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2.2 – Ocupação e Sobrevivência no Acampamento Vale da Esperança

Conforme assinalado anteriormente, a formação do acampamento Vale da Esperança, em Touros (1995 à 1998) ocorreu numa conjuntura sócio-política de retomada e efervescência dos movimentos sociais rurais por todo o Brasil. No Rio Grande do Norte e em particular na região do Mato Grande, caracterizada por uma série de conflitos sociais, tendo como causa fundamental a persistência da estrutura agrária concentrada e a interdição mais uma vez da possibilidade da efetivação da reforma agrária com o desvirtuamento do Plano Nacional de Reforma Agrária - PNRA.

Antes de resgatar a memória histórica do conflito, faz-se necessário caracterizar as quatro fazendas onde ocorreu a ocupação, no sentido de conhecer suas potencialidades e buscar entender os motivos da não desapropriação pelo INCRA.

O conflito agrário ocorrido na Fazenda Vale da Esperança teve início em 1995, quando 300 famílias ocuparam o conjunto dos imóveis rurais Fazenda Aralém, Fazenda Lagoa do Meio, Fazenda Fonseca e Fazenda Vale da Esperança de propriedade de Almir Artêmio de Melo, registradas como Empresa DIANORTE – Mineração Guagiru Ltda.

Localizadas nos municípios de Touros e Maxaranguape, as fazendas ficam próximas ao distrito de Santa Luzia em Touros e da cidade de Rio do Fogo (Hoje município, que na época do conflito pertencia a Maxaranguape). Segundo o relatório de visita técnica, realizada pelo INCRA, em 1996, a área total é de 5.009 hectares, conforme tabela abaixo. Mas, segundo dados do laudo da vistoria realizada em 1997, pelo mesmo órgão, as fazendas possuem 4.926,5 hectares de área registrada e 4.951,6802 hectares de área total dos imóveis. Nota-se uma diferença de alguns hectares, que, todavia não altera o fato concreto de se tratar de um latifúndio de grandes proporções.

Tabela 01: Extensão territorial das Fazendas pesquisadas

NOME DA FAZENDA EXTENSÃO (ha)

Fazenda Vale da Esperança 2.714 ha Fazenda Lagoa do Meio 641 ha

Fazenda Aralém 712 ha

Fazenda Fonseca 942 ha

Total... 5.009 ha

Fonte: Relatório de Visita Técnica – INCRA/RN, 1996.

Percebe-se na divisão do imóvel em fazendas, uma estratégia utilizada pelos grandes proprietários de ocultar a dimensão do latifúndio, na tentativa de descaracterizar a concentração da terra e a possibilidade de desapropriação para fins de reforma agrária. Observa-se que todas as fazendas acima apresentam um número significativo de hectares, sendo maior a Fazenda Vale da Esperança, com 2.714 hectares61. O depoimento de uma liderança do MST é nesse sentido enfático:

É porque esses fazendeiros o sistema deles é o seguinte: eles tem uma fazenda grande, geralmente dividem em 4 ou 5 propriedades, colocam 4 ou 5 nomes de propriedade para que pode vir um processo de pagamento de banco, questão de desapropriação pelo INCRA, aí eles tem a questão de como se resguardar.

61 O grupo econômico, proprietário do complexo Zabelé também utilizou-se dessa estratégia. Para fugir de uma

possível desapropriação, dividiu o complexo em 11 fanzendas, das quais a Arizona tinha sido ocupada em 1985 por um grupo de trabalhadores das localidades de Serra Verde/Município de Touros, sob a direção do Sindicato dos Trabalhadores de Touros. ARAÚJO (2005, p.90).

Então, em função disso eles colocam, eles fizeram 4 nomes da Fazenda Vale da Esperança. Uma era Vale da Esperança, outra era Fonseca, outra era Aralém, acho que era 4, não estou bem lembrado dos nomes. Mas o que pegou pra nós mesmo era o nome Vale da Esperança que era o que montava o esquema das propriedades. (Edmilson, ex-liderança do MST, entrevista realizada no assentamento Novo Horizonte II, em 08/04/2004).

