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Posição da Comarca do Rio das Mortes em relação à escala transnacional (ou metropolitana), nacional e regional

CAPÍTULO 2. UMA ANÁLISE REGIONALIZADA DA COMARCA DO RIO DAS MORTES

2.1. Posição da Comarca do Rio das Mortes em relação à escala transnacional (ou metropolitana), nacional e regional

A posição da economia colonial brasileira em relação às escalas local, regional, nacional, transnacional gerou controvérsias no meio acadêmico da pesquisa econômica, tendo configurado duas abordagens opostas. Uma abordagem (do grupo de Caio Prado Junior) se encaminha no sentido de que a economia colonial (mineira, neste caso) tinha o viés de exportadora internacional (primeiro o ouro e depois o café, embora o café não fosse colonial e sim imperial), em oposição a outra abordagem (do grupo de Ciro Flamarion Cardoso)109, no sentido que a produção econômica colonial

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Consideramos o conceito de ‘análise regionalizada’ conforme Dolfus (1973), Cardoso (1979); Cunha e Godoy (2003) em substituição ao conceito de ‘região’. Ciro Flamarion Santana Cardoso (1979), na Fundação Getúlio Vargas em finais dos anos 1970, historiou o uso do conceito de ‘região’, recomendando pensar a ‘região’ como um quadro de análise regionalizada (LINHARES e SILVA, 1995, p.24).

109 Ver: João Luis Fragoso, Homens de grossa aventura: acumulação e hierarquia na praça mercantil do Rio de Janeiro (1790-1830). 2. ed. Rio de janeiro: Civilização Brasileira, 1998. Em sua obra, Fragoso aponta um conjunto de teses tradicionais da USP, Universidade de Campinas (UNICAMP) e UFRJ que são referência em estudos de História Econômica. A base de estudos sobre formação do Brasil contemporâneo credita-se a Caio Prado Junior, Fernando Novais, que pesquisaram a economia colonial (nos anos 1950-60) e depois Wilson Cano, com estudos sobre a formação econômica regional do Brasil. Jacob Gorender e Ciro Flamarion

(mineira) era internacional sim, porém produzia excedente e este era acumulado no Brasil (não ia para a Metrópole), e, ainda, que essa acumulação de capital estava associada ao escravismo (em especial no caso do ouro em Minas). O conhecimento sobre as economias do século XVIII e XIX em Minas Gerais tem se ampliado significativamente110. Hoje é possível um entendimento de variáveis como população,

trabalho, economia, que compõem estudos acadêmicos desenvolvidos nas últimas décadas. No caso específico do estudo da ‘expansão urbana’, interessa pautar a dimensão material (político-econômica) da rede urbana que se construiu no território da comarca em 177 anos, visto que a Comarca do Rio das Mortes configura um ‘território histórico’, com a complexidade de suas dimensões e de sua história político- econômica.

A importância da Comarca do Rio das Mortes se evidencia pela posição de seu contexto urbano dentro de uma escala nacional (na Colônia em relação a Vila Rica e, no Império, em relação ao Rio de Janeiro), ou escala metropolitana, ou transnacional (na Colônia em relação à Metrópole na Europa ibérica, e no Império, em relação aos portos marítimos de exportação cariocas e de Santos). No caso de Minas Gerais, a mineração e o café geraram, em épocas distintas, acumulação de capital e inserção no mercado internacional (PRADO JÚNIOR, 1942). Na escala regional, a vitalidade econômica da Comarca se manteve constante regionalmente, mudando o foco da mineração para o comércio de produtos agropastoris e manufaturados.

Tais escalas guardam relação com o crescimento econômico da Comarca, cuja rede urbana expandiu conforme diferentes raios de ação econômica (DOLFUS, 1973): os raios de ação da mineração do ouro, os raios de ação das rotas comerciais internas e interprovinciais, da economia e subsistência e também da economia mercantil. Lembramos que, embora preponderantemente econômica, a expansão urbana da Comarca obedeceu a outros fatores como os políticos, demográficos, geográficos, religiosos. Aqui nos concentramos em esclarecer sobre a posição da economia da Comarca no contexto das escalas transnacional, nacional e regional.

Cardoso defenderam abordagem diversa do grupo de Caio Prado Jr., no sentido que havia acumulação de capital no Brasil colonial, acumulação esta nascida do escravismo e que o excedente da produção econômica no Brasil não ia para a Metrópole. Ver também: CANO, Willson. Ensaios sobre a formação econômica regional do Brasil. Campinas: Unicamp, 2002.

110 Estudos da UFMG agregaram-se aos estudos da USP, UNICAMP e UFRJ no sentido de aprofundar as dinâmicas socioeconômicas setecentistas e oitocentistas em Minas Gerais. Ver: nas Referências desta tese indicações de pesquisas do Cedeplar, e seu Núcleo de Pesquisa em História Econômica e Demográfica (NPHeD), Fafich / UFMG.

O primeiro posicionamento da Comarca foi na escala transnacional (ou metropolitana, se na Colônia) em razão da mineração do ouro. Em fins do XVII e início do XVIII, o ‘boom’ do ouro e o impacto da notícia do ouro de Minas no mundo gerou uma movimentação mundial, veio gente de todo o mundo, houve fome, houve mortandade por peste, em 1714, e chegou-se a proibir a entrada de forasteiros nas minerações de ouro da comarca111. Diz-se que a comarca teve uma posição relevante

na escala transnacional por ocasião da corrida do ouro em fins do século XVII.

