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SOMATÓRIO 224 fundações

3.4 A expansão da rede civil

Na origem da rede civil, a presença do Estado e da Igreja é uma constante. Nas vilas, implantavam-se estruturas eclesiásticas e civis. As estruturas eclesiásticas eram representadas pela vigararia, irmandades e ordens terceiras. As estruturas civis eram representadas por câmara, judicatura e intendência real do ouro, durante o período colonial (GAIO Sobrinho, 1996, p. 8).

Para o arraial passar a vila em maior título, era necessário apresentar justificativa da necessidade, mediante um rol de ‘qualidades’ e outro rol de ‘problemas a sanar’. Conforme Fonseca (2011):

Rol das qualidades referente a:

-aceitação da hierarquia jurídico administrativa de Portugal; -estrutura fundiária já definida: gestão dos rossios e dos chãos

foreiros;

-já terem construído equipamentos públicos: Intendência, Câmara, Cadeia.

-delimitação inicial do uso do território: direito de utilizar as nascentes, adução de água, chafarizes, caminhos abertos.

O rol dos problemas a sanar referente a:

-dificuldades de acesso à Justiça; -dificuldades de acesso à Administração;

-necessidade de definição de limites dos ‘Concelhos’;

-imprecisão dos ‘confins’ dos territórios jurisdicionais dos ‘Concelhos’.

Tais justificativas deixam entrever o grau de dificuldades administrativas, jurídicas, territoriais, urbanísticas que deveriam ser vencidas até que um arraial tomasse feições de ‘vila’. Mas, em Minas setecentistas, questões de ordem política e econômica, sobretudo, prevaleceram nas decisões de ereção de vilas. Conforme Moraes (2005, p.302)

No caso da vila de Barbacena, além das argumentações apresentadas pelos moradores, João Furtado acrescentou outras motivações, de cunho político e atreladas ao contexto da Inconfidência Mineira, que teriam influído na criação dessa vila, que foi a ultima erigida antes da condenação dos inconfidentes. Coincidência ou não, em seu termo se localizavam as fazendas de José Aires Gomes, Domingos de Abreu Vieira e Francisco de Oliveira Lopes, homens poderosos e influentes na região. Também Joaquim Silvério dos Reis, autor da denúncia, tinha propriedades nesse termo.208 Ao receber o nome de Barbacena, o governador Luís Antônio Furtado de Mendonça não apenas emprestou seu título, mas, sobretudo, reafirmou seu poder, acalmou os ânimos atendendo uma reivindicação antiga de seus moradores e disponibilizando cargos e prestígio para os membros da elite local.

Nota-se, também, que o arraial nascia dentro da estrutura fundiária do regime sesmarial. Cláudia Damasceno Fonseca (2011) explica a origem do termo ‘rossio’: era um terreno amplo e vazio, medindo geralmente meia légua quadrada (corresponde a 9 km²) 209, cujo centro geométrico era usado para construir o pelourinho. A partir do

pelourinho eram lançados o arruamento e as divisões das quadras de ‘casas de vivenda’, a localização das ‘casas de câmara e cadeia’, as ‘casas de comércio’ e outros edifícios importantes.

Tudo que se construísse dentro do ‘rossio’ tinha que ser previamente autorizado pelos representantes do governo metropolitano e ali se pagava, à Coroa, os foros urbanos. Era de praxe que os primeiros moradores que fundassem o arraial fossem isentos de tais foros. Quem morasse no interior do ‘rossio’ podia-se utilizar de pastos com aguada, matos para extrair lenha, nele contidos. No exterior do ‘rossio’, os foros eram pagos à Coroa pelos donos das datas de mineração e os donos das terras de sesmarias, utilizadas para fins agropecuários ou minerários.

