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O processo de desapropriação das fazendas em questão seguiu um caminho de diálogos e negociações junto ao INCRA. No desenvolvimento das ações, o MST e o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Touros organizaram uma comissão, formada por representantes da Igreja Católica (SAR e ACR); do Movimento Sindical (FETARN, CUT, Sindicatos Rurais); do Centro de Direitos Humanos e Memória Popular; da OAB; além das lideranças do acampamento, do MST (Coordenação Estadual) e do STR de Touros. Essa comissão, juntamente com técnicos

do INCRA e o representante do fazendeiro, deu início ao processo de negociação para desapropriação das fazendas Vale da Esperança, Lagoa do Meio, Fonseca e Aralém.

Após duas vistorias nas fazendas e várias reuniões de negociação com o INCRA/RN, o relatório da visita técnica, ocorrida em setembro de 1996, concluiu que o solo não era tão rico como se imaginava, era impróprio à produção agrícola e, portanto, as fazendas não podiam ser desapropriadas75.

Um ano depois (1997), o laudo de vistoria (INCRA, 1997) indicou que as fazendas eram improdutivas.

Por todos os dados levantados e informações colhidas nas áreas, a situação constante do Demonstrativo de Informações sobre Indicadores e Cálculos, onde foram apurados Grau de Utilização da Terra – GUT de 100% e Grau de Eficiência na Exploração – GEE 91% indica que o conjunto dos imóveis Fazendas Vale da Esperança, Aralém, Lagoa do Meio e Fonseca não atingiu a condição de propriedade produtiva.

Ainda sobre o relatório da visita técnica, deixa-se como sugestão que o INCRA deveria encontrar outras fazendas na região para fins de reforma agrária, na tentativa de solucionar o conflito.

Um breve levantamento das áreas próximas ao imóvel em tela, revelou a existência de algumas áreas de terras com possibilidades de desapropriação e/ou compra para fins de reforma agrária, até mesmo passível de uso dos Títulos da Dívida Agrária, em negociação futuras entre os organismos envolvidos. Nesse caso, áreas alternativas poderiam ser vistoriadas e levantadas as suas

75 São solos de baixa fertilidade natural, baixa CTC, reação ácida, com elevada saturação de alumínio (caráter álico).

Nos imóveis fazenda Vale da Esperança, Aralém e Lagoa do Meio, esses solos predominam em relação aos demais, havendo manchas localizadas de melhor fertilidade natural, porém com pouca expressão em termos de extensão territorial. Na Fazenda Fonseca, no entanto, ocorrem faixas de areias quartzosas hidromórficas, com melhor aptidão para a agricultura, em decorrência da maior conservação de nutrientes e melhor fertilidade natural. A baixa fertilidade natural, associada a pequena economia de água em função do regime hídrico (rústico e arídico) desses solos, tornam esses ambientes de baixíssimo potencial de uso agrícola [...] As visitas efetuadas pela atual comissão interdisciplinar especialmente formada pelo INCRA, corrobora com as hipóteses levantadas por visitas de comissões anteriores, no sentido da fragilidade dos ecossistemas do imóvel questionado pelos sem-terra acampados há cerca de 10 meses nas proximidades do perímetro do mesmo [...] há evidência de insucessos nas explorações de algumas áreas com as culturas do coqueiro e do cajueiro [...] no contexto da área abrangida pelos quatro imóveis, existem registros de degradação de solos em decorrência do desmatamento para implantar uso agrícola de terras que naturalmente eram inaptas para a agricultura [...] a exploração de diatomita é uma atividade que destrói completamente a mancha de solos orgânicos, que é o suporte das atividades agrícolas do imóvel em conjunto. (RELATÓRIO DE VISITA TÉCNICA, p. 03 e 04).

potencialidades de uso, para solução final dos conflitos existentes na área em questão. (INCRA, 1996)

A partir daí a comissão formada por entidades e lideranças dos trabalhadores/as negocia com o INCRA a busca por outras fazendas na região do Mato Grande para fins de reforma agrária. Com essa negociação, o MST inicia uma pesquisa e procura por outras fazendas, localizando duas propriedades no município de Maxaranguape – fazendas Cruzeiro do Sul e Cruzeiro do Norte (conhecidas por Soledade) e fazenda Santa Águida – cortadas pelo Rio Maxaranguape76.

Localizadas as fazendas, o INCRA e a comissão de negociação iniciam o processo de desapropriação das fazendas com seus proprietários, que já tinham interesse em vendê-las. Feitos os acordos jurídicos, as famílias se mudaram da fazenda Fonseca para as de Maxaranguape, dando início à constituição dos assentamentos Nova Vida II (Fazenda Santa Águida) e Novo Horizonte II (Fazendas Cruzeiro do Sul e Cruzeiro do Norte).

Durante os três anos de ocupação, muitas famílias desistiram de continuar a luta pela desapropriação das fazendas, porque não agüentaram a pressão e a violência desencadeadas pelo proprietário e seus prepostos. Das trezentas famílias que haviam inicialmente ocupado as fazendas em Touros, apenas cento e sessenta foram contempladas com a desapropriação, sendo sessenta assentadas em Novo Horizonte II e as restantes em Nova Vida II.

No momento da negociação para a desapropriação das fazendas o MST participou ativamente, mas nesse momento já não morava mais no acampamento. Nesse período (entre os anos de 1997 e 1998) o movimento passava por uma grave crise interna e muitas divergências na condução das lutas no campo potiguar. Ao mesmo tempo sofreu uma intervenção da direção

76 O Rio Maxaranguape tem uma importância significativa para a região, pois corta os municípios de Pureza e

Maxaranguape formando uma bacia hidrográfica. Ao longo de seu percurso foram formados alguns assentamentos, que mantém até hoje uma produção de banana e outras culturas na sua vazante.

nacional, mudando parte da Coordenação Estadual. Com isso, algumas lideranças do conflito Vale da Esperança saíram dos quadros do MST e fundaram o Movimento de Libertação dos Trabalhadores Sem Terra – MLST.

Mesmo sem a presença mais ativa do MST, as lideranças do acampamento, juntamente com os outros atores sociais mediaram o processo de desapropriação cuja notícia constituiu sinônimo de felicidade e conquista de direitos, como é expresso nos depoimentos abaixo:

Quando chegou a notícia pra gente vir pra aqui, aí nós fiquemos contente, pra chegar até aqui ter nossa terra pra trabalhar, nossa casa pra morar. (Francisquinha, assentada, entrevista realizada em sua casa no assentamento Novo Horizonte II, em 01/02/2005)

A gente lutou muito pra gente ganhar o pão da gente [...] A gente tinha, tinha muita esperança de conseguir a terra. Porque os líderes dali mesmo eles prometiam a gente que ia ganhar. Sofremo muito, batalhemo muito lá no Vale da Esperança. (Rosa assentada, entrevista realizada em sua casa no assentamento Novo Horizonte II, em 17/04/2004)

É muito feliz, pela luta que a gente teve, pelos sofrimentos, pelas batalhas que a gente lutou muito. De repente dizer assim “vocês ganharam, foi desapropriada” é muito feliz. A gente se sentiu muito feliz, a gente se sentiu muito feliz e hoje cada um tem sua casa, tem seu pedaço de terra, saber que a gente lutou, batalhou e conseguiu, porque é com luta que a gente vence. (Nalva, assentada, entrevista realizada em sua casa no assentamento Novo Horizonte II, em 17/04/2004)

Já era quase três anos de luta, muitos de nós nem acreditava, muitos desistiram ainda, muita gente desistiu que achou que o sofrimento era grande e a pressão do proprietário era pesada em cima do nosso acampamento e não ia ter condição de conseguir essa terra e aí houve essa negociação, o IBAMA veio, veio o INCRA, começaram a implicar dizendo que a área não podia ser desapropriada porque tinha uma mineração de diatomita que era uma coisa complicada, mas a gente ficou achando que foi um trabalho sujo que foi feito entre o proprietário e as entidades responsáveis por essas análises [...] Quando o representante dos Direitos Humanos falou pra o Superintendente do INCRA que na época era o Sr. José Maria da Rocha, se ele se comprometia e garantia de adquirir uma área já que aquela não tinha condição de ser desapropriada pra assentar aquelas famílias que tava sofrendo a quase três anos. (Chico, assentado, entrevista realizada em sua casa no assentamento Novo Horizonte II, em 03/04/2004)

Foi uma alegria, a gente saiu de lá a meia noite em cima de caminhão, butamo a troçada na carroça e vim a pé porque o caminhão tava muito cheio tinha muita gente lá... Eu vim na carroça com galinha, peru, menino, toda a troçada [...]

Quando eu cheguei aqui muito feliz, muito contente, cheia de alegria porque a gente já sabia que ia adquirir um objetivo que era aquilo que a gente lutamos e a gente conseguiu. (Nailde, assentada, entrevista realizada em sua casa no assentamento Novo Horizonte II, em 08/04/2004)

Passado o momento da euforia após a notícia da desapropriação, as famílias acamparam na terra que em breve seriam proprietárias, dando início ao processo de constituição do assentamento. No entanto, teriam que iniciar uma outra jornada de lutas agora por políticas públicas que viabilizassem a sua permanência na área desapropriada. A posse da terra representava para as famílias inúmeras e diferentes possibilidades. Porém, esta assumia particularidades na visão das mulheres, como se verá a seguir.