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A caracterização do dano

No documento MESTRADO EM DIREITO SÃO PAULO 2009 (páginas 148-152)

4. BREVE ANÁLISE SOBRE A RESPONSABILIDADE DO ESTADO PELA

4.4 A responsabilidade do Estado pelo ajuizamento de execução fiscal indevida

4.4.1 A caracterização do dano

Ao longo do presente capítulo, vimos que a responsabilidade civil do Estado advém da relação de causalidade verificada entre uma ação (omissiva ou comissiva) do agente estatal e o dano indenizável. Cumpre-nos agora verificar a existência ou não de nexo causal entre o dano patrimonial e/ou moral ocasionado ao executado que tem, contra si, instaurada uma execução fiscal indevida.

A propósito, impende atentar para as considerações de Aparecido Hernani Ferreira: O direito à indenização decorre da conduta ilícita da Fazenda Pública, lesiva do patrimônio, moral ou material, do contribuinte. Como qualquer outra pessoa, o contribuinte tem direito a que a Fazenda Pública seja obediente às leis na relação de tributação. Em outras palavras, tem direito a que a Fazenda Pública não adote na vivência da relação tributária nenhum comportamento contrário ao direito. Se adota, e se daquele comportamento ilícito seu decorre qualquer dano para o contribuinte, tem este o direito à indenização correspondente.336

Com efeito, se os particulares devem ser obedientes à legislação em vigor, com mais propriedade ainda o deve o Estado, tendo em vista, inclusive, o interesse público, que pressupõe o escorreito cumprimento da legislação. Diferente não é com a Fazenda Pública, ao promover a cobrança de créditos tributários, que deve certificar-se da legitimidade do título, bem como da responsabilidade daquele que figura na Certidão de Dívida Ativa. Erros não são permitidos, sob pena de caracterização da responsabilidade civil do Estado. Daí porque observa ainda Aparecido Hernani Ferreira que o Fisco pode provocar danos mesmo quando realiza a cobrança do tributo por meio próprio (execução fiscal), ―pois esse

meio pressupõe a existência efetiva de crédito líquido e certo, de sorte que se é utilizado abusivamente pode esse abuso implicar dano indenizável‖.337

336 Responsabilidade do Estado: reparação por dano moral e patrimonial, p. 194. 337 Idem, p. 194.

149 Um típico exemplo de que o Estado pode vir a causar danos a um contribuinte por meio do ajuizamento de execução fiscal refere-se à cobrança de título nulo ou ainda à responsabilização de pessoa que não possui qualquer relação com o crédito objeto de cobrança. Nessa hipótese, a simples conduta de ajuizar execução fiscal desprovida de título legítimo ou em desfavor de quem não é responsável pelo crédito objeto de cobrança já caracteriza uma ofensa à reputação e bom nome da pessoa (seja ela física ou jurídica). Nesse sentido, aliás, é o posicionamento pacífico do Superior Tribunal de Justiça, conforme se depreende das ementas abaixo transcritas:

INSCRIÇÃO INDEVIDA NO CADIN – DANO MORAL PRESUMIDO – REDUÇÃO DO QUANTUM FIXADO PELO TRIBUNAL.

1. Havendo abstração de tese jurídica, inaplicável o teor da Súmula 7/STJ.

2. A jurisprudência do STJ entende que a inscrição indevida em cadastros de proteção ao crédito, por si só, justifica o pedido de ressarcimento a título de danos morais, tendo em vista a possibilidade de presunção do abalo moral sofrido.

3. Redução do valor fixado pelo Tribunal de origem.

4. Em virtude da situação fática abstraída nos autos faz-se necessária a redução do valor para R$ 5.000,00 (cinco mil reais).

5. Agravo regimental parcialmente provido.

6. Recurso especial conhecido e, no mérito, parcialmente provido.

(AgRg no REsp 690230/PE, rel. Ministra Eliana Calmon, 2.ª Turma, julgado em 08.11.2005, DJ 19.12.2005, p. 346)

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. DANOS MORAIS. ARTIGO 37, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. SÚMULA 83/STJ. INDENIZAÇÃO. SÚMULA 7/STJ.