Quanto ao potencial agrícola, as fazendas possuem uma produção permanente de culturas como caju (169,00 hectares produzidos), coco (811,8000 hectares), banana (39,6000 hectares) e macaxeira (7,000 hectares). Há também, culturas temporárias como a da abóbora (25,00 hectares), pastagens nativas (2.906,9000 hectares) e pastagens plantadas (15,00 hectares). Toda a comercialização da produção é feita sem a devida cobertura de notas fiscais, segundo dados do laudo de vistoria do INCRA, ocorrido em 1997, o que mostra evidência de sonegação fiscal à Receita Federal e outros órgãos, por parte do proprietário.

Além da produção agropecuária, as fazendas possuem um conjunto de benfeitorias físicas: 17 casas de alvenaria; 9 galpões; 11 currais para bovinos; 2 apriscos; 1 casa de farinha; 1 instalação para confinamento de até 200 bovinos; 2 cocheiras; 1 brete62; 4 saleiros; 10 cochos; 50

km² em cerca; 3 poços, sendo 1 amazonas e 2 tubulares; 7,5 km² de rede elétrica; 8 fornos; 4 baias para eqüinos; 6 km² de estradas piçarradas; 2 caixas de água de alvenaria e 50 km² de canais de drenagem.

Quanto aos recursos hídricos, há nos imóveis duas lagoas permanentes, conhecidas como Lagoa do Fogo e Lagoa do Gravatá, separadas por uma distância de 1,5 km², de forma que seus espelhos d´água somam cerca de 398 hectares. Existe ainda, o rio Fonseca, que corta a fazenda

62 O brete destina-se ao encaminhamento individual dos animais ao tronco de contenção e é construído sob um

galpão. Permite ainda, tratos sanitários e outras tarefas que independem de maior contenção. O brete deve ter 1,60 m de altura com plataformas dispostas lateralmente a 0,75 m de altura e com 0,90 m de largura visando facilitar o livre trânsito e acesso ao dorso dos animais. Internamente, o brete deve ter 1,00 m na parte superior e 0,35 m na parte inferior. Estas dimensões permitem a passagem de animais grandes e impedem o retorno de amimais de médio porte. As paredes laterais do breie devem ter, na parte interna até 0,90 m de altura, enchimento com pranchões largos (0,30 m) sem vãos entre si, afastados na parte inferior de 0,025 m do piso, para permitir a saída de detritos. No restante da altura utilizam-se réguas, com vãos de 0,03 m.

Fonseca em toda sua extensão sul, e o riacho do Saco, o qual corta o limite sul e parte do limite leste da mesma fazenda. Os dois rios são perenes e sua água é de boa qualidade, sustentando o consumo doméstico e as atividades de irrigação e alimentação dos rebanhos.

Chama atenção ainda nessas fazendas, especialmente na Fonseca, a existência de uma reserva mineral de diatomita63, explorada e calcinada no próprio imóvel e transportada para a indústria mineradora, cujo parque localiza-se fora da área dos imóveis rurais. Sua exploração parece problemática, indicando riscos ambientais. Neste sentido, a interpretação do laudo da vistoria de 1997, realizada pelo INCRA, explicitou que:

É a exploração do mineral diatomita, embora acobertada pela legislação pertinente, a atividade que vem destruindo a mancha de solos orgânicos, no caso do imóvel Fonseca. E sabe-se que o proprietário é detentor de Alvará de Pesquisa (Processo DNPM/RN/Nº 840.347/83), cujo relatório já foi submetido aquele departamento para análise, visando aprovação, onde se prevê extração da diatomita em cerca de 900 hectares do imóvel Vale da Esperança, incluindo nessa extração a área ocupada pela Lagoa do Fogo, o que implica, segundo contatos verbais com técnicos do DNPM, em esgotá-la, drená-la para escavar seu leito, a fim de extrair o mineral, estimado preliminarmente em mais de 90 mil toneladas. Ainda dispõe de uma reserva, estimada pelo proprietário, em 28 mil toneladas, o que significa futuras degradações (irrecuperáveis) de solos orgânicos.

O mesmo laudo também afirma que, além dos prejuízos ambientais (degradação do solo), há uma perda econômica, considerando que a abertura do mercado interno ao comércio internacional, colocou a indústria brasileira em dificuldades, visto que os outros países têm melhores condições de preços do mineral no mercado, dado seu menor custo de produção, em torno de 25% a 30%, em relação aos custos da produção brasileira. “A ser verdadeira esta

63 Diatomita é um mineral em forma de rocha de origem sedimentar, rica em sílica, constituída essencialmente por

carapaças de diatomáceas (algas microscópicas unicelulares de tamanho que varia entre 5 e 400 micrometros). É utilizado nas indústrias de fósforos, tintas, borrachas, plásticos, papéis, inseticidas, cosméticos, abrasivos, bem como filtrações de: bebidas, colas, gorduras, óleos, gelatinas.

realidade, a continuidade da mineração da diatomita parece economicamente inócua e a degradação dos solos dela decorrente, pela irreversibilidade, é aparentemente irracional e socialmente iníqua”. (INCRA, Laudo de Vistoria, 1997, p. 17).

