• Nenhum resultado encontrado

4 O DISCURSO SOBRE A ARTE COMO FATOR DE INCLUSÃO

4.4 As famílias pesquisadas e suas características

4.4.1 A escolha da escola

Todas as famílias explicitaram um ponto crucial na busca pela escola que essa pudesse dar conta de atender ao filho, não somente em seu aspecto educacional, mas que envolvesse outras atitudes, que estão além da alfabetização.

Neste ponto eu sou exigente. Não é mais ou menos...uma professora que não dê amor pro meu filho. Pode até aprender depois o A, o E, mas se não der amor pro meu filho... Eu não gosto de ninguém por perto que não seja por amor... Até porque eu, como profissional eu acho que é fundamental pra criança.

(01 – Frida)

Quando eles foram para o colégio, então, o E.S37 oferece a classe S.38, com crianças de diferentes idades na mesma sala, onde tem uma competição menos acirrada, um trabalho em conjunto em equipe muito legal. Então eu fiquei apaixonada por esta proposta e resolvi colocar um dos meus filhos nesta sala. Eles nunca estudaram juntos, né. A proposta da escola foi que eles sempre estudassem em turmas separadas. Até inicialmente eu fiquei assim “Ai não! Eles têm que

ficar juntos, na mesma sala, sempre fizeram tudo juntos”. Mas foi

ótima a experiência de eles terem seus próprios amigos, sua própria história, então cada um tem o seu grupo de alunos. Então, é,...a gente foi pro E.S, o Gustavo foi pra sala S., e o Leandro já foi pro primeiro ano, por isso que hoje eles têm esta diferença de ano, né, um ficou na frente do outro.

(04 – Tarsila)

A escolha da escola para Tarsila aconteceu no momento em que ela acreditou na proposta da instituição, sentindo-se acolhida pelas sugestões e trocas mútuas, as quais proporcionaram confiança na escola, deixando-a satisfeita, pois ela fala com propriedade sobre a escola e os métodos de ensino oferecidos.

37 Sigla fictícia referente à escola onde seus filhos estudam. 38 Referência à classe diferenciada da escola citada.

Da mesma forma, Fayga acredita na inclusão oferecida por essa mesma instituição, a qual foi indicada por Tarsila.

Quando eu cheguei aqui, conversando com a Tarsila39 né, me indicou

o E.S, porque ela disse que foi em várias escolas, a única escola que, das particulares, assim, que realmente abarcou, no sentido de topar uma abertura, apesar de não conhecer, não saber como trabalhar, foi o E.S. Ela se sentiu aceita, e eles tentam fazer essa aceitação, os professores são muito bons, então deu uma confiabilidade à escola. Então eu fui direto ao E.S, não tive nenhum problema.

(05 – Fayga)

Antes de vim né, que eu já pretendia vir pra cá, então eu comecei a procurar, lá de Málaga mesmo, por internet as escolas que ofereciam inclusão, marquei entrevista com várias. É porque eu vim em agosto, eu já tava decidida a voltar. [...] Eu vim em agosto, pra dar uma olhada, pra saber, porque eu não sabia realmente como é que funcionava aqui. [...] Aí eu vim em agosto, vi como é que era, aí eu me decidi mesmo e voltei em novembro. Aí quando eu voltei já tinha agendado várias escolas, tinha aqui, tinha E.A, E.R, E.D40 e tal; aí eu fui, visitei todas, conversei com todas e escolhi esta daqui que eu achei a proposta dela mais interessante.

(02 – Anita)

Circunstâncias como a última descrita, obviamente, têm importantes consequências para a família. Primeiro, significam condições de educação melhores, mas constituem também uma absorção maciça do cônjuge por seu trabalho e uma conseqüente situação de afastamento das rotinas da vida familiar. No ciclo de atividade de uma família envolvida no mercado de trabalho e, em especial, nos negócios, mesmo que a prática profissional liberal possa significar um maior controle sobre as horas de trabalho e assim, existir mais espaço para uma diferente divisão de trabalho entre pai e mãe, visto que um está na Espanha e outro no Brasil, como também um envolvimento diferenciado com a vida escolar da filha, já que, neste caso, a mãe buscou uma alternativa para o desenvolvimento da escolarização da filha, abdicando sua rotina de vida e trabalho na Espanha, mesmo que ela continue fazendo os desenhos de roupa e enviando-os para o marido confeccionar. Novamente, a questão acerca da distribuição de atividades na família é reiterada nesse caso, ficando evidente a divisão de tarefas: a educação, os valores religiosos, morais

39 Neste caso foi inserido o nome fictício para preservar a identidade da participante, porém, na

transcrição a mãe referiu-se pelo nome correto.

e éticos são responsabilidades da mãe, e, do pai, os negócios, as formalidades, o financeiro. (DA MATTA, 1987).