Quando um arraial se tornava florescente, passava a pleitear promoção urbana, de arraial para vila. Os arraiais constituíam seu procurador junto ao rei. Um procurador da Colônia era enviado a Lisboa para defender o(s) súdito(s) em “mercês, títulos ou privilégios”. Os procuradores eram constituídos pelos “principais” da Capitania: o “principal” era uma autoridade civil, o governador, procuradores da Fazenda Real,

208FURTADO, João Pinto. O Manto de Penélope; história, mito e memória da Inconfidência

Mineira de 1788-9. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. p. 211. 209 Quando Vila Rica foi criada, originou-

se de um ‘rossio’ demarcado pela Coroa portuguesa. O ‘rossio’ colonial media 9 km². Comparando a área do ‘rossio’ ouropretano com a área central do perímetro da Avenida do Contorno em Belo Horizonte (fundada em 1897), a área dentro do anel da Avenida do Contorno belorizontina mede 10 km² ! Portanto, o ‘rossio’ de Vila Rica guarda uma referência de escala com a área central da nova capital mineira... Ao transferir a capital mineira para Belo Horizonte, o antigo ‘rossio’ de Ouro Preto talvez parecesse oferecer escala condizente para abrigar a nova sede administrativa de Minas Gerais.

ouvidores ou autoridade religiosa, no caso, o bispo. Os procuradores enviavam as petições e requerimentos; ouviam-se as reações das Câmaras Concelhias e as consultas do Conselho Ultramarino.

Essa tramitação burocrática entre Brasil e Portugal nem sempre foi a usual e sofreu profunda alteração em decorrência da dominação napoleônica na Europa, que impôs a fuga de nobres e burocratas portugueses para o Brasil. O Rio de Janeiro já havia alçado à capital desde o período pombalino, mas ainda não se estruturara como capital do país.

Com a transferência da Corte portuguesa (em 1808), o Rio de Janeiro passou a funcionar, de fato, como a capital do Reino de Portugal, transferindo para uma ex- colônia no Ultramar a maior parte do controle burocrático do Império Português, dificultando sobremaneira a condição de gestão metropolitana. A titulação das vilas, nessa fase, gerou processos intrincados, repletos de documentação escrita que hoje se encontra no Arquivo Ultramarino de Lisboa e são importante fonte de pesquisa para análises urbanas, no sentido de compreender a dinâmica do controle do território do Império português.

Os povoados iniciais da comarca nasceram da descoberta de metais preciosos na Corrida do Ouro e foram construídos espontaneamente pelo povo minerador;. Fernão Dias é titulado honorificamente pelos historiadores como o “Fundador de Minas Gerais”, a ele atribuída a fundação, entre 1672 e 1680, dos povoados de Ibituruna, Baependi, Santana do Paraopeba, São João do Sumidouro, Itaverava, Sete Lagoas, Araçuai, Itamarandiba, Itacambira. Destes, os quatro últimos não pertencem à Comarca do Rio das Mortes.

Nos arraiais do ouro, as disposições urbanas seguiram não só a lógica operacional da mineração como também a ‘intuição’ e o desejo de estar numa vida cívica: ali, no povoado, as pessoas não viveriam isoladas, havia comércio, havia, sobretudo, ofícios ligados à mineração, pois quase não havia tempo para cultivar o solo, nem domesticar animais. Face à possibilidade de comerciar alimentos, ao redor dos garimpos e minas foram se organizando negócios agropastoris, em pequenas propriedades, cujo tamanho era limitado e delimitado porque, ali no Rio das Mortes, o objetivo principal da Coroa portuguesa era priorizar o uso do solo para a mineração do ouro.

Ao sabor da intensidade do afloramento do ouro no solo ou nos aluviões e minas, era impositivo se deslocar; conseqüentemente os aglomerados humanos mudavam continuamente de lugar, em geral seguindo uma comprida linha no sopé do barranco,

margeando o vale do ribeiro onde faiscava o ouro de aluvião. Nas Minas, à medida que se descobriam jazidas de ouro e pedras, muitos arraiais “[...] brotaram como por milagre do solo acidentado [...] e (outros tantos) desaparecerem com rapidez semelhante, à medida que o ouro se extinguia e os mineiros iam tentar a sorte em outras áreas” (MAXWELL, 1973, p. 242)210.