Diante desse cenário que compõe o conjunto das fazendas, explicitado nos relatórios de visitas técnica e de vistoria realizadas pelo INCRA/RN, é de se questionar porque o MST escolheu as fazendas de Almir A. de Melo para fazer a ocupação, dada a relevância de sua produtividade e que segundo a lei não seria desapropriada. De acordo com depoimentos das lideranças do MST, as fazendas eram improdutivas e tinham várias dívidas com órgãos estaduais e federais, conforme relato abaixo:

É porque a fazenda, eu lembro que antes do pessoal ocupar o Vale da Esperança, o pessoal foi no INCRA, viu os problemas que ela tinha de empréstimos, de dívidas ao Estado, e também o reconhecimento da área. Então o pessoal já tinha visto que a área era agricultável, que ela poderia produzir, que ela só tinha mato e alguns pés de coqueiro e criação de gado. (Lenilton, fotógrafo do MST, entrevista realizada na sede do CEAHS, em 24/03/2004) Em 1995 quando nós estávamos fazendo o trabalho para ocupação da Fazenda Vale da Esperança, aí nós fizemos toda uma vistoria em algumas áreas na região e a que apresentou um perfil de desapropriação na época era a Vale da Esperança e em função disso a gente fez a ocupação dela. Nosso projeto era pegar toda terra que pertencesse a ALMIR naquela época. (Edmilson, ex- liderança do MST, entrevista realizada no assentamento Novo Horizonte II, em 08/04/2004)

Através destes depoimentos há de se considerar que a questão agrária apresenta interesses de classes antagônicas, expressos, de um lado, por proprietários fundiários, grupos econômicos e seus prepostos; e, do outro, pelos trabalhadores/as rurais, que no processo constroem seus movimentos contando com aliados. Pode-se considerar que para os/as trabalhadores/as rurais ocuparem uma área particular, estão em certa medida, infringindo a lei da propriedade privada capitalista, que se tornou culturalmente intocável. Portanto, o acampamento é um momento de

confronto direto com o proprietário e seus prepostos, que quase sempre contam com o apoio do Estado através da polícia, de juízes e outros a serviço do monopólio da terra.

Nessa lógica, a disputa pelo conjunto das fazendas Aralém, Vale da Esperança, Lagoa do Meio e Fonseca está inserida num contexto mais amplo e complexo da questão agrária brasileira. Retomando o fio condutor da ocupação pela voz de seus protagonistas. É importante ressaltar que parte dos trabalhadores/as rurais que ocuparam as propriedades já vinham de um processo histórico de lutas no município e na região, pois já tinham aprendido a se reunir para discutir seus problemas e lutar pelos seus direitos. Na década de 1980, algumas dessas famílias de posseiros enfrentaram a grilagem de suas terras em Rio do Fogo, sendo vitoriosos, após um processo de organização envolvendo o sindicato e tendo como aliados as religiosas (Irmãs Dominique e Assunta) dedicadas as comunidades de base em Rio do Fogo, a ACR e a equipe técnica do SAR. Nesse sentido, não é por acaso que trabalhadores/as de Touros e Rio do Fogo entram nessa ocupação já com um saber acumulado de outras lutas.

Muitas das pessoas que aderiram à ocupação da Vale da Esperança já haviam vivenciado experiência com as lutas sociais do município, o que lhes proporcionou uma visão crítica da sua realidade e o compromisso de lutar por uma vida melhor. Em vista disso, ocupar uma propriedade privada significa de certa forma romper com a pobreza em que estavam inseridos e questionar o monopólio da propriedade privada capitalista, arraigada na cultura da elite brasileira como intocável. Essa questão se expressa nas diversas lutas por terra desencadeadas pelos trabalhadores/as rurais da região do Mato Grande, e em todo País.