Na família de Fayga, nota-se empenho parecido, porém, um investimento menos árduo do que para Anita, pois ir à busca de melhores tratamentos resultou em melhores condições de vida para todos. Da mesma forma, nessa família, a mãe não deixou de trabalhar, ao contrário montou uma clínica, ação característica da família contemporânea, em que a mulher continua com o papel de prover educação da prole, mas assume concomitantemente uma profissão.

Então quando eu cheguei, o desgaste todo com a Lívia no Tocantins eram terapêuticos, a gente foi pros Estados Unidos quando ela tinha dois anos, fui várias vezes, umas cinco vezes com ela, fui numa terapia, que é esta que eu trouxe pra cá. [...] Então, isso quando eles eram pequenininhos, quando estávamos no Tocantins era fácil, mas ir depois que eu tava aqui, que eu não tinha um aparato, o marido não mora durante a semana, só vem final de semana, e foi ficando difícil. E eles começaram a questionar: “quando você vem? Você falou que

vinha logo, tá demorando...” as outras crianças né...Então como ficou

muito difícil pra mim viajar, e eu resolvi montar a clínica, por acreditar no método, e facilitar minha vida, ficando.

(05 – Fayga)

Semelhante esforço é percebido pela família 03, em que a mãe, no entanto, é divorciada do pai de seu filho. Na fala dela, é nítido o empenho em manter o filho na escola em que estuda e a busca por um tratamento adequado à deficiência dele.

Eu fui a uma psicóloga, [...] daí eu ia nas terapias e contava tudo; ela me orientava e eu vinha pra casa, fazia com ele o que ela me mandava. No 5º ano, ano passado, além de ele ter problemas de aprendizagem, ele teve problemas com a professora [...]. Então me indicaram um psicólogo que fazia terapia comportamental, que foi ajudando nessa relação entre Daniel e professora. Daí eu deixei de lado um pouco a questão da aprendizagem, porque eu precisava de imediato resolver este problema. Eu questionei lá porque que nos anos anteriores deu tudo certo com a aprendizagem e agora no 5º ano não. Eu fui levada a entender que nestes anos ele foi sendo passado, daí quando chegou no 5º ano eles rodaram ele. Daí eu comecei novamente a minha busca, porque assim, eu sabia que ele era diferente, mas eu tinha que arrumar alguma coisa pra provar isso, pra eles [...]. Eu sabia que ele era diferente, porque quando elas mandavam as atividades pra ele, elas mandavam do jeito delas, igual pra todos, e aqui em casa eu tinha que fazer do meu jeito diferenciado e ele fazia. [...] Daí este ano eu resolvi de fato dar um fim nesta minha busca, que eu também já não aguentava mais. Eu não saía de médico, o Daniel também. O último exame que eu fiz que foi

no final do ano passado, foi um exame de três mil reais, um exame genético que eu mandei fazer fora, pra identificar se ele não tinha nenhuma síndrome. Ele fez esse exame e não deu nada. Quando foi esse ano eu não agüentei mais, eu tinha que dar um jeito, pelo Daniel e por mim, que eu vivo sempre com aquela preocupação; eu sei que ele ta lá no colégio, é um colégio bom, mas eu sei que as habilidades dele não estão sendo aproveitadas, ele não tá desenvolvendo o limite de capacidade que ele tem. Foi onde eu resolvi procurar a Fundação Catarinense de Educação Especial, inscrevi o Daniel, e lá tem uma junta médica, passa por todos os médicos. Eu levei todos os exames do Daniel, [...] e a conclusão que eles chegaram é que o Daniel tinha um retardo mental leve.

(03 – Lygia)

Diferentemente das demais entrevistadas, Lygia descobriu o diagnóstico do filho quando este já estudava na escola atual, ou seja, foi no percurso de escolarização dele que se foi levantando dúvidas acerca da deficiência. Nos casos anteriores, a escolha da escola foi norteada pela existência da deficiência, realizando-se uma pesquisa com relação à inclusão, até encontrar a que se adequasse às exigências familiares.

Ele tinha três anos. Aí eu fui andando, a gente andava pelo Kobrasol eu falava assim: Aqui, ou aqui, ou aqui, ou aqui... a gente ficava olhando, aí eu olhei assim: vamos aqui, por causa da cor né, eu gostei da cor da escola, pra mim tudo tem que ser lúdico [risos]. Aí eu entrei, vim, conversei com a Alice né, aí falei pra Alice que ele era especial; aí a Alice me explicou que já tinha tido um tipo de deficiência né, [...] mas nada que fosse algo...que a Alice não conseguiu lidar, que ia ser uma nova experiência o Júlio aqui né, que iria ser diferente né. [...] É como eu falei, a gente entra num lugar, sei lá, por intuição, por Deus em algum momento, mas...vai né, deste contato, que você toma antipatia, ou simpatia. Aí a Alice foi bem...bem assim né...Gostei do jeito dela falar, da sinceridade, da...de tudo né, de ser sincera.

(01 – Frida)

A caracterização das famílias equivale no que diz respeito aos filhos estudarem em escolas particulares, o que foi intencional na busca pelos dados. No entanto, é repleta de nuances que não as situam de forma homogênea, ou seja, pertencentes à mesma classe, com exceção das famílias 04 e 05, de Tarsila e Fayga, respectivamente, que possuem o perfil de famílias de classe média-alta. A família 01 é pertencente à classe média-baixa, visto que, embora possuam residência própria e invistam em uma escola particular, a formação e a profissão tanto da mãe quanto do pai, indicam sua pertença e seu modo de vida, além da mensalidade aproximada, variando entre R$ 100,00 e R$ 200,00

reais. A família 03 pertence também à classe média-baixa, mas apresenta o diferencial da primeira acerca da mensalidade escolar, na faixa de R$ 200,00 a R$ 400,00 reais, além de que a escola está situada em bairro nobre do município de Palhoça, além do fator profissão e formação da mãe, considerando também o fato de não ter cônjuge. A família 02 é pertencente à classe média-média, em virtude dos dados fornecidos, como a profissão e formação tanto da mãe, a formação do pai, a trajetória profissional de ambos, o fato de residirem por vinte e dois anos na Espanha e, neste caso, decidirem investir na escolarização da filha, fragmentando a família para este fim, já que mãe e filha estão no Brasil, em função da escolarização e o pai assegurando a renda na empresa que possuem na Espanha.

Ele ficou na Espanha, leva nossa confecção, porque não dava pra gente vim todo mundo embora né, alguém tinha que ficar lá mantendo, porque aqui a gente não tinha nada, são muitos anos fora e a gente não tinha um trabalho aqui. Então ele ficou mantendo a confecção, ta lá na Espanha. Agora como eu vim pra cá eu só faço o desenho de roupa e a confecção segue lá, trabalhando, e eu só mando os desenhos.

(02 – Anita)

Em todos os casos, as mães possuem graduação, embora Frida esteja cursando somente agora, em função da formação continuada oferecida pela prefeitura. As profissões de Anita, de Lygia e de Tarsila não são as mesmas que cursaram em suas formações.

Trabalho no NEI41 há cinco anos, sou professora na educação infantil, já trabalhei com várias idades dentro da escola, menos com os bebês e com a parte de 5, 6 anos, que agora diminuiu pra entrar na rede pública. To me formando em Pedagogia, que é muito bom, né? Que entra toda uma parte mais aprofundada da psicologia, sociologia, que é fundamental, né?

(01 – Frida)

Eu fiz faculdade de hotelaria lá no sul, na UCS, mas trabalhei muito pouco tempo com a hotelaria, trabalhei uns dois anos só. Fui pra Recife e fiz estágio em Recife e Salvador, voltei pra Recife e trabalhei um pouco lá, depois eu conheci meu marido, fui pra Búzios, que ele morava lá, ficamos mais um ano e pouco no restaurante dos pais dele. E depois daí eu fui pra Europa [...], pra conhecer e acabei ficando vinte e dois anos. Nos últimos anos eu montei uma confecção, e trabalhava com moda esportiva.

(02 – Anita)

Trabalhei onze anos como professora. Trabalhei em Laguna, no C.E.P.E42; Daí depois de oito anos trabalhando nesta escola, a dona

resolveu vender e eu comprei, daí eu fiquei mais quatro trabalhando. [...] Eu vim morar aqui em Florianópolis. E aí eu vendi o colégio. Daí eu desisti do magistério. Daí eu vim trabalhar numa loja. Lido com pessoas, mas eu também aplico o que eu aprendi no meu trabalho, que eu lido com pessoas, né.

(03 – Lygia)

Considerando a diversidade interna das classes médias, isto é, frações de classe (classe média-baixa, da classe média-média e da classe média-alta), é coerente afirmar que todas são compostas por segmentos sociais. Romanelli (2003, p. 248) explicita que essa delimitação “pode contribuir para a construção de categorias úteis para se efetuarem recortes empíricos com a finalidade de se analisar o estilo de vida de famílias de segmentos específicos dessas camadas”. Salienta-se aqui que, embora se tenha clareza de algumas definições que abarcam o estilo de vida43, ao analisar uma determinada família, não há como prescrever sua categorização de maneira incisiva, porque são analisadas em universos separados. Para tanto, seria necessário investigar o princípio unificador e gerador de todas as práticas, ou seja, examinar o modo de organização das famílias, o que não é objetivo desta análise, e sim, num primeiro momento, situar a condição social das famílias em função da hipótese inicial de que nas elites, a formação artística e cultural dos indivíduos acontece em maior proporção do que nos demais meios sociais. Assim, o que se busca nessa inicial caracterização das famílias é situá-las em seu meio para poder compreender como as mesmas conduzem a formação artística e cultural dos filhos que têm deficiência, abrangendo, assim, a compreensão da Arte e do ensino de Arte às famílias.