1. Ação de Reparação de Danos Materiais e Morais ajuizada em desfavor da União, com fulcro nos artigos 37, § 6º, da CF, em face da indevida inscrição do nome do autor na dívida ativa, em cujo bojo restou reconhecida a conduta indevida da Administração Tributária, insindicável nesta Corte (Súmula 07/STJ).

2. O ajuizamento indevido de execução fiscal poderá justificar o pedido de ressarcimento de danos morais, quando ficar provado ter ocorrido abalo moral.

Precedentes: REsp 773.470/PR, DJ 02.03.2007; REsp 974.719/SC, DJ 05.11.2007; REsp 1034434/MA, DJ 04.06.2008.

3. É inadmissível o recurso especial manejado pela alínea 'c' do permissivo constitucional quando a orientação do tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida. (Súmula 83/STJ).

4. Inequívoca a responsabilidade estatal, consoante a legislação infraconstitucional e à luz do art. 37, § 6º, da CF/1988, bem como escorreita a imputação dos danos morais, nos termos assentados pela Corte de origem,

verbis: ―(...) Verificado que contra o autor foi movida ação de execução fiscal para a cobrança do crédito tributário correspondente, em razão da indevida inscrição do seu nome em Dívida ativa, não há como desconsiderar a participação da União no dano causado ao demandante. No caso presente, o autor sofreu não só constrangimento, mas indignação e revolta ante o fato de ter sido processado por inscrição indevida de débito na Dívida ativa. Entendendo-

se que ficou caracterizada a responsabilidade civil da União pelos danos morais causados ao autor, há de se verificar como pode ser compensado pelo fato. (...) Assim, fixo, a título de indenização por danos morais, o valor de R$ 2.500,00, reconhecendo como indevida a indenização por danos materiais, na forma em que estabelecido na sentença, porquanto requereu o autor o ressarcimento decorrente dos prejuízos psíquicos sofridos. (...)‖ 5. A análise acerca da extensão

150 do prejuízo moral causado ao autor, devidamente analisada pela instância a quo para a fixação do quantum indenizatório, resta obstada pelo verbete sumular n. 7/STJ.

6. Recurso especial não conhecido.

(REsp 904330/PB, rel. Ministro Luiz Fux, 1.ª Turma, julgado em 16.10.2008,

DJe 03.11.2008)

ADMINISTRATIVO – INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – AJUIZAMENTO

INDEVIDO DE AÇÃO DE EXECUÇÃO FISCAL – DÉBITO PAGO

ANTECEDENTEMENTE – DANO MORAL PRESUMIDO – ANÁLISE DE

DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL: DESCABIMENTO – VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC – ALEGAÇÕES GENÉRICAS – SÚMULA 284/STF – TESES NÃO PREQUESTIONADAS – SÚMULA 282/STF – VERBA HONORÁRIA – REVISÃO: SÚMULA 7/STJ.

1. Descabe ao STJ, em sede de recurso especial, analisar possível ofensa a dispositivo constitucional.

2. Incide a Súmula 284/STF se o recorrente, a pretexto de violação do art. 535 do CPC, limita-se a fazer alegações genéricas, sem, contudo, indicar com precisão em que consiste a omissão, contradição ou obscuridade do julgado.

3. Considera-se não prequestionadas as teses em relação às quais o Tribunal não emitiu qualquer juízo de valor, aplicado-se o enunciado da Súmula 282/STF.

4. O ajuizamento indevido de execução fiscal poderá justificar o pedido de ressarcimento de danos morais, quando ficar provado ter ocorrido abalo moral. Precedentes que dizem respeito à inscrição indevida em cadastros de proteção ao crédito e a protestos indevidos de título aplicados por analogia.