Sobre este aspecto, Araújo (2005, p.123) assinala:

Ocupar uma propriedade implica predisposição em romper com uma série de concepções anteriores que são historicamente introjetadas. O que significa, portanto, romper ou aprofundar o rompimento com um conjunto de relações forjadas no âmbito da propriedade fundiária enquanto lócus de relações de poder. O termo aprofundar se explica pelo fato de que, muitos dos trabalhadores

que aderem ao processo de ocupação de terra, já passaram por um processo de ruptura com as formas de poder local, especialmente com os laços que os vinculavam ao patronato. Sua emergência como ator político, ao organizar-se em Ligas, Sindicatos, reivindicar direitos, levar patrões aos tribunais, por si só, já assinalam quebra nas relações pessoais tradicionais. O que tende a aprofundar-se com o agravamento do processo de expropriação do trabalhador, a partir da emergência do projeto de modernização da agricultura cujos desdobramentos somam-se ao desemprego urbano e rural, contribuindo para outras formas de lutas das quais o MST é o maior ícone.

A mobilização e o recrutamento das famílias para ocupar a Fazenda Vale da Esperança foram realizadas pelo MST, contando como aliados o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Touros, e, em alguns momentos pontuais, com membros da ACR e lideranças do PT advindas de outras lutas por terra na região do Mato Grande. O MST tinha como estratégia mobilizar entidades afins como aliadas nas lutas, pois na região do Mato Grande já existia um processo pedagógico de aprendizado político das lideranças dos/as trabalhadores/as rurais. O depoimento abaixo indica a ação do MST na mobilização das famílias para ocupação:

A mobilização aconteceu através do MST [...] que é uma entidade representativa em organização do trabalhador rural [...] As reuniões aconteceram lá no centro pastoral de Rio do Fogo. Eles faziam as reuniões por comunidade, um dia chegavam em Rio do Fogo, fazia a reunião, já deixava a data marcada, tal dia e tal hora a gente está aqui pra discutir. A próxima reunião que estava prevista, quando encerrava aquela reunião já deixava marcada a próxima. Aí eles faziam Rio do Fogo, faziam Touros, faziam Zumbi e Ceará- Mirim. (Chico, assentado, entrevista realizada no assentamento Novo Horizonte II, em 03/04/2004)

Antes da ocupação, o MST realizou um processo de preparação das famílias através de reuniões nas comunidades, dos municípios de Touros, Rio do Fogo, Pureza e Maxaranguape. Nessas reuniões foram escolhidas as famílias para fazer a ocupação, de acordo com critérios estabelecidos pelo MST. Também foram discutidos assuntos sobre a realidade social brasileira, a realidade local, a concentração da terra e os movimentos sociais rurais que lutam pelo seu acesso, constituindo-se como o início da formação política dos trabalhadores rurais sem terra.

A gente geralmente quando chega na comunidade, a gente faz próximos daquelas terras onde vão ser ocupadas, a gente faz 4 reuniões com os trabalhadores, vamos fazendo uma discussão a partir de como funciona a sociedade, a questão da concentração da terra, a questão porque existe fome, porque existe mais ricos e mais pobres, e dentro disso a gente vai passando a identificar quem tem perfil de agricultor. A partir desse perfil que a gente identifica, a gente discute a provável condição da ocupação e já define quais as famílias que vão participar da terra. (Edmilson – ex-liderança do MST, entrevista realizada no assentamento Novo Horizonte II, em 08/04/2004)

A pedagogia do MST no desenvolvimento das lutas travadas no âmbito da questão agrária compreende alguns princípios organizativos que norteiam o processo de ocupação e a própria estruturação do movimento. Estes princípios foram apreendidos das muitas lutas realizadas pelos camponeses do Brasil e da América Latina. O primeiro princípio diz respeito à direção coletiva, um colegiado de pessoas que dirigem as lutas. O segundo princípio é a divisão de tarefas, que permite a organização crescer e trazer para dentro do movimento as aptidões pessoais. O terceiro princípio é a disciplina, através da qual as pessoas respeitam as decisões das instâncias. “Estando na organização de livre vontade, tem que ajudar a fazer as regras e a respeitá-las, tem que ter disciplina, respeitar o coletivo, senão a organização não cresce”. O quarto princípio é o estudo, para que os militantes e trabalhadores/as rurais possam entender melhor a sua realidade e combater o voluntarismo. O quinto princípio organizativo é a formação de quadros, com base nas dimensões teórica, metodológica, política, ideológica, organizativa e mística construídas ao longo da história do movimento. O sexto princípio organizativo é a luta de massa. “A luta pela terra e pela reforma agrária só avança se houver luta de massas. O direito assegurado na lei não garante nenhuma conquista para o povo. Ele só é atendido quando há pressão popular”. E o sétimo e último princípio organizativo é a vinculação com a base. “Por mais alto o nível do dirigente, por mais estudado que seja, por mais combativo e lutador que demonstre ser, se não mantiver o pé no chão, se não mantiver atividades de base, se não mantiver vínculos com a sua base social, não irá longe”. (STEDILE; FERNANDES, 1999, p. 39-43)

Na experiência em análise, o processo de organização das famílias para ocupação se deu basicamente a partir das reuniões nas comunidades. Para sua efetivação, marcado o dia, foi necessário contratar dez caminhões que transportariam as famílias das comunidades até a fazenda. Além disso, foi elaborado o acordo de convivência, que trata das regras e normas de vivência no cotidiano do acampamento. Esse acordo foi discutido nas reuniões das comunidades em preparação à ocupação. Em cada comunidade uma pessoa ficou responsável por organizar o grupo, agendar o horário e o local do embarque das famílias.

A fazenda Aralém foi escolhida para dar início à ocupação, dada sua localização estratégica, situada no centro das quatro fazendas, onde se localiza a sede das mesmas; e ainda ligada a uma estrada de acesso mais facilitado às suas terras, além de possuir água. Todas essas condições foram fundamentais para alavancar o processo de ocupação.

A ocupação realizou-se em 5 de novembro de 1995, a partir da meia noite, horário que daria mais segurança às famílias e não chamaria a atenção do proprietário e seus prepostos. As famílias foram acomodadas em caminhões com suas bagagens e ocuparam a fazenda Aralém. Ao desembarcarem iniciaram a construção dos barracos que seguiu até o dia amanhecer. Pela manhã os/as trabalhadores/as rurais receberam a visita do Sr. Almir Artêmio de Melo, proprietário, junto com o então delegado de Touros e alguns soldados. Durante a conversa, o proprietário ameaçou as famílias de despejo se não saíssem imediatamente da fazenda, dizendo que tinha o apoio da Polícia de Touros. Após a conversa com o proprietário e sua saída do local, os ocupantes decidiram se retirar e entrar na Fazenda Vale da Esperança, onde permaneceram durante um mês, enfrentando a luta e resistindo às pressões e violências do proprietário. Quando o delegado de Touros voltou ao local da ocupação na Fazenda Aralém para realizar o despejo, os/as trabalhadores/as rurais já haviam se retirado. Percebe-se nesta experiência as forças estatais capturadas pelo interesse do capital aqui representado pelo proprietário.

Nos relatos, um dos trabalhadores rurais reconstituiu a ocupação:

A gente saiu de Rio do Fogo era 12 horas da noite, quando chegamos no Vale da Esperança encontramos logo o capanga do latifúndio, toalha amarrada no pescoço, braços cruzados, lá no apendre. Saltemos do caminhão, quando chegamos lá se ajuntamos para entrar. Ai entramos. O movimento tinha quebrado o cadeado da cancela, os caminhões descarregaram a bagagem, todo mundo com bagagem, com colchão, bolsa com coisa de comer, outros com crianças chorando com sono, aperreio, lona. Ai quando nós chegamos e entremos na fazenda era uma hora da manhã [...] Quando nós terminamos de montar os barracos e nós respondemos ao proprietário que nós tava precisando de terra para trabalhar. Aí ele perguntou onde era que nós vivia, nós não tinha casa, como era que nós vivia, só podia viver se fosse na terra dele, que o movimento tava deixando o povo mal acostumado em tomar as terras dos outros e ele pagava direito daquela terra, que a terra era dele e ele não ia abrir mão dos direitos dele não” [...] Nós tava na Aralém e foi daí que nós entramos na Vale da Esperança [...] no dia seguinte nós começamos a montar novamente as barracas [...] nós ficamos uma média de quase um mês, não, quinze dias mais ou menos. A polícia voltou pro local que nós tava, fazendo despejo. (Chico assentado, entrevista realizada no assentamento Novo Horizonte II, em 03/04/2004).

Seguindo os princípios organizativos do MST, já explicitados anteriormente, o