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4 O DISCURSO SOBRE A ARTE COMO FATOR DE INCLUSÃO

4.1 Percursos metodológicos

A pesquisa qualitativa ampliou o leque de possibilidades investigativas com objetos de estudo complexos, como no caso aqui apresentado, da participação de famílias cujos filhos apresentam diagnóstico de deficiência. O contexto de encontro com as escolas e com as famílias foi bastante dificultoso,

fazendo parte do percurso de construção da pesquisa, considerando os inúmeros percalços e dificuldades enfrentadas nestes dois anos de investimentos teóricos e efetivação dessa investigação.

Partindo do pressuposto de que se faz necessária a realização de pesquisas e o aprofundamento de reflexões na área dos estudos sobre família, arte e inclusão, por serem estas áreas tão afins, e ao mesmo tempo tão distantes, é importante destacar que notadamente o tema “família” está intrinsecamente correlacionado com as discussões acerca do tema “escola”. Reily (2009) sublinha que, também, a literatura sobre arte e deficiência ainda se encontra em definição, enfatizando que o tema “deficiência” desperta interesse em inúmeras áreas, como psiquiatria, psicologia, educação, mas que, no entanto, no campo da arte, ainda é recente, em fase de produção.

As necessidades acima enunciadas provocaram um somatório de questões que originaram um investimento teórico bastante denso na construção desta investigação. As questões que levaram a optar por este tema, inicialmente foram:

1 – As elites econômicas e sociais31 possuem conhecimento sobre Arte e por isso investem mais na formação artística dos seus filhos?

2 – Elas acompanham a trajetória artística e cultural do filho na escola?

3 – Que importância as elites dão à formação artística e cultural da criança com deficiência?

4 – Qual a estima/expectativa dos pais sobre o ensino de Arte dentro da escola regular, na vida da criança com deficiência?

5 – As famílias são habituadas a atividades relacionadas à Arte e Cultura? Brandão (2000) aponta a ausência de uma tradição disciplinar nas pesquisas em educação, o que reflete na qualidade destas, resultando na falta de rigor em função dos elementos, informações e instrumentos utilizados. Ela

31 A caracterização deste grupo se deu antes de ir à campo, pensando que essa classe social

seria o foco das entrevistas. No entanto, após efetivar a coleta de dados, notou-se dificuldade em pesquisar tal grupo, o que levou à opção de investigar famílias que têm filhos matriculados em escolas privadas, independente de sua condição sócio-econômica.

afirma que a problemática da escolha da abordagem metodológica entre os pesquisadores das Ciências Sociais e da Educação se encontra na capacidade de selecionar os instrumentos de pesquisa de acordo com os problemas que esta deseja investigar.

Pela ótica da autora, a maturidade de um pesquisador está diretamente ligada ao rigor com que elabora suas referências, o cuidado na escolha dos instrumentos de pesquisa, a capacidade de realizar a melhor opção entre as alternativas postas para a análise de seu objeto e a cautela com que interpreta os resultados do processo investigativo.

Dallabrida (2006, p. 83) compreende que “[...] as experiências de pesquisadores desta temática abrem caminhos para que as pesquisas ganhem em qualidade e não percam o rigor necessário às investigações acadêmicas.”

Existem dois momentos cruciais para a pesquisa, que devem ser levados em conta na aquisição do rigor científico, que são a delimitação do objeto e a análise e interpretação dos resultados.

Para Brandão (2000, p. 175), o rigor, a aquisição do habitus científico exige tempo e esforço:

Os materiais de pesquisa, sejam dados quantitativos ou informações e representações sociais colhidas por questionários ou entrevistas, não são dados. Há todo um trabalho prévio de construção de um corpo de hipóteses derivado de um conjunto de escolhas teóricas que é indispensável para delimitar e conferir sentido aos materiais empíricos necessários ao desenvolvimento da investigação. O processo de configuração do campo de pesquisa impõe um tempo de experimentação, em que o pesquisador vai se familiarizando com as alternativas de tratamento do problema e as vantagens e desvantagens dos diferentes ângulos de observação.