5. A revisão do quantum fixado a título de verba honorária esbarra no óbice da Súmula 7/STJ.

6. Recurso especial conhecido em parte e, nessa parte, improvido.

(REsp 773470/PR, rel. Ministra Eliana Calmon, 2.ª Turma, julgado em 15.02.2007, DJ 02.03.2007, p. 280 – RDDT vol. 140 p. 127)

A reparação extrapatrimonial de contribuintes submetidos indevidamente ao Cadastro de Inadimplentes também já foi objeto da inteligência doutrinária, deixando inegável que a sujeição ilegítima do contribuinte ao lento e desgastante processo de cobrança tributária é abalo inegável a sua personalidade, na medida em que afeta seu nome, sua reputação. Compassada é a conclusão de Célio Armando Janczeski em trabalho sobre o tema:

Não há dúvidas que o indevido cadastramento gera ofensa ao bom nome, fama, prestígio e reputação da pessoa (física ou jurídica), autorizando o arbitramento de indenização por dano moral, independente de prejuízo material, fixando-se o

quantum mediante prudente arbítrio do juiz. (...) Afinal, o a aforamento do

processo judicial, especialmente a execução fiscal, assim como o irregular registro no Cadin, gera repercussão negativa à pessoa (física ou jurídica), ferindo sua credibilidade e respeitabilidade, abalando sua reputação e imagem, mesmo que não possa trazer prejuízo patrimonial ou prejuízo patrimonial demonstrável.338

Inquestionável, portanto, afigura-se a configuração do dano moral no caso de cobranças indevidas direcionadas ao contribuinte, seja em função da inexistência de dívida,

151 seja pela ilegitimidade do sujeito passivo. Não bastasse, todavia, a existência do dano moral, também o dano material será passível de ocorrência em sede de execução fiscal, caso prevaleça o entendimento de que os embargos à execução fiscal não mais possuem efeito suspensivo automático, com a oposição dos embargos à execução fiscal.

A prevalecer o posicionamento que vem sendo defendido pela Fazenda Nacional e por alguns magistrados, de que, com o advento da Lei 11.382/2006, os embargos à execução fiscal devem ser submetidos à disciplina estatuída pelo seu art. 739-A, e parágrafos, a concessão de efeito suspensivo à mencionada ação estará condicionada à presença de três requisitos, a saber: (i) relevante fundamento; (ii) manifesto perigo de grave dano de difícil ou incerta reparação; e, (iii) garantia da execução.

Partindo desse pressuposto, em não considerando presente algum dos requisitos supra listados, o Juízo da execução pode determinar o prosseguimento da execução fiscal, com a consequente expropriação de bens do suposto devedor, que em um momento posterior, pode vir a ter seus embargos julgados procedentes. Nessa hipótese, inquestionavelmente, restará caracterizado, não só o dano moral, como também o dano material. Agrava a situação o fato de que com o surgimento da Lei 11.382/2006, as alienações realizadas no curso da execução fiscal consideram-se perfeitas e acabadas com a assinatura do auto de arrematação, medida esta criada com o objetivo de proteger o terceiro adquirente de boa-fé.

Por outro lado, cuidando-se de ação de execução fiscal recebida com efeito suspensivo, o dano material será de difícil caracterização, na medida em que embora a penhora tenha se concretizado, não ocorrerá a expropriação do patrimônio do suposto devedor, a ensejar prejuízo material,339 caso a execução venha a ser considerada ilegítima.

Consideremos, a título de exemplo, que o suposto devedor tenha oferecido à penhora um apartamento de sua propriedade que estava locado. Em sendo conferido o efeito suspensivo aos seus embargos, então o executado continuará a receber os alugueres, e a Fazenda terá a garantia de que, ao final da demanda, restando vencedora, terá seu crédito satisfeito. Em não sendo concedido o citado efeito, todavia, antes que seja proferida decisão nos embargos, pode ocorrer de o citado imóvel ser alienado, de modo que, uma vez julgado procedentes seus embargos, o devedor deverá ser ressarcido pelos danos

339 Nesse sentido é o posicionamento de Rogério de Oliveira Souza, no artigo: A responsabilidade do credor pela execução, Revista Doutrina Adcoas, p. 314.

152 emergentes (aí entendendo-se o valor efetivo de avaliação do imóvel e não aquele pelo qual o imóvel foi alienado) e, ainda, pelos lucros cessantes (aluguéis que deixou de receber durante todo esse período).

Tal responsabilidade encontra previsão, inclusive, no próprio Código de Processo Civil, mais precisamente em seu art. 574, de acordo com o qual ―o credor ressarcirá ao devedor os danos que este sofreu, quando a sentença, passada em julgado, declarar inexistente, no todo ou em parte, a obrigação, que deu lugar à execução‖.

4.4.2. A liquidação da obrigação e as dificuldades enfrentadas pelo credor do

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