experiência de fruir formas artísticas, a experiência de refletir sobre a arte como objeto de conhecimento, onde importam dados sobre a cultura em que o trabalho artístico foi realizado, a história da arte e os elementos e princípios formais que constituem a produção artística, tanto de artistas quanto dos próprios alunos.

Ao ser questionada sobre sua concepção acerca do ensino de Arte e como são as aulas na escola, Tarsila reforça que:

Acho que eles instigam, né. A escola organiza passeios bastante interessantes, né. Tanto de ir ao cinema, quanto de visitar um museu, O Victor Meirelles, a casa rosada, é, eles já fizeram, por exemplo, reconhecimento cultural, fazer volta à ilha, conhecer todas as praias da ilha, visitar o ribeirão da ilha, a igreja de Santo Antônio, o artesanato da ilha, o que é a rendeira, o pescador, visitar uma vila de pescadores...todas essas atividades são introduzidas tanto pela escola, quanto na E.A46 também, faz passeios no meio da natureza, conhecer as árvores que são daqui, os pássaros, que tipo de animais a gente convive, quando é a época em que os pingüins vem à Florianópolis, o que que a polícia ambiental faz, quando um animal é preso na natureza o que que é feito pra soltar, e diversos outros...né. A gente já fez arte culinária, de trazer uma pessoa pra ensinar culinária, eles já fazem um desenho, colocam cobertura e tal e depois comem. Na escola, por exemplo, eles já foram visitar o ateliê do

45 Projeto Político Pedagógico.

Luciano Martins, estudaram a vida do Van Gogh, reproduziram um quadro do Van Gogh e depois reproduziram um quadro do Luciano, pintaram junto com o Luciano um quadro, então, acho que assim, em relação à arte pintada é essa, a arte música, é, eles já participaram de coral, na escola eles têm aula de música, eles têm aula de flauta, só se apresentam com flauta, conhecem outros instrumentos, constroem, aqui, no caso na E.A, constroem instrumentos com material reciclável, fazem chocalhinhos, fazem apresentações. A inserção da arte é bem importante, assim.

(04 – Tarsila)

A participação desta mãe na vida das crianças é notadamente efetiva, presente. Ela conversa com os filhos, instiga-os a relatarem suas aulas, o que acaba refletindo nas aulas extracurriculares, efetivadas em sua escola, no contra-turno.

Da mesma forma, Fayga relata que a escola oportuniza muitas vivências em arte, incluindo pontos turísticos e outros roteiros que fornecem desde cedo contato com a história da cidade.

A escola é muito focada em arte naquilo que ta acontecendo na cidade, então eles foram passear, no... na... eles foram ver os monumentos da cidade, que eu mesma ainda não vi, tipo a figueira né, eles fizeram um passeio de ônibus. Eles foram em cinco pontos turísticos, ver canhão, o forte...

(05 – Fayga)

Anita exime-se em realizar muitos comentários e conclusões mais incisivas, mas subentende que o desenvolvimento da expressão é algo que se desenvolve nas aulas de Artes:

Não tenho contato direto com as aulas, mas acho a Arte importante para a Camila por ser uma forma de ajudá-la a expressar-se, já que tem muita dificuldade em fazê-lo.

(02 – Anita)

Para Lygia, o fazer manual que vise a coordenação motora e o desenvolvimento da motricidade fina é evidenciado nas aulas de Arte, em específico para o filho dela, que possui dificuldade ao manuseio de certos materiais. O que, no entanto, fica visível é a compreensão de que se estimulado, o filho realiza os trabalhos com mais afinco.

Como o Daniel tem esta dificuldade motora, por exemplo: pintura, ele sempre tem dificuldade em pintar. No começo ele desistia, ele

rabiscava, não ia até o final. Na medida que o tempo foi passando ele foi melhorando, né, essa coordenação motora, pois ele vai crescendo, vai desenvolvendo. Cortar com a tesoura, ele tem bastante dificuldade no colégio na aula de artes, pedir pra ele recortar, fazer um trabalhinho manual, ele tem bastante dificuldade, tudo o que envolve coordenação motora fina. Claro que com o passar do tempo foi melhorando. Tem uns quadros que ele pintou na escola que dá pra ver que, por exemplo, quando ele foi numa exposição, teve uma motivação, ele fez melhor, já ficou mais empolgado. Como este ano eles fizeram uma bolinha de natal, ta lá na escola na exposição [isso que ele não conseguiu recortar o pano], mas ele conseguiu fazer a bolinha, daí quando ele é bem motivado ele tenta dar o melhor dele. Tem outra pintura que foi o nome dele em japonês, como foi exposto, eu ia lá ver, ele se empolgou e pintou bem certinho. Se tem motivação, não só em artes mas em todas as disciplinas, ele melhora, ele tenta melhorar. Então, o desenvolvimento de artes dele, a pintura, foi melhorando. Outra coisa que eu observo também, é que os desenhos dele – ele tem doze anos – os desenhos são bem mais infantis do que dos outros, porque a idade mental dele é menor. Ele gosta da aula de artes, mas tem que ser bem motivado para ele dar o melhor dele.

