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Configuração da antinomia

No documento MESTRADO EM DIREITO SÃO PAULO 2009 (páginas 45-48)

1. PRESSUPOSTOS

1.3 Sistema jurídico

1.3.3 Antinomia jurídica

1.3.3.1 Configuração da antinomia

No tópico anterior, esposamos a ideia de que a antinomia é um problema que pode surgir ao longo do processo de interpretação. Para que, todavia, se possa examinar esse problema, faz-se preciso estabelecer em que consiste, efetivamente, a antinomia jurídica.

A doutrina tem sido unânime em afirmar que a antinomia é o conflito de normas, isto é, ―é a presença de duas normas conflitantes, sem que se possa saber qual delas

deverá ser aplicada ao caso singular‖.95 Em outras palavras, existe inconsistência entre

94 Curso de direito tributário, p. 11. 95 Conflito de normas, p. 19.

46 duas normas quando são imputados efeitos jurídicos incompatíveis às mesmas condições fatuais.96

Tércio Sampaio Ferraz Junior97 elenca três condições necessárias para a configuração da antinomia. São elas: (i) que as normas que expressem ordens ao mesmo sujeito emanem de autoridades competentes num mesmo âmbito normativo, (ii) que as instruções dadas ao comportamento do receptor se contradigam, pois, para obedecê-las, ele deve também desobedecê-las; e (iii) que o sujeito fique em uma posição insustentável, isto é, que não possua qualquer recurso para livrar-se dela.

Em que pese a brilhante exposição do citado Autor, não elencamos tais características como essenciais para a configuração da antinomia. Afinal, caracterizando-se ela por ser uma falha no processo comunicacional,98 certo é que só se verifica no âmbito do processo interpretativo e, para tanto, pressupõe que o intérprete verifique a existência de duas normas conflitantes. Se as normas são emanadas de autoridades competentes num mesmo âmbito normativo ou não, será questão estudada no momento da solução da antinomia. Daí porque também não concordamos com a exigência de que o sujeito fique em uma posição insustentável, para caracterização da antinomia, pois ela será sempre solucionável, por mais difícil que possa parecer.

Adotando-se, por sua vez, a definição de Alf Ross, teríamos antinomia sempre que duas ou mais normas distintas apresentassem o mesmo antecedente que uma vez concretizado implicaria consequências distintas e incompatíveis. Assim, teríamos uma norma N1, prescrevendo ―dado a ocorrência do fato f, então deve ser a instauração da relação jurídica q‖ em contraposição a uma norma N2, prescrevendo ―dado a ocorrência do fato f, então deve ser a instauração da relação jurídica q‘.‖

96 Alf Ross, Direito e Justiça, p. 158.

97 ―Podemos definir, portanto, antinomia jurídica como a oposição que ocorre entre duas normas contraditórias (total ou parcialmente), emanadas de autoridades competentes num mesmo âmbito normativo, que colocam o sujeito numa posição insustentável pela ausência ou inconsistência de critérios aptos a permitir-lhe uma saída nos quadros de um ordenamento dado‖ (Introdução ao

estudo do direito, p. 212).

47 Também Riccardo Guastini99 aponta a existência de antinomia sempre que, num mesmo sistema jurídico uma ou mais normas prevejam que, para uma determinada hipótese sejam previstas duas consequências jurídicas distintas.

Segundo essa concepção, concebemos a antinomia como um problema comunicacional que surge durante o processo interpretativo do direito, por meio do qual são verificadas, no interior do sistema, duas ou mais normas conflitantes, impedindo a própria aplicação do direito.

A propósito, Bruno Boaventura, observa o posicionamento de Marcos Fabus Quintiliano, para quem a antinomia seria um problema semântico:

Marcus Fabus Quintiliano, conforme José Rodrigues de Rivera, definiu que a antinomia jurídica é do tipo semântica. As construções subjetivas da intenção do texto da lei feito pelas partes interessadas remetem à antinomia quando as concluem por sentidos opostos. A antinomia jurídica seria uma manifestação de um conflito comunicacional, um problema da construção de interpretações antagônicas de um mesmo dado lingüístico.100

Vimos, a propósito, que o processo de construção da norma passa por vários planos: (i) o plano da literalidade do texto normativo, momento em que o intérprete organiza o texto morfológica e sintaticamente a fim de construir enunciados prescritivos; (ii) o plano da significação dos enunciados prescritivos, quando, a partir dos textos, o intérprete alcança a significação dos enunciados tomados de forma isolada; (iii) o plano da articulação das significações normativas, em que o intérprete conjuga os diversos enunciados a fim de obter mínimos deônticos completos, construindo, com isso, a norma jurídica; e (iv) o plano da sistematização das normas jurídicas, oportunidade em que o intérprete contextualiza a norma criada dentro do sistema jurídico, construindo, em definitivo, o seu sentido.

Partindo dessa premissa, a antinomia de normas se verificará no plano da sistematização das normas jurídicas, quando o intérprete, após construir a norma verifica a existência, no ordenamento, de uma outra norma, prevendo um consequente diferente para

99 Antinomias y lagunas. Jurídica. Anuário del Departamento de Derecho de la Universidad Iberoamericana, México, n. 29, p. 437-450, 1999, Disponível em: <http://www.juridicas.unam.mx/ publica/librev/rev/jurid/cont/29/cnt/cnt22.pdf>.

100 A solução das antinomias jurídicas aparentes inseridas na consolidação das leis. Boletim de

48 um mesmo antecedente, ou ainda, para antecedentes parcialmente coincidentes, hipótese de uma norma geral e outra especial, por exemplo.

Este conflito caracteriza um real problema de aplicação do direito, de modo que necessita ser solucionado. Observe-se, por oportuno, que ele se verifica dentro do processo de interpretação, portanto, antes da significação da norma estar dotada de pleno sentido. Afinal, o intérprete ao contextualizar a norma construída no sistema, deverá construir uma significação que extirpe o conflito no momento de sua aplicação, afastando a incidência de uma das duas normas, ainda que elas coexistam no ordenamento.

Compartilha desse entendimento, Karl Engisch, para quem ―todas as vezes que, a

uma interpretação correcta das normas que prima facie se contradizem e da sua interrelação, se mostra, logo, que uma delas deve ter precedência sobre a outra‖.101

No documento MESTRADO EM DIREITO SÃO PAULO 2009 (páginas 45-48)