A expansão da rede civil na comarca começou com reagrupamentos de antigas áreas formadoras dos primeiros assentamentos humanos mineradores:

A partir das descobertas (de jazidas de ouro e pedras preciosas) na última década do século XVII, por um bom tempo o ouro e as pedras preciosas constituíram a própria razão de ser da região conhecida como as Minas Gerais. A busca desenfreada pelos tesouros escondidos sob a terra conduziu ao surgimento, quase que instantâneo, de uma rede de pequenos e médios centros urbanos, nunca antes vista na América Portuguesa. Hoje em dia, graças à sobrevivência das belas cidades históricas mineiras, considera-se que elas representam o mais importante legado da chamada época do ouro. [...] (LIBBY, 2003, p.3).

Os arraiais mais populosos almejavam receber a titulação de vila. “Um arraial florescente solicitava à Coroa o título de vila” (FONSECA, 2011). Se o arraial conseguisse o título, tornava-se sede de ‘Concelhos’. Não havia muitos ‘Concelhos’ no Brasil setecentista, porque obviamente o poder da sociedade civil era bastante limitado. Consideramos como rede civil da comarca o conjunto das circunscrições administrativas civis mineiras, na Capitania e na Província. A rede civil foi sendo composta, nos séculos XVIII e XIX, por diversas modalidades de atos civis: elevação a vila mediante lei, criação de distrito, desmembramento de parte do distrito sede com incorporação a outra sede, elevação a município, instalação de município, incorporação de povoado ao distrito do município, supressão de município etc.

No século XVIII, os títulos recebidos pelas povoações, que lhes davam posições de destaque na hierarquização urbana, eram decorrentes de disputas de poder no interior da capitania de Minas Gerais e também da influência política junto ao rei de Portugal, bispos e governadores.

A nomenclatura dos atos civis mudou à medida que mudaram também as vinculações administrativas e judiciárias e as vinculações entre Estado e Igreja. Nesta tese, separamos a rede civil da rede judiciária, para fins de aferir mais precisamente a compilação de fundações urbanas na Comarca do Rio das Mortes. Porém, deixamos

210 MAXWELL, Kenneth R. Conflicts and conspiracies: Brazil and Portugal, 1750-1808. Cambridge, 1973, p. 242. Citado por: MENDES Et All. Brasil História- Texto & consulta. São Paulo: Brasiliense, 1979.p.48.

claro que tanto a rede civil como a rede judicial, ambas, sempre foram de competência do Estado. Após a Constituição de 1891, com a criação dos três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), aquilo que classificamos como ‘rede civil’ passou a vinculação com o Executivo e a ‘rede judicial’ passou ao Judiciário.

No decorrer do século XIX, em diante, o governo mineiro tomou medidas progressivas para o aperfeiçoamento de métodos de revisão dos Quadros Territoriais de Minas Gerais. Nesta tese, não nos detivemos na análise da base territorial das nucleações urbanas, pois optamos por uma macro análise da rede urbana no seu todo e não no detalhamento analítico da partição do território da base municipal.

No século XIX, a partir de 1839 começam a valer as leis mineiras. Daí em diante, as criações urbanas deixam de ser por Decreto Imperial e passam a ser por Leis Provinciais do Senado de Minas.

A evolução do regime de terras brasileiro, na mudança das sesmarias para a compra e venda de terras, a partir de meados do Dezenove, está ligada ao processo de modernização do Brasil em meados do Dezenove. As disposições da Lei de Terras (Lei nº 601 de 18 de setembro de 1850) trouxeram reflexos na expansão urbana, especialmente a instituição dos registros de propriedade após a instalação dos tabelionatos e cartórios no Brasil a partir de 1850.

Na rede civil, os atos fundacionais tinham a mesma sistemática em todo o Brasil. Apresentamos o seguinte material, de São Paulo, que se presta para explicar o que eram os procedimentos das fundações urbanas, no âmbito civil.

No processo de subdivisão dos Estados em municípios, conforme o Quadro do Desmembramento Territorial-Administrativo dos Municípios Paulistas do Instituto Histórico-Geográfico de São Paulo (IGC- SP, 1995)211 , verificou-se que, até 1835, no

Brasil vigoraram as Leis Imperiais do Brasil, Leis Imperiais do Reino Unido e Leis Imperiais Extravagantes, em diferentes períodos na Colônia e Reino Unido. A partir de 1835, quando da instalação das Assembléias Legislativas Provinciais, até 1938, a legislação brasileira é sistematizada, quando passam a ser reunidos e publicados, em volumes anuais, todos os diplomas legais por período, organizados, no Brasil todo, por estes assuntos referentes à organização do quadro territorial brasileiro:

211 Ver: SÃO PAULO, Instituto Histórico Geográfico. Quadro do Desmembramento

Territorial- Administrativo dos Municípios Paulistas. São Paulo: IGC, 1995. Disponível em:

memoria.fundap.sp.gov.br/memoriapaulista/...paulista/quadro-do-desmembramento-territorial- administrativo-dos-municípios-paulistas Acessado em: maio, 2015.

• Criação de capela curada, freguesia, vila, distrito de paz, distrito policial (somente quando anterior à criação do distrito de paz), estação ferroviária, município, prefeitura sanitária e estação balneária;

• Transferência de freguesia (distrito), de uma vila (município) para outra, isto é desmembramento de território com respectiva anexação e desanexação;

• Transferência de sede de freguesia (distrito) e vila (município); • Extinção de freguesia (distrito) e vila (município) significando recondução à categoria anterior ou mesmo inicial (povoado);

• Elevação à categoria de cidade; • Alterações de denominação; • Revogações de derrogações.

Esses procedimentos de sistematização do quadro territorial eram de âmbito nacional e também figuram nas fundações civis da Comarca. Vejamos a Tabela 06- Rede civil na Comarca do Rio das Mortes – 1711 a 1891, a seguir, compilado com base em listagens organizadas pelo Cônego Trindade (1945) das freguesias e capelas validadas após 1945 pelo Bispado de Minas Gerais (de 1709 até 1915) e complementadas por informações de Joaquim Menezes (1936), Waldemar de Almeida Barbosa (1995) e Joaquim Ribeiro da Costa (1979).

Tabela 06- Rede civil na comarca- 1711 a 1891

Conjuntura Ondas de expansão Fundações da rede civil Rede civil

(1711-1730) 1ª onda de expansão urbana 6 arraiais, 2 vilas, 1 freguesia civil, 1 registro

Rede civil

(1731-1744) 2ª onda de expansão urbana 1 registro; nenhuma fundação civil na comarca.

Rede civil

(1745-1760) 3ª onda de expansão urbana 2 fundações de vilas; 1 desmembramento, 2 registros

Rede civil

(1761-1807) 4ª onda de expansão urbana 4 fundações de vilas; 1 mudança de denominação; 1 desmembramento., 5 registros

Rede civil

(1808-1849) 5ª onda de expansão urbana 22 fundações de vilas, 1 quilombo, 12 desmembramentos; 1 vila e presídio, 1 município e cidade; 1 município e vila; 3 municípios.

Rede civil

(1850 a 1869) 6ª onda de expansão urbana 2 desmembramentos. 1 distrito. Rede civil:

1870- 1891 7ª onda de expansão urbana 4 desmembramentos, 2 vilas; 1 cidade; 1 cidade e vila; 1 distrito, 2 municípios,