(03 – Lygia)

Aproveitando a fala da mãe, que afirmou ter uma produção pictórica do Daniel com base em exposição visitada, questionei-a se ele tece algum comentário em casa sobre conhecimentos obtidos nas aulas, e não apenas nos fazeres, nas atividades realizadas, no intuito de investigar se as aulas de Arte eram voltadas à cognição ou se o Daniel não trazia esses conceitos porque não os compreendia.

Quando ele foi à exposição ele contou, contou tudo o que ele fez lá, porque teve motivação, ele fica mais empolgado, ele também é bem hiperativo, então pra ele ficar preso só lá na sala, ele vai ficando cansado, ele não vai rendendo, se há alguma coisa diferente onde ele possa gastar energia, ele rende mais, ele faz as coisas com mais empolgação. Todas as aulas que são diferentes ele gosta.

(03 – Lygia)

Vale relembrar que o histórico do ensino de Arte aponta a existência de concepções sobre a arte como um fazer técnico, desprovida de saberes, pois muitos conceitos foram construídos ao longo dos anos em que o conhecimento em arte era camuflado num “fazer pelo fazer” ou numa liberdade de expressão/criação. Assim, as concepções que as mães trazem consigo são formadas a partir desse ideário, provavelmente vivenciado por eles em seu próprio processo de escolarização, e resistem a essa perspectiva.

o contato com lápis de cor, tintas, pincéis, argila e outros, não significa, por si só, a oportunidade de construir, conhecimento em artes visuais. Usar ferramentas da arte é uma, outra coisa, bem diferente do ensino de arte.

Se tomarmos como base a contextualização histórica é possível entender o porquê, de ainda hoje, para a maioria das pessoas, ser difícil perceber a Arte como campo de pesquisa e conhecimento. Com a Lei de Diretrizes e Bases de 1971 (5.692/71) instituiu-se a Educação Artística, com a estrutura marcante da polivalência, reunindo em uma única disciplina, as

atividades de artes plásticas, música e artes cênicas. Através desses

fundamentos, sem foco no conhecimento, a Arte passou a ser componente curricular obrigatório no Ensino Fundamental.

A reboque, em 1973, para suprir a demanda criada, vieram os cursos superiores para preparar os professores polivalentes, inaugurando a Licenciatura em Educação Artística. Uma formação com duas opções, a Licenciatura Curta, em dois anos, e a Licenciatura Plena, em quatro. Em meio às fortes heranças da ditadura e também de uma sociedade escravocrata e colonizada, muita gente resistiu e algumas ideias avançaram. (MACEDO, 2010, p. 163).

Com a LDB 9.394/96 a Educação Artística é extinta, entrando em uso a disciplina Arte, reconhecida oficialmente como área de conhecimento, obrigatória nos diversos níveis da educação básica, a fim de promover o desenvolvimento cultural dos alunos, envolvendo uma reestruturação ao tratamento de uma área de conhecimento. Porém, essas conquistas são relativamente recentes e evidenciam porque ainda, para a maioria das pessoas, é difícil perceber a Arte como área de conhecimento.

Apesar das constatações de que as respostas das mães sobre o ensino de Arte, foram, em sua maioria, focadas na ação manual, e não na cognição, é importante destacar que a atuação do professor de arte é incisiva para mediar esta relação entre família e ensino de Arte. As famílias somente terão uma noção mais abrangente sobre a importância em relacionar o conhecimento com a prática se os professores desenvolverem isso em suas aulas. Os depoimentos das mães sobre o ensino de Arte são, portanto, reflexo de suas vivências, mas também são moldados a partir do que os filhos trazem da

escola, seja através da fala, dos trabalhos que produzem, por fim, do respaldo de suas aulas.