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Princípio da supremacia do interesse público ao do particular

No documento MESTRADO EM DIREITO SÃO PAULO 2009 (páginas 80-82)

2. EXECUÇÃO FISCAL – ALGUMAS NOÇÕES IMPORTANTES

2.1.1 Princípios constitucionais aplicáveis aos processos de execução e de

2.1.1.5 Princípio da supremacia do interesse público ao do particular

Em se tratando do estudo de uma relação jurídica que envolve, de um lado, o Estado e, de outro, o particular, como é o caso do processo de execução fiscal e dos embargos, não podemos deixar de observar a aplicação do princípio da supremacia do interesse público ao do particular.

Todo o direito administrativo é construído sobre dois pilares básicos: a supremacia do interesse público sobre o interesse do particular e a indisponibilidade desse interesse público. Aquele domina toda a atuação estatal, na medida em que o Estado existe para satisfazer o interesse público, ao passo que este preconiza que a Administração Pública não pode dispor do interesse público por não ser titular dele, exercendo apenas a sua guarda.172

Alice Gonzáles Borges caracteriza o interesse público como

(...) um somatório de interesses individuais coincidentes em torno de um bem da vida que lhes significa um valor, proveito ou utilidade de ordem moral ou material, que cada pessoa deseja adquirir, conservar ou manter em sua própria esfera de valores e que passa a ser público quando dele participam e compartilham um tal número de pessoas que o mesmo passa a ser identificado como um querer valorativo predominante da comunidade.173

Faz-se preciso, portanto, distinguir entre os interesses públicos e os interesses do Estado, que não se confundem. Atento a esta distinção Iuri Mattos de Carvalho observa:

O conceito de interesse público não se constrói a partir da identidade do seu titular. Nem todo interesse manifestado pela Administração Pública é interesse público. Afinal, não se trata de um princípio da supremacia do interesse do estado, pois tal redução conduziria a impossibilidade de utilizá-lo como instrumento de controle da atuação administrativa.174

A esse propósito, Luís Roberto Barroso, encampa a distinção entre interesse público primário e secundário, distinguindo-os:

O interesse público primário é a razão de ser do Estado, e sintetiza-se nos fins que cabe a ele promover: justiça, segurança e bem-estar social‖. Estes são os interesses de toda sociedade. O interesse público secundário é o da pessoa jurídica de direito público que seja parte em uma determinada relação jurídica – quer se trate da União, do Estado-membro, do Município ou das suas autarquias.

172 Toshio Mukai. Direito administrativo sistematizado, p. 31/32. 173 Supremacia do interesse público: desconstrução ou reconstrução?

174 Iuri Mattos de Carvalho. O princípio da supremacia do interesse público sobre o privado: parâmetros para uma reconstrução. Revista Diálogo Jurídico, n. 16, Salvador, maio-jun.-jul.-ago. 2007. Disponível em <http://www.direitopublico.com.br>.

81 Em ampla medida, pode ser identificado como o interesse do erário, que é o de maximizar a arrecadação e minimizar as despesas.175

Contudo, como bem pondera Celso Antônio Bandeira de Mello, o interesse secundário ―só pode ser validamente perseguido pelo Estado quando coincidente com o

interesse público primário‖.176 E continua o ilustre Administrativista, ―por exercerem função, os sujeitos de Administração Pública têm que buscar o atendimento do interesse alheio, qual seja, o da coletividade, e não o interesse de seu próprio organismo, ‗qua tale‘ considerado, e muito menos o dos agentes estatais‖.177

Marçal Justen Filho vai além e critica a própria distinção entre interesses públicos primários e secundários:

O chamado ―interesse secundário‖ (Alessi) ou ―interesse da Administração Pública‖ não é púbico. Ousa-se afirmar que nem ao menos são ―interesses‖, na acepção jurídica do termo. São meras conveniências circunstanciais, alheias ao direito. A tentativa de obter a maior vantagem possível é válida e lícita, observados os limites do direito, apenas para os sujeitos privados. Essa conduta não é admissível para o Estado, que somente está legitimado a atuar para realizar o bem comum e a satisfação geral.178

A propósito, salienta Maria Sylvia Zanella Di Pietro que a defesa do interesse público corresponde ao próprio fim do Estado. ―O Estado tem que defender os interesses

da coletividade. Tem que atuar no sentido de favorecer o bem-estar social. Para esse fim, tem que fazer prevalecer o interesse público em detrimento do individual, nas hipóteses agasalhadas pelo ordenamento jurídico.‖179

Demonstrada, portanto, a diferença entre interesse privado do Estado e o interesse público propriamente dito, não podemos chegar a outra conclusão senão que as prerrogativas da supremacia do interesse público não são manejáveis ao sabor da Administração, porquanto esta jamais dispõe de ―poderes‖, mas sim ―deveres-poderes‖,

175 Luís Roberto Barroso. Prefácio à obra Interesses públicos x interesses privados: desconstruindo

o princípio da supremacia do interesse público.

176 Curso de direito administrativo, p. 96. 177 Idem, p. 96.

178 Curso de direito administrativo, p. 61.

179 O princípio da supremacia do interesse público: sobrevivência diante dos ideais do neoliberalismo,

82 que, nas palavras de Bandeira de Mello, ―não têm por que comparecer além da medida

necessária para o suprimento da finalidade que os justifica‖.180

Ao propor uma execução fiscal, o Estado está agindo de acordo com o interesse público na busca da satisfação de um crédito que lhe é devido. No entanto, uma vez verificado eventual equívoco na cobrança, por exemplo, o Estado não pode prosseguir com a mesma, mas, ao revés, tem o dever de providenciar a correção do erro e, se for o caso, providenciar o próprio cancelamento da certidão de dívida ativa. Como bem observado pelo Ministro João Otávio de Noronha, ―o interesse da Fazenda pública pode ser o de

arrecadar, pode ser o de fiscalizar, pode ser o de melhorar o caixa do governo, mas ele não se sobrepõe ao interesse público‖.181

No documento MESTRADO EM DIREITO SÃO PAULO 2009 (páginas 80-82)