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A execução como norma secundária

No documento MESTRADO EM DIREITO SÃO PAULO 2009 (páginas 88-91)

2. EXECUÇÃO FISCAL – ALGUMAS NOÇÕES IMPORTANTES

2.2 Pressupostos da execução

2.2.1 A execução como norma secundária

No primeiro capítulo, traçamos a distinção entre norma primária e norma secundária. Enquanto aquela é a norma que estatui direitos/deveres (sentido amplo), esta surge ―em conseqüência da inobservância da conduta devida, justamente para sancionar

seu inadimplemento (impô-la coativamente ou dar-lhe conduta substitutiva reparadora)‖,

consoante nos ensina Lourival Vilanova.204

Levando-se em consideração que a execução ―é o conjunto de medidas com as

quais o juiz produz a satisfação do direito de uma pessoa à custa do patrimônio de outra, com o concurso da vontade desta, quer independentemente ou mesmo contra ela‖.205

percebemos claramente que, ao entrarmos no campo do processo executivo, as normas ali proferidas serão normas secundárias e, consequentemente, sancionatórias. Aliás, não só no campo das execuções, mas sempre que cuidarmos de processo judicial, estaremos tratando desse tipo de normas.206

A propósito, Liebman definia o termo ―sanção, em sentido técnico e estrito, às

medidas estabelecidas pelo direito como consequência da inobservância de um imperativo, cuja atuação se realiza sem a colaboração da atividade voluntária do inadimplente‖,207 para em seguida, observar a natureza sancionatória da execução:

A atividade desenvolvida pelos órgãos judiciários para dar atenção à sanção recebe o nome de execução; em especial, execução civil é aquela que tem por finalidade conseguir por meio do processo, e sem o concurso da vontade do obrigado, o resultado prático a que tendia a regra jurídica que não foi obedecida.208

Exemplificando com o direito tributário, uma vez constatada a ocorrência da hipótese prevista no antecedente da norma tributária, nasce a obrigação do contribuinte recolher o tributo devido (norma primária), não dispondo, todavia, a Fazenda de meios para impor coativamente o cumprimento, pelo devedor, da obrigação constituída. Vale-se,

204 As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo, p. 105.

205 Candido Rangel Dinamarco. Instituições de direito processual civil, vol. IV, p. 34.

206 No presente estudo, todavia, limitaremo-nos ao exame das normas secundárias do processo de execução, eis que o processo de conhecimento por questão de corte metodológico.

207 Processo de execução, p. 3. 208 Idem, p. 4.

89 então, a credora da execução, oportunidade em que o Estado atua como substituto, ―promovendo uma atividade que competia ao devedor exercer: a satisfação da prestação a

que tem direito o credor‖.209 Estaremos diante, portanto, da norma secundária, que como observa Paulo de Barros Carvalho, ―prescreve uma providência sancionatória, aplicada

pelo Estado-Juiz, no caso de descumprimento da conduta estatuída na norma primária‖.210

Daí porque Lourival Vilanova já qualificava, como hipótese da norma secundária, o não cumprimento da norma primária, ―que funciona como fato jurídico (ilícito,

antijurídico), fundante de outra pretensão, a de exigir coativamente perante órgão estatal a efetivação do dever constituído na norma primária‖.211 Ou seja, o inadimplemento da obrigação consubstanciada no título configura o antecedente da norma secundária.

Assim, quando o titular do direito que não foi efetivado – credor – ajuíza uma execução, requer a prestação jurisdicional do Juiz, dando início ao processo. A propósito, impende atentarmos para o próprio conceito de jurisdição, muito bem elucidado por Moacyr Amaral Santos:

Mas a jurisdição se exerce em face de um conflito de interesses e por provocação de um dos interessados. É função provocada. Quem invoca o socorro jurisdicional do Estado manifesta uma pretensão contra ou em relação a alguém. Ao órgão jurisdicional assistem o direito e o dever de verificar e declarar, compondo assim a lide, se aquela pretensão é protegia pelo direito objetivo, bem como, no caso afirmativo, realizar as atividades necessárias à sua efetivação prática. (...)