A posição da Comarca na escala nacional derivou da economia da mineração e da economia mercantil. A ‘Minas dos negócios’, como era conhecida Minas Gerais no Brasil e em Portugal, atraiu muitos negócios (minerários, agropastoris, manufaturas, comércio, usura). Em escala nacional, a posição da comarca em Minas e em relação ao Brasil foi estratégica, e lhe conferiu vantagens econômicas no setecentos e no oitocentos. A comarca estava no ‘core’ minerário da Capitania e para ela convergiam as atenções fiscalizadoras da Coroa portuguesa. O controle político e fiscal de Portugal recrudesceu sobre a sociedade mineradora local e a rede urbana instalada em Minas era o lugar onde esse controle se materializava.

Entre 1730 e 1745, não se liberou novas repartições administrativas nas vilas mineiras e nem se autorizou novo desmembramento de territórios nas comarcas. Entrementes, nesse período, a rede eclesial prosseguiu crescendo ininterruptamente, em locais onde, posteriormente, viriam a ser fundadas vilas e instaladas novas sedes de comarcas. Credita-se a paralisação na emancipação político-administrativa das vilas mineiras no segundo quartel do século XVIII ao medo de reação contra a Coroa, diante dos movimentos de contestação ocorridos em Minas entre 1713 e 1746, que levaram à desconfiança do Estado perder o controle político das minerações, diante de tantos motins e movimentos de contestação ao governo.112

111 Ver: COSTA, Iraci Del Nero da. Fundamentos econômicos da ocupação e povoamento de Minas Gerais. Artigo. São Paulo: USP, 2004, p. 42. Del Nero da Costa aponta que depois

das descobertas do ouro em Minas, a Coroa portuguesa tentou evitar que forasteiros de outras nacionalidades viessem extrair riquezas, desconfiança esta que a Coroa dirigia principalmente aos mercadores e aos eclesiásticos. Para tanto, introduziu modificações nas normas reguladoras da mineração através do Regimento dos Superintendentes, guarda-mores e oficiais deputados para as minas de ouro de 19 de abril de 1702.

112 Furtado (2002, p. 187) aponta os seguintes motins e movimentos de contestação entre 1713 e 1746: “[...] os levantamentos de Vila do Carmo (1713); os de Sabará, Vila Nova da Rainha, Vila Rica e, novamente, Vila do Carmo, em 1715; os motins de Catas Altas, entre 1717 e 1718; os motins de Pitangui, entre 1717 e 1720; a rebelião de Vila Rica, em 1720; a sedição do São Francisco, em 1736, e os levantamentos em Campanha do Rio Verde, em 1746, entre outros, confirmam o potencial contestador da povoação mineira desde os primórdios da ocupação”. SOUZA, Laura de Mello e. Norma e conflito: aspectos da História de Minas no século XVIII. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1999. apud FURTADO, J. P. Op. Cit., 2002, p. 187.

A partir de inícios do século XIX, a Comarca do Rio das Mortes reassume importância na escala econômica nacional, quando, em 1808, a família real portuguesa se transferiu com a corte para o Rio de Janeiro. Depois de 1808, as mudanças foram importantíssimas para a Comarca do Rio das Mortes. As rotas comerciais continuaram ativas e aumentaram os negócios com a praça comercial do Rio de Janeiro.

De meados do XIX em diante, Vila Rica perde sua superioridade e os fluxos interprovinciais passam a convergir para a Mata mineira, no vale do Paraibuna e no vale do Paraiba, em direção ao Rio de Janeiro (Resende) e a São Paulo (Areias, Bananal, Lorena). A polarização anterior entre São João Del Rei e Vila Rica era orientada pelos fluxos do comércio de abastecimento da capital mineira.

Após Vila Rica perder a primazia para Juiz de Fora, o fluxo comercial, originado em São João Del Rei, se desloca para a Mata mineira, com polarizações em Juiz de Fora e Mar de Espanha (SOARES, 2009)113, fluxos estes direcionados por redes de

abastecimento voltadas para as praças comerciais das províncias do Rio de Janeiro e São Paulo. Nesse contexto oitocentista, a rede urbana da Comarca é uma permanência, mudou de hierarquias, mas permanece se expandindo. Havia também fluxos de rotas comerciais com Goiás (ANDRADE, 1987)114, orientados na direção da

ferrovia do Oeste Mineiro.

Numa escala regional, da comarca no contexto de Minas Gerais, importam as rotas comerciais internas e interprovinciais, da economia e subsistência e também da economia mercantil. A proximidade da Comarca do Rio das Mortes em relação à Comarca de Vila Rica, que sediava a capital mineira, favoreceu o crescimeno da rede de provimentos, a atração dos fluxos de rotas de comércio, tropas de mulas, direções de imigração e de negócios da mineração do ouro. A Comarca do Rio das Mortes mantinha vínculos de fluxos internos, no século XVIII, principalmente com a parte mais ao sul da Colônia, onde os negociantes de mulas e cavalos buscavam animais para vender nas minerações de ouro e diamantes (CUNHA, SIMÕES e PAULA, 2008, p.22- 23).115

113 Ver: SOARES, Josarlete Magalhães. Das Minas às Gerais: um estudo sobre as origens do processo de formação da rede urbana da Zona da Mata mineira. Belo Horizonte: UFMG, 2009. 114 Ver: ANDRADE, Francisco Eduardo. Poder e capelania na fronteira das Minas Gerais- o sertão do oeste, 1987. Actas do Congresso Internacional Espaço Atlântico de Antigo Regime:

poderes e sociedades. Disponível em: http://cvc.instituto-

camoes.pt/eaar/coloquio/comunicacoes/francisco_eduardo_andrade.pdf.

115 Ver: CUNHA, Alexandre Mendes. SIMÕES, Rodrigo Ferreira. PAULA, João Antônio de. História econômica e regionalização: contribuição a um desafio teórico-metodológico.