A escolha dos procedimentos de coleta de dados deve ser pertinente com relação ao objeto de pesquisa. A entrevista tem sido muito usada nas pesquisas com foco no ensino, e, além disso, tem sido bastante discutida no meio acadêmico quanto sua relevância e pertinência com relação a cada objeto. Para configurar o corpo desta pesquisa, o instrumento de coleta de dados escolhido foi a entrevista. Ela é bastante útil como um método de pesquisa para se ter acesso às atitudes e aos valores dos indivíduos – coisas que não podem necessariamente ser observadas ou acomodadas em um questionário formal. As perguntas abertas e flexíveis podem obter uma

resposta mais ponderada do que as perguntas fechadas e, por isso, proporcionam um melhor acesso às visões, às interpretações dos eventos, aos entendimentos, às experiências e às opiniões dos entrevistados. (BYRNE apud SILVERMAN, 2009, p. 111).

Zago (2003) aponta que a delimitação da entrevista compreensiva permite a construção da problemática de estudo, sem possuir uma estrutura rígida, ou seja, questões previamente definidas podem sofrer alterações. Isso a difere do modelo clássico, o qual define a problemática na fase inicial, “com instrumentos padronizados, definidos na fase que antecede à coleta de dados, [...] amostragem tendendo para a representatividade, com questões estabilizadas.” (ZAGO, 2003, p. 296). Tomando como base as considerações da autora, essa pesquisa se aproxima desse recurso, buscando a compreensão do social valorizando o material coletado.

A entrevista é o procedimento de coleta de dados mais adequado para a investigação proposta nesta pesquisa. Por esta razão, sobressaiu ao questionário, prevalecendo a importância da troca de ideias com o entrevistado, a fim de obter resultados mais significativos e atender ao questionamento inicial, buscando a compreensão da formação artístico-cultural pela ótica dos pais de alunos com deficiência. Bourdieu (2008, p. 694,) afirma que

Só a reflexividade, que é sinônimo de método, mas uma reflexividade reflexa, baseada num “trabalho”, num “olho” sociológico, permite perceber e controlar no campo, na própria condução da entrevista, os efeitos da estrutura social na qual ela se realiza.

O autor ressalta a importância em esclarecer ao entrevistado o sentido que este faz da situação, da pesquisa em geral, das finalidades que ela busca, explicando as razões que o levam a aceitar a participar da troca. Isso tudo é crucial na maneira como se apresenta a pesquisa ao pesquisado. Medir a amplitude e a natureza da distância entre a finalidade da pesquisa interpretada pelo pesquisado, e a finalidade que o pesquisador tem em mente, é essencial, pois pode causar distorções na maneira como o entrevistado responderá às

perguntas, ocasionando o impedimento em dizer certas coisas ou encorajar a acentuar outras. (BOURDIEU, 2008).

Os pesquisadores são parte essencial do processo de pesquisa, não apenas pela presença, mas também por suas experiências no campo com a capacidade de reflexão que trazem ao grupo que está sendo estudado. Por este viés, compreende-se que o contexto e os casos são categóricos na pesquisa, pois a história e a complexidade dos mesmos são fatores importantes para entender o que está sendo estudado.

Os pesquisadores qualitativos estão interessados em ter acesso a experiências, interações e documentos em seu contexto natural, e de uma forma que dê espaço às suas particularidades e aos materiais nos quais são estudados. (FLICK, 2009, p. 9).

Bourdieu (1989) aponta que a pesquisa é algo demasiado séria e difícil para ser confundida com a rigidez, o oposto da inteligência e da invenção, com o rigor, privando-se de recursos entre os tantos que podem ser oferecidos pelo conjunto de tradições intelectuais de disciplina. O autor assegura que o habitus acadêmico deve ser desenvolvido pelos pesquisadores, cuidando para manter o foco de pesquisa utilizando procedimentos criativos, por vezes pouco usuais. Com base nisso, a pesquisa tem como instrumento de coleta de dados essencialmente a entrevista. Embora a expectativa tenha sido maior, com relação ao acesso às famílias e ao número de entrevistas cogitado, a dificuldade em acessar o objeto de pesquisa é também um dado. Nas entrevistas, o primordial são as informações obtidas e não a parte formal. Conforme a necessidade foi realizado mais de um encontro para esclarecer dúvidas ou desenvolver informações que passaram despercebidas no momento da entrevista.

Apesar de cuidar para que a duração das entrevistas entre os entrevistados não variasse muito, a preocupação no rigor acadêmico se deu na transcrição, de forma fidedigna à fala dos participantes, e também na apreensão das respostas questionadas prioritariamente na mesma ordem.