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A evolução normativa da responsabilidade civil do Estado no direito

No documento MESTRADO EM DIREITO SÃO PAULO 2009 (páginas 131-135)

4. BREVE ANÁLISE SOBRE A RESPONSABILIDADE DO ESTADO PELA

4.1 A evolução normativa da responsabilidade civil do Estado no direito

A responsabilidade do Estado por danos causados no exercício de suas atividades foi objeto de uma pluralidade de entendimentos no curso do tempo: passando pelo conceito de ―irresponsabilidade soberana‖ e maturando-se nos riscos integrais, até alcançar a responsabilidade objetiva, atualmente positivada na Constituição da República.

Inicialmente, endossava-se a ideia de completa irresponsabilidade do Estado, isentando-lhe integralmente de reparação por eventuais danos que viesse a causar. Esse entendimento remonta à época dos Estados absolutistas, apoiado no argumento da

132 soberania estatal, que justificaria todo e qualquer abuso, conforme bem observa Odoné Serrano Junior:

A doutrina marca uma fase inicial de irresponsabilidade total, típica dos regimes absolutistas, baseada em argumentos de uma pretensa infalibilidade e de que, ao se responsabilizar o Estado, encarnado na figura do soberano, estar-se-ia nivelando-o aos súditos, o que caracterizaria um atentado à soberania e à sua condição de representante de Deus na Terra. (...) Logo, as leis e as instituições existentes não funcionavam como instrumentos limitadores do poder real.300

Com o grito do Ipiranga, foi editada a Constituição de 1824, que mantinha a inviolabilidade da pessoa do Imperador, que não estava sujeita a responsabilidade alguma, e do Estado. Consagrava-se a teoria da irresponsabilidade do Estado, embora os empregados públicos fossem responsáveis pelos abusos e omissões praticados no exercício das suas funções, desde que presente a culpa.

Em 1891, a primeira Constituição da República conferiu o mesmo tratamento à matéria que havia sido dispensado pela Constituição do Império. Como observa Zulmar Fachin, ―o Estado não respondia pelos danos causados por seus funcionários. Estes é que

respondiam, pessoalmente, quando, embora exercendo uma função pública, lesassem direito de particular‖.301

Embora, todavia, a Constituição mantivesse a teoria da irresponsabilidade, ainda durante sua vigência, foi publicado o Código Civil, que, estabeleceu, em seu art. 15,302 a responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito público pelos atos que seus representantes nessa qualidade causassem a terceiros, procedendo de modo contrário ao direito, resguardado o direito de regresso. Consagrou-se a culpa como elemento informador da responsabilidade do Estado.

No inicio da década de 30, em 1934, foi promulgada uma nova Constituição, que trouxe inovações no que diz respeito à responsabilidade patrimonial do Estado, mantendo,

300 A imputação de responsabilidade de reparar danos à Fazenda Pública e a questão do nexo causal,

Grandes temas da atualidade, p. 466.

301 Evolução normativa da responsabilidade patrimonial do Estado no direito constitucional brasileiro,

Responsabilidade patrimonial do Estado por ato jurisdicional, p. 100/101.

302 ―Art. 15. As pessoas jurídicas de Direito Público são civilmente responsáveis por atos de seus representantes que nessa qualidade causem danos a terceiros, procedendo de modo contrário ao direito ou faltando a dever prescrito em lei, salvo o direito regressivo contra os causadores do dano.‖

133 entretanto, a culpa como fundamento. Atribuiu-se, por meio do art. 171,303 a responsabilidade solidária entre Fazenda Pública e o funcionário autor do ato lesivo, com a participação deste como litisconsorte passivo e, ainda, o direito de regresso contra o funcionário culpado, a ser exercido pela Fazenda Pública.

Em 10 de novembro de 1937, com o Estado Novo, foi revogada a Constituição de 1934, e, em seu lugar, instalou-se um regime eminentemente autoritário. Apesar disso, preservou-se a regra básica da responsabilidade patrimonial do Estado, suprimindo-se, contudo, o direito de regresso contra o funcionário culpado, que não mais era obrigado a figurar no pólo passivo da relação de reparação de danos movida contra o Estado. A culpa, todavia, continuava a ser o fundamento da responsabilidade estatal.

Posteriormente, com a Constituição de 1946, conhecida como a redemocratizadora, foi introduzida, normativamente, a teoria da responsabilidade objetiva, a teor do que prescrevia seu art. 194.304 Conforme observa Celso Antônio Bandeira de Mello, introduziu- se ―a possibilidade de o Estado compor danos oriundos de atos lesivos mesmo na ausência

de qualquer procedimento irregular de funcionário ou agente seu, à margem, pois, de qualquer culpa ou falta de serviço‖.305

A Constituição de 1967, embora tenha instaurado uma ditadura de longa duração, manteve a responsabilidade do Estado, em seu art. 105,306 tal como formulado pela Constituição precedente, acrescentando, ainda, a possibilidade de regresso também na hipótese em que o funcionário agisse com dolo. Esta norma também foi repetida pela EC n. 1, de 17 de outubro de 1969, agora positivada no art. 107.

303 ―Art. 171. Os funcionários públicos são responsáveis solidariamente com a Fazenda Nacional, Estadual ou Municipal, por quaisquer prejuízos decorrentes de negligência, omissão ou abuso no exercício dos seus cargos.

§ 1º. Na ação proposta contra a Fazenda Pública, e fundada em lesão praticada por funcionário, este será sempre citado como litisconsorte.

§ 2º. Executada a sentença contra a Fazenda, esta promoverá a execução contra o funcionário culpado.‖

304 ―Art. 194. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis pelos danos que os seus funcionários, nessa qualidade, causem a terceiros.

Parágrafo único. Caber-lhes-á ação regressiva contra os funcionários causadores do dano, quando tiver havido culpa destes.‖

305 Curso de direito administrativo, p. 1013.

306 ―Art. 105. As pessoas jurídicas de direito público respondem pelos danos que seus funcionários, nessa qualidade, causem a terceiros.

Parágrafo único. Caberá ação regressiva contra o funcionário responsável, nos casos de culpa ou dolo.‖

134 Esta situação somente veio a ser reparada com a redemocratização do País, com o advento da Constituição de 1988. Finalmente, com o amadurecimento das instituições do Estado Democrático de Direito, vingou o constante e progressivo alargamento da responsabilidade do Estado perante os administrados, culminando na responsabilidade objetiva. Esse movimento de contínua dilatação da imputação de danos ao Estado é bem concatenado na lição de Celso Antônio Bandeira de Mello:

Admitida a responsabilidade do Estado já na segunda metade do século XIX, sua tendência foi expandir-se cada vez mais, de tal sorte que evolui de uma responsabilidade subjetiva, isto é, baseada na culpa, para uma responsabilidade

objetiva, vale dizer, ancorada na simples relação de causa e efeito entre o comportamento administrativo e o evento danoso.307

O ideário que embasa a existência da responsabilização objetiva dos danos causados pelo Estado repousa na ideia de igualdade dos administrados perante os encargos públicos, onde todos contribuem igualmente para a manutenção equilibrada do todo, tornando justo que uns suportem os danos dos outros e vice-versa. Entendimento esse que é reforçado na citação de Jean Rivero:

A actividade administrativa exerce-se no interesse de todos; se os danos que daí resultam para alguns não fossem reparados, eles seriam sacrificados à colectividade, sem que nada pudesse justificar semelhante discriminação; a indenização reestabelece o equilíbrio afectado em seu detrimento.308

Tem-se, portanto, uma guinada radical no posicionamento doutrinário, legal e jurisprudencial no que concerne à margem de responsabilidade do Estado nos danos causados pelo exercício de sua atividade, responsabilidade esta consubstanciada no art. 37, § 6º: ―as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de

serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa‖.

No mencionado dispositivo está agasalhada a responsabilidade patrimonial do Estado em todas as suas dimensões, como bem observa Zulmar Fachin:

307 Curso de direito administrativo, p. 986. 308 Direito administrativo, p. 308.

135 Todas as entidades estatais e seus desmembramentos administrativos estão obrigados a indenizar o dano causado a terceiros por seus servidores. Esta responsabilidade independe da existência de culpa, eis que se adotou o princípio objetivo da responsabilidade pela atuação lesiva dos agentes do Estado.309 Convém observar, ainda, que o art. 5º, X, da Constituição da República assinalou mais um avanço, ao prever, expressamente, a responsabilidade por dano moral: ―são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação‖.

Também o art. 43 do Código Civil contempla a responsabilidade civil do Estado, ao determinar que ―as pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo‖.

Nesse sentido e conforme bem sintetiza Hely Lopes Meirelles, a ―responsabilidade

civil da Administração Pública é, pois, a que impõe à Fazenda Pública a obrigação de compor o dano causado a terceiros por agentes públicos, no desempenho de suas atribuições ou a pretexto de exercê-las‖.310

No documento MESTRADO EM DIREITO SÃO PAULO 2009 (páginas 131-135)