Dissemos que a função jurisdicional do Estado visa à atuação da Lei aos conflitos de interesses ocorrentes, assim compondo-os e resguardando a ordem jurídica. Sua finalidade é manter a paz jurídica, o que se dá com a afirmação da vontade da lei e conseqüente atribuição a cada uma das partes daquilo que é seu. Atuando a lei, a jurisdição faz justiça. Desse modo, tutela a ordem jurídica e, consequentemente, o direito subjetivo, quando ameaçado ou violado.212

Em se tratando de processo executivo, a tutela jurisdicional executiva é a que exercerá atividades destinadas a satisfazer o dever que não foi cumprido; no caso da execução dos títulos extrajudiciais, o crédito que não foi pago. Como bem observa

209 Humberto Theodoro Junior. Curso de direito processual civil, vol. II, p. 4. 210 Paulo de Barros Carvalho. Direito tributário, linguagem e método, p. 138. 211 Causalidade e relação no direito, p. 123.

90 Candido Rangel Dinamarco, ―é jurisdicional a tutela oferecida mediante a execução

forçada e também jurisdicionais as próprias atividades do juiz que a comanda‖.213

No entanto, como todo processo, também o processo de execução compõe-se de uma relação entre seus sujeitos e de uma relação entre os atos mediante os quais se desenvolve, de modo que a relação estabelecida entre o Credor e o Estado-juiz, embora necessária não é condição suficiente à edificação do fenômeno processual, sendo imprescindível também o estabelecimento da relação entre o Estado-juiz e o executado, que se estabelece com a citação do devedor.

Nesse sentido, aliás, são as lições de Paulo César Conrado, que ressalta a relação angular que se estabelece no processo executivo:

Como decorrência da suposta existência de um conflito de interesses – verificado, por afirmação do autor, no seio da relação jurídica de direito material que o vincula ao réu –, podemos ir além, para reconhecer no processo uma relação tal qual aquela primeira (a de direito material), apenas qualificada pela inserção do Estado-juiz, figura de posição angular, para a qual são canalizados todos os atos comunicacionais de autor e réu. Daí, precisamente, a idéia de vínculo(s) linear(es), constitutivo(s) do ―todo‖ processual, e que guarda a nítida virtude de impedir que sujeitos em afirmando conflito estejam em contato direto. Reafirmando: da combinação das duas relações processuais lineares – a relação

entre autor e juiz e a relação entre juiz e réu – ter-se-á a relação processual caracterizada pela idéia de angularidade, o que implica dizer que toda atividade

processual dos sujeitos parciais converge ao Estado-juiz, cuja atividade dirigir- se-á, por seu turno e de ordinário, àqueles sujeitos.214

Concordamos com o citado Autor, na medida em que também consideramos inexistente a comunicação direta entre autor e réu, no processo executivo, comunicação esta que só se estabelece por intermédio do Estado-Juiz e que, como já dito, tem o objetivo de tornar efetiva a obrigação constituída em título executivo.

A execução se qualifica, portanto, como norma secundária (processual), que decorre do não cumprimento da norma primária (material). Como a toda norma, o direito prescreve uma sanção, podemos dizer que as normas primárias e secundárias são as duas faces relacionais fundamentais da norma jurídica completa. Em linguagem formalizada:

D{ (p q) v [(p – q) S]}.

213 Instituições de direito processual civil, vol. IV, p. 50. 214 Processo tributário, p. 42.

91 Exemplificando essa norma, temos que, diante da constituição definitiva215 de uma obrigação tributária, por exemplo, o devedor vê-se diante de duas possibilidades: pagar o débito ou não pagá-lo. Na primeira hipótese, restará satisfeita a obrigação contida na norma primária, de modo que não restará preenchido o requisito indispensável para a concreção da norma secundária, qual seja, o inadimplemento. Por outro lado, recusando-se o devedor a efetuar o pagamento, restará concretizado o fato jurídico previsto no antecedente da norma secundária (inadimplemento da obrigação) dando origem à relação jurídica por meio da qual o credor postula ao Estado-juiz o exercício da coatividade jurídica. E é justamente, visando a prestar essa atividade, que o ―Estado-juiz põe-se no

lugar deste (devedor) e promove meios pelos quais o bem vai ter ao patrimônio do credor, independentemente da vontade daquele que deveria adimplir e não adimpliu‖.216

Estabelecida essa primeira noção de execução enquanto norma secundária a efetivar o cumprimento da obrigação contida na norma primária, passemos ao exame das condições da ação para realizar qualquer execução.

No documento MESTRADO EM DIREITO SÃO PAULO 2009 (páginas 88-91)