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CAPÍTULO 2. UMA ANÁLISE REGIONALIZADA DA COMARCA DO RIO DAS MORTES

2.4 Análise regionalizada de fluxos e rotas

A articulação dos mercados em torno dos negócios da mineração do ouro e pedras, os negócios de transporte de pessoas e de cargas e comercialização de produtos agropecuários e manufaturados impuseram fluxos internos e externos à Comarca do Rio das Mortes e rotas comerciais que analisamos a seguir.

É importante analisar seus fluxos e rotas, cujo território foi intensamente percorrido pelo mercado de abastecimento. Os fluxos e rotas se deram em articulação da economia com a formação do urbano na Comarca. Considerando as transformações estruturais da economia mineira entre 1750 e 1850, período em que a expansão urbana se deslocou do antigo núcleo minerador em direção ao eixo sul do território mineiro. Observa-se na parte sul, no sudeste e sudoeste da comarca em estudo, um aumento da expansão urbana no Dezenove, que entendemos ser decorrente do fortalecimento do mercado de abastecimento intra e interprovincial.

Numa rede urbana, os núcleos urbanos, hierarquizados, são conectados por fluxos. Tais fluxos, na Comarca, foram principalmente direções de deslocamento populacional, ou rotas comerciais. Neste item, analisaremos as três principais rotas que cruzaram mais intensamente seu território e seu potencial de fortalecimento da rede urbana que se instalou do século XVIII ao XIX: a rota das boiadas, a rota das tropas de mulas e a rota do celeiro agrícola.

Conforme Cunha, Simões e Paula (2008, p. 22-23), no século XVIII, três rotas importantes mantiveram vínculos com a capital mineira em Vila Rica: a rota dos

muares (utilizada pelo tropeirismo), proveniente das províncias ao sul do Brasil,

passando por Minas; a rota das boiadas baianas e pernambucanas (foi a rota do gado da Bahia e do Pernambuco), em direção ao lado oeste do Rio São Francisco, conectando a parte oeste da comarca com a Bahia e com Goiás; a rota do celeiro

agrícola, todas as três direcionadas ao abastecimento da região mineradora, entre o

sul da Comarca do Rio das Mortes e Vila Rica e entorno.

Essas três importantes rotas cruzaram o território da Comarca, do século XVIII ao XIX: a rota do São Francisco até confins da Bahia, era a rota das boiadas baianas e

174 Há diferença sutil entre fluxo e rota. Fluxo é a movimentação com uma direção, no espaço. A rota é o caminho sinalizado por onde se desloca. O fluxo pode mudar de direção. A rota é mais constante que o fluxo, se mantém com pequenas variações para ajudar a melhorar o fluxo (nota da autora, 2015). Na Comarca do Rio das Mortes, há que se considerar que os fluxos decorreram de movimentação do capital: o ouro e suas aplicações mudavam de lugar conforme a rentabilidade dos negócios. As ondas de expansão urbana têm relação direta com os fluxos e, portanto, com a movimentação do capital.

pernambucanas que passavam por Pitangui, pelo centro – oeste da Comarca, com uma variante em direção a Goiás, pela trilha das antigas Picadas de Goiás175.

A rota dos tropeiros vindos das minas até o Rio Grande do Sul foi a extensa

rota das tropas de mulas (ou muares), passando pela Mantiqueira, rumo a Sorocaba,

Curitiba e Viamão.

A terceira rota era a do entorno estendido nas minas, as rotas do celeiro

agrícola, as redes de provimento dispersas em variantes nas terras montanhosas do

sul de Minas. Essa terceira rota era a das localidades sem ouro, a rota dos sítios, ranchos e fazendas ao sul da Comarca, com produtos agropecuários e as manufaturas de rapadura, fumo e aguardente (Conforme CUNHA, SIMÕES e PAULA, 2008).

Dentre as principais localidades consideradas o ‘celeiro agrícola’ da Comarca tivemos: Aiuruoca, Alfenas, Arrepiados, Caldas, Campanha, Barbacena, Queluz, Lavras, Pitangui. O sul de Minas era grande produtor de milho, arroz, feijão, fumo, gado, porcos, queijos, carne salgada.

Na Figura 06, mostramos uma vista aérea da região da Serra da Mantiqueira, na divisa entre São Paulo e Minas Gerais, mostrando uma estrada construída sobre os mesmos trajetos de antigos caminhos percorridos por tropeiros no século XVIII em suas longas viagens até o Rio Grande do Sul para trazer cavalos e mulas para as minas de Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso. 176

175 Sobre as Picadas de Goiás, ou Picada de Paracatu a Goiás (séculos XVIII e XIX), destacamos que as trilhas indígenas foram refeitas com novos propósitos. Muitas já existiam e foram melhoradas pelos abridores de caminhos. Ver: ANDRADE, Francisco Eduardo. A Picada de Goiás e as capelanias na Capitania de Minas Gerais. Apresentação no Segundo Encontro de Pesquisadores do Caminho Novo de Minas Gerais. São João Del Rei: 19 a 21 ago. 2011. In: CANTONI, Nilza. Disponível em: http://cantoni.pro.br/blog/2011/08/picada-de-goias/.

176 Em 1733, o português Cristóvão Pereira de Abreu abriu no sertão das Lajes Catarinenses o

Caminho Novo com 400 pontes, ligando Curitiba aos campos gerais de Itapeva, próxima a Sorocaba, para transportar mulas, cavalos e gado vacum. Em Sorocaba, havia a Feira de Sorocaba, onde as tropas de jumentos, muares e cavalos, que vinham dos pampas gaúchