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3 ARTE, EDUCAÇÃO E INCLUSÃO

3.1 Pressupostos da Arte e seu ensino

Será abordado neste tópico um conjunto de conceitos sobre Arte, de forma a contextualizar as relações entre Arte e Educação, pois se observa através da realidade que uma definição única de Arte não existe, e sim uma diversidade de interpretações que variam conforme a época. Existem muitas teorias sobre o assunto que são divergentes, por vezes, contraditórias, que não definem claramente o conceito, mas levantam questões, devido à complexidade de definição unânime sobre a Arte. Nessa problemática, muito mais importante do que definir o conceito, é caracterizar como a Arte se constitui, quais as relações que estabelece com seu entorno e com os espaços mais globais.

“Arte é um modo privilegiado para nos fazer pensar, refletir.” (RAMALHO e OLIVEIRA, 2010, p. 124). A definição da autora reforça o pensamento contemporâneo sobre Arte, inferindo que a reflexão, o conhecimento, o desenvolvimento do pensamento são abrangências da Arte na atualidade. Mas nem sempre foi pensada desse modo. Talvez nem hoje seja assim por completo. Ainda há quem acredite que a Arte serve apenas para enfeitar, condicionando-a a um ideal clássico de beleza, que oferece prazer ao espectador. Importantes conceitos sobre Arte foram discutidos em perspectivas de diversos autores, que se debruçaram em suas reflexões na tentativa de obter algumas considerações, as quais transitam no meio social em diferentes concepções.

Ao longo da história do homem, as manifestações artísticas sempre estiveram presentes. Lopes (2004) afirma que as razões que levam o homem a criar e se expressar através das linguagens artísticas variam e acompanham as transformações ocorridas na sociedade. Para Fischer (1987, p. 16), a razão de ser da Arte nunca permanece inteiramente a mesma. “A arte é o meio indispensável para essa união do indivíduo com o todo; reflete infinita capacidade humana para a associação, para a circulação de experiências e idéias.” (FISCHER, 1987, p. 13).

De acordo com Lopes (2004), toda manifestação artística recebe influências do meio, assim como também influencia a experiência humana e social de seu tempo, representando suas aspirações, necessidades e questionamentos, podendo, também, perpetuar-se, ultrapassando os limites de um determinado momento histórico.

As formas de manifestação da Arte e seu papel social sofrem modificações ao longo do tempo, acompanhando o desenvolvimento das civilizações. No entanto, com a complexidade da sociedade moderna - em analogia às suas relações e contradições sociais - as manifestações artísticas não mais são restritas às representações míticas, mas envolvem pesquisas mais abertas e atribuem maior liberdade formal.

Para Pareyson (1989), a conceituação de Arte passa por três definições, que são: a Arte como fazer, como conhecer ou como exprimir. O autor pontua que a primeira definição prevaleceu na Antiguidade22, pois era a Arte, explícita ou implicitamente, um fazer manual, fabril, sem a preocupação em distinguir ou pensar sobre as diferenças entre a arte propriamente dita e o ofício do artesão. No Romantismo, que, segundo Fischer (1987), foi um período caracterizado pela mobilização do protesto apaixonado e contraditório contra o mundo burguês capitalista, a terceira definição – da Arte como expressão – prevaleceu, entendendo que a beleza da arte consistia não na adequação de um modelo ou cânone, e sim na beleza da expressão. A segunda concepção também é recorrente no pensamento ocidental, que concebe a Arte como conhecimento, visão, contemplação, interpretando o aspecto executivo como secundário, valorizando a realidade sensível, ou metafísica e até mesmo espiritual, profunda e emblemática.

Na concepção de Pareyson (1989), destaca-se o pensamento sobre Arte em sua amplitude, não de forma isolada, pois não se restringe ao fazer nem tampouco à expressão e/ou ao conhecer, e sim a relação e a interação entre o fazer, o exprimir e o conhecer, o que não deixa de ser uma analogia à Arte na educação, visto que o ensino de Arte é permeado por essas relações, o que elucida os princípios conceituados pelo autor aos debates sobre o ensino de Arte.

Para Bueno (2002), a origem da palavra latina Ars (arte) significa ação de fazer, articular. Quando a Arte é tratada como fazer, pressupõe a produção, a construção, a técnica que também envolvem o pensamento, a invenção, a transformação, e, no entanto, o fazer na Arte não é apenas execução. “A Arte

22 Segundo Hauser (1998), A Antiguidade inicia após o período Neolítico, anunciando uma

revolução da economia e da sociedade, caracterizando a transição do mero consumo para a produção, do primitivo individualismo para a cooperação, direcionando ao comércio e à manufatura, findando este período com a estruturação da Idade Média.

está vinculada não só ao fazer, ao inventar, ao figurar e ao descobrir, mas também à expressão, por se caracterizar uma ação humana. A expressão nos remete às questões da subjetividade.” (BUENO, 2002, p. 53, grifos da autora).

Ramalho e Oliveira (2007) também analisa a etimologia da palavra Arte, apontando-a como um fazer, uma prática, observando que, ao longo do tempo, as primeiras reflexões teóricas mencionadas na Antiguidade, pelos gregos, não contemplavam as Artes Visuais, apenas a Literatura, o Teatro e a Música. A autora considera que foi com a Estética, abarcada pela Filosofia, que alavancou a fundamentação teórica acerca da complexidade do fazer. A palavra “estética” deriva etimologicamente da “percepção através dos sentidos”, sendo que esta área do conhecimento foi mudando seu objeto de análise, passando do estudo do belo à teoria da Arte, assim como outras áreas de estudo que se dedicaram à Arte, como a Antropologia, a Sociologia, a Psicologia, a História e mais recentemente os Estudos Culturais. É a Arte, nesse contexto, um meio, um instrumento ou uma subárea. (RAMALHO E OLIVEIRA, 2007).

No geral, a produção artística pelo âmbito sociológico é caracterizada não somente como uma expressão de motivações e de experiências individuais, envolvendo, então, sua forma estética, desenvolvida no meio social.

Se Arte é fazer, [...], se fazer implica produção inseparável da invenção, e ainda assumindo que a Arte encerrará dentro de si a expressão, tal fato acarreta dizer que ela exprime um significado, abrindo-se, assim, o entendimento de que a Arte também é conhecimento. (BUENO, 2002, p. 54).

A autora reforça que o conhecimento é um processo de construção de significados que se processa com a mediação entre o fazer e o compreender. A Arte como conhecimento destaca seu valor cognitivo, dando ênfase aos processos de associação, relação, comparação, articulação, dedução, abstração, processos que, de fato, conduzem à construção do conhecimento, que está associada à linguagem e a uma abordagem de sistemas de signos.

Ramalho e Oliveira (2010) sublinha que na atualidade, especialmente nas artes visuais, a Arte adquiriu conotações elitistas, constatando o surgimento desta “elitização” advinda em 1816, com a criação da Academia

Imperial de Belas Artes e com a Missão Francesa, instituídas por Dom João VI. Mesmo com a existência de uma arte local, a dominação cultural foi imposta por “donos do poder”, parafraseando a autora.

A Arte possui caráter social, histórico e transformador, e, em sua definição – que passa por modificações e revisões nos conceitos estético- filosóficos – está hoje inserida num mundo contemporâneo, dinâmico, prático e global. Desta forma, por estar a Arte inserida num processo histórico-social, relaciona-se com o processo educacional, o qual pressupõe uma formação teórica baseada numa concepção de homem e de mundo, envolvida num posicionamento dinâmico e crítico. A Arte é baseada na construção de conhecimento, considerando o ser humano enquanto ser de linguagem e simbólico, estabelecendo-se a partir destes pressupostos a relação entre Arte e educação, porque ambas estão ligadas a concepções sociais, ideológicas e filosóficas, articuladas a uma concepção de mundo. (BUENO, 2002, p. 70).

Essa relação entre o contexto e o saber implica na construção do conhecimento significativo. Acredita-se nessa construção de conhecimento através do ensino-aprendizagem, pois este deve partir do sujeito e de sua realidade contextualizada, considerando o ser global, social, cultural, histórico e transformador. Nessa interlocução, emerge o ensino de Arte, propondo, a partir dessas considerações, ações significativas para estabelecer, portanto, a construção do conhecimento.

Hauser (1998) aponta que há vestígios em projetos esboçados23, pinturas e desenhos corrigidos que levantam hipóteses de que existia uma atividade educativa de Artes Visuais, com escolas, tendências, locais e tradições desde os primórdios da civilização. Inicialmente, as diferentes técnicas e conhecimentos no campo da Arte eram transmitidos de pai para filho ou de um mestre para seus discípulos. Lopes (2004, p. 52) afirma que:

A análise retrospectiva das relações estabelecidas no processo de aprender e ensinar Arte, ao longo da história de uma civilização, nos leva à compreensão de como se desenvolve a produção e a transmissão das manifestações artísticas e culturais neste contexto sócio-histórico.

23 Em seu livro, o autor explicita esse debate sobre as civilizações da Pré-História, enfatizando

Nos últimos anos, o esforço para compreender o ensino de Arte resultou em estudos muito significativos. Autores como John Dewey (a partir de 1900), Viktor Lowenfeld (a partir de 1939) e Herbert Read (a partir de 1943), influenciados pelo movimento da Escola Nova contribuíram com importantes obras com destaque na Arte, valorizando a livre-expressão. (LOPES, 2004).

A presença da Arte na educação e, mais especificamente, na escola, é, segundo Loponte (2010, p. 227), “[...] continuamente negociada desde os ‘microespaços’ como a sala de aula e as grades curriculares até espaços políticos mais amplos como associações científicas ou na legislação educacional.” Para a autora, os argumentos que defendem o ensino de Arte variam em consistência e no enfoque teórico que o sustenta, a maioria bastante conhecidos, por vezes, ainda presentes nos dias de hoje, mesmo depois de anos passados e de muitas mudanças positivas. Tourinho (2003, p. 31) traz alguns indicadores de etapas que já foram superadas no percurso do ensino de Arte, algumas que ainda perduram, mesmo nos dias de hoje:

1. aprendizagem da Arte para o desenvolvimento moral, da sensibilidade e da criatividade do indivíduo; 2. ensino de arte como forma de recreação, de lazer e de divertimento; 3. Arte-educação como artifício para a ornamentação da escola e como veículo para a animação de celebrações cívicas ou familiares naquele ambiente; 4. Arte como apoio da aprendizagem e memorização de conteúdos de outras disciplinas, e, finalmente; 5. Arte como benefício ou compensação oferecida para acalmar, resignar e descansar os alunos das disciplinas consideradas ‘sérias’, importantes e difíceis.

Essas argumentações apresentadas pela autora convêm para observarmos o quanto isso ainda está presente e que, muitas vezes, não faz parte de uma história que já passou, pois ainda acontecem no cotidiano escolar.

A ideia que permeia o ensino de Arte hoje é a produção de conhecimento, em que se desenvolvem formas de pensar, diferenciar, comparar, interpretar, construir. A arte-educação nos moldes contemporâneos, portanto, está associada integralmente à cognição.

Discorre-se nos Parâmetros Curriculares Nacionais (2001) que a manifestação artística tem em comum com o conhecimento científico, técnico ou filosófico seu caráter de criação e inovação.

Tanto a ciência quanto a arte, respondem a essa necessidade mediante a construção de objetos de conhecimento que, juntamente com as relações sociais, políticas e econômicas, sistemas filosóficos e éticos, formam o conjunto de manifestações simbólicas de uma determinada cultura. (PCN, 2001, p. 33).

O processo de aquisição de conhecimento advém de relações significativas, partindo da apreciação estética e da qualidade da experiência. Diante de uma obra, é ativado o raciocínio, a intuição, a percepção e a imaginação, que interceptam o canal da compreensão.

Barbosa (2005, p. 100) propõe que:

Através da Arte, é possível desenvolver a percepção e a imaginação para apreender a realidade do meio ambiente, desenvolver a capacidade crítica, permitindo analisar a realidade percebida e desenvolver a capacidade criadora de maneira a mudar a realidade que foi analisada.

Além do conhecimento artístico, configura-se o conhecimento da Arte como produto das culturas, como parte da história e como estrutura formal. Igualmente, segundo o PCN (2001), o conhecimento de Arte envolve a experiência de fazer formas artísticas e tudo o que entra em jogo nessa ação criadora, como a experiência de fruir formas artísticas, a experiência de refletir sobre a Arte como objeto de conhecimento, onde importam dados sobre a cultura em que o trabalho artístico foi realizado, a história da Arte e os elementos e princípios formais que constituem a produção artística, tanto de artistas quanto dos próprios alunos.

Ramalho e Oliveira (2007) aponta que embora existam os ditames das políticas públicas – que é o caso dos Parâmetros Curriculares Nacionais e da Proposta Curricular de Santa Catarina (PC-SC) – o trabalho do professor de Arte irá nortear-se por três campos que se inter-relacionam:

a prática da linguagem visual, o exercício analítico dos fazeres dos artistas e dos próprios alunos e a reflexão teórica sobre o fazer e o compreender a Arte, a expressão visual dos educando e as imagens, de um modo geral, considerando essas produções nos respectivos contextos socioculturais, nos quais foram concebidas. (RAMALHO E OLIVEIRA, 2007, p. 171).

Considerando que a aprendizagem artística envolve um conjunto de diferentes tipos de conhecimento, os quais visam à produção de significações, é possível compreender tais significações engendradas no tempo e no espaço, permitindo a contextualização da época em que se vive e sua relação com as demais.

A concepção do ensino de Arte como gerador de conhecimento pode ser considerada atual, se tomarmos como base seu histórico. Até determinada época os conceitos eram bem diferentes dos vigentes hoje, e, portanto, o sentido da arte-educação mudou, e, com essas mudanças, novas teorias foram desenvolvidas e aplicadas.

Até o início da década de oitenta, o compromisso da disciplina de Arte na escola era com o desenvolvimento da expressão pessoal do aluno, diferentemente de hoje, que, segundo Barbosa (2003), a construção do conhecimento deve ter ênfase na inter-relação entre o fazer, a leitura da imagem e a contextualização histórica, social, antropológica e estética da imagem, ou da obra. O conceito de sensibilização por meio da Arte sofre algumas mudanças em sua concepção, propondo desenvolver atualmente, mais que uma vaga sensibilidade nos alunos, e sim um enriquecimento cultural destes. O conceito de criatividade também foi alargado. Percebeu-se que ela pode ser desenvolvida não apenas através do fazer, mas também pela leitura e interpretação das imagens.

A criatividade é característica do ser humano e, portanto, não deve ser tolhida e sim trabalhada, pois qualquer área do conhecimento, se bem estimulada, poderá desenvolver estes aspectos que não são de maneira nenhuma prerrogativa única da arte. (ROSA, 2005, p. 34).

Antes, criatividade era atribuída somente ao artista, associava-se criatividade à originalidade e hoje se percebe uma série de outros elementos, como elaboração e flexibilidade, que são importantes para desconstruir, reconstruir, selecionar, reelaborar processos criadores desenvolvidos por intermédio não somente do fazer, como também da ação de apreciar imagens artísticas.

O papel da Arte na escola foi também assegurado pela alfabetização visual, que contribui para a compreensão da importância da disciplina dentro da

escola, pois se entende que a leitura do discurso visual não se resume apenas à análise de linguagens visuais, tais como cor, linha, forma, volume, equilíbrio, movimento, ritmo, entre outras, mas é fundamentalmente centrada na significação que esses atributos conferem à imagem. Barbosa (2003, p. 18-19) reforça este discurso salientando que “Não se trata mais de perguntar o que o artista quis dizer em uma obra, mas o que a obra nos diz, aqui e agora em nosso contexto e o que disse em outros contextos históricos a outros leitores”.

A autora afirma que o compromisso com a diversidade cultural é também um objetivo da arte-educação nos dias de hoje. Não mais validar somente os códigos europeus e norte-americanos, mas atender à diversidade de códigos em diferentes raças, etnias, gêneros e classes sociais, visando à interação entre as diferentes culturas.

Apesar da existência de abordagens e pressupostos que delineiam o ensino de Arte, ainda são fortes os pré-conceitos acerca da disciplina. Anversa (2008, p. 5-6) aponta que:

A discriminação do ensino de arte no ambiente escolar é resultante das conotações pejorativas atribuídas ao ensino do mesmo dentro da própria escola. [...] A arte muitas vezes é considerada uma atividade supérflua, como um acessório da cultura. A aula de arte, em um determinado período histórico, tornou-se descaracterizada e deixou de ser Arte.

Deixou de ser Arte, pois passou a ser de tudo um pouco: desenho geométrico, artes manuais, artes industriais, artes domésticas, aula livre, relaxamento, atributos que estão distantes das concepções teóricas vigentes hoje, mas que nem sempre são compreendidas e aplicadas. Tourinho (2003) ressalta que a hierarquia do conhecimento escolar – explícita e implícita – ainda mantém o ensino de Arte num escalão inferior da estrutura curricular; porém, felizmente, não decreta seu falecimento. A autora não nega que tenham ocorrido mudanças na maneira de conceber e realizar o ensino de Arte (quando ele existe) na escola. Porém, segundo ela, não significa que estas mudanças tenham decorrido unicamente ou principalmente da vontade e compreensão do governo federal sobre o que seja o conhecimento em Arte e as suas funções na educação.

O ensino de Arte tem um histórico que é determinante em seu processo constitutivo. Sua trajetória é construída a partir das mobilizações sociais, pedagógicas, filosóficas, artísticas e estéticas. Quando caracterizadas nos seus momentos históricos, facilitam a compreensão do processo educacional e sua relação com a vida. Tal processo pode ser mais bem compreendido se caracterizado em seus diferentes períodos, como é o caso do Brasil, cujos movimentos culturais correlacionados com a arte-educação vêm sucedendo desde o século XIX. Nesse sentido, além das ações ocorridas em prol de melhorias ao ensino de Arte, movimentos interligados à Inclusão também ganharam força dentro da arte-educação, favorecendo novos olhares e experiências que vieram se desenvolvendo e marcando a trajetória desse viés, concomitante ao ensino de Arte.