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O plano da articulação das significações normativas

No documento MESTRADO EM DIREITO SÃO PAULO 2009 (páginas 30-33)

1. PRESSUPOSTOS

1.2 A interpretação do direito

1.2.3 Os métodos de interpretação

1.2.4.1 O percurso gerador de sentido – criação da norma jurídica

1.2.4.1.3 O plano da articulação das significações normativas

Até agora, o intérprete nada mais possui do que significações obtidas por meio de enunciados soltos, fora de contexto, e sem qualquer vínculo capaz de relacioná-los. Faz-se preciso, portanto, a coordenação dos enunciados, a fim de se obter a ―unidade irredutível de manifestação do deôntico‖, que é sintetizada por Paulo de Barros Carvalho:

É que os comandos jurídicos, para terem sentido e, portanto, serem devidamente compreendidos pelo destinatário, devem revestir um quantum de estrutura formal. (...)

Em simbolismo lógico, teríamos: D[f (S‘R S‖)], que se interpreta assim: deve ser que, dado o fato F, então se instale a relação jurídica R, entre os sujeitos S‘ e S‖. Seja qual for a ordem advinda dos enunciados prescritivos, sem esse esquema formal inexistirá possibilidade de sentido deôntico completo.52

50 Hans-Georg Gadamer. Hermenêutica em retrospectiva, p. 123. 51 Idem, ibidem, p. 119.

31 Como se vê, embora os enunciados detenham força prescritiva, em muitos casos, esse teor prescritivo não basta, ficando na dependência de integrações em unidades normativas, com mínimos deônticos completos, para, com isso, alcançar o status de norma jurídica.

A partir do momento em que o intérprete começa a fazer essa junção entre os enunciados a fim de construir a norma jurídica, estaremos diante de uma nova fase do processo de interpretação – plano da articulação das significações normativas –, na qual são construídas as normas jurídicas: aparecerão significações de enunciados que realizam o antecedente da regra jurídica, bem como aqueles que prescrevem condutas intersubjetivas, contidas no consequente, realizando o minimum do dever-ser.

Mas também nesse plano a tarefa exegética se desenvolve em intervalos, conforme ensina Paulo de Barros Carvalho:

Mas, também nele, a tarefa se desenvolve em intervalos seqüenciais, porque o contacto inicial com o sentido da entidade normativa é insuficiente para outorga derradeira de sua significação. Tornam-se imprescindíveis, nesse nível da elaboração exegética, uma série de incursões aos outros dois sistemas, na atividade ingente de procurar significações de outras sentenças prescritivas que, por imposição da hierarquia constitucional, não podem estar ausentes do conteúdo semântico da norma produzida. É precisamente na amplitude dessas idas e vindas aos sistemas S1 e S2 que o sujeito gerador do sentido vai incorporando as diretrizes constitucionais.53

Como bem se vê, durante esse processo de criação da norma jurídica, o intérprete ingressa nos outros subsistemas a fim de poder obter sua significação. Para tanto, ele acaba valendo-se de vários métodos: literal, lógico, histórico e teleológico e também o sistemático, dentro do contexto dos enunciados por ele utilizados.

Ocorre que, da mesma forma que a obtenção de significação dos enunciados tomados isoladamente não conclui o processo interpretativo, também a construção da norma jurídica, a partir dos enunciados não põe termo a esse processo, sendo imprescindível a sua contextualização dentro do ordenamento jurídico.54 Não são outras as lições de Gadamer:

A mesma linguagem escrita pode representar termos de uma significação totalmente diversa. A significação respectiva só se determina a partir do

53 Curso de direito tributário, p. 132.

54 Frise-se, por oportuno, que entendemos ―ordenamento jurídico‖ como sinônimo de ―sistema jurídico‖, consoante será demonstrado em momento oportuno.

32 contexto. Só denominamos textos aquilo que pode ser lido e relido. Um texto é a unidade de um tecido e se apresenta como um todo em sua textura – e não nos sinais escritos, nem tampouco nas unidades gramaticais da formação frasal. Todas essas coisas ainda não formam nenhum texto, a não ser que se trate de toda uma ―composição escrita‖, como denominamos de maneira perspicaz. No fundo, só compreendemos quando compreendemos totalmente e quando compreendemos o todo. Quem só compreende parcialmente pode ter compreendido de maneira totalmente falsa – e, então, não se sabe se se está de acordo ou como é que se deveria responder.55

Assim, uma vez construída a norma, faz-se imprescindível um exame de todo o contexto no qual ela está envolta; uma análise sistemática da norma tendo em vista as outras normas contidas no ordenamento, a fim de que sejam analisados os critérios de subordinação e coordenação e, por conseguinte, sua efetiva entrada no sistema jurídico. Esse é o momento em que passamos para o plano da sistematização das normas jurídicas.

Antes de adentrarmos a esse momento, todavia, mostra-se importante, situar alguns problemas que surgem no plano da articulação das significações normativas. Embora o processo de construção da norma nos pareça, a uma primeira vista, muito simples, há casos em que esta construção se apresenta, inicialmente, vedada por obstáculos que surgem durante o processo interpretativo, como é o caso das chamadas lacunas na lei.

Uma primeira questão nos surge à mente ao tratarmos de lacunas: ―seria a integração parte do processo interpretativo?‖ Com efeito, a resposta dada a essa indagação pode resolver esse problema. Nesse sentido, impende notar que, embora muitos doutrinadores pensem de forma distinta,56 filiamo-nos novamente às lições de Paulo de Barros Carvalho no sentido de que a integração faz sim parte do processo interpretativo.

E ainda que quiséssemos, não poderíamos concluir de forma diferente, tendo em vista a premissa por nós adotada. Afinal, o intérprete se vale da integração no momento em que, diante de um determinado fato, não encontra, aparentemente, enunciados suficientes para construir uma norma para o caso. E falamos em ―aparente‖ porque essa suposta impossibilidade de construção da norma não passa de uma aparência, de uma impressão. O

55 Gadamer. Hermenêutica em retrospectiva, p. 122.

56 Celso Ribeiro Bastos, em seus Comentários à Constituição do Brasil, distingue a interpretação da integração. Aquela transcorre, em seu entender, inserta no âmbito normativo, ou seja, trata-se de extrair a significação do preceito normativo diante de uma hipótese por ele regulada, ao passo que a integração cuida de encontrar uma solução normativa para uma hipótese que não se encontra regulada pela Lei Fundamental.

33 próprio sistema prevê um mecanismo de solução desse problema, ao determinar como deve ser a criação das normas.

Em se tratando de direito tributário, por exemplo, o artigo 108, do Código Tributário Nacional, determina à autoridade competente para aplicação da legislação tributária, o uso de analogia, princípios gerais de direito tributário e de direito público e equidade para construção da norma nessa hipótese, de modo que o intérprete, ao construir qualquer norma, estará cumprindo outra norma, aquela que determina o uso da integração.

No documento MESTRADO EM DIREITO SÃO PAULO 2009 (páginas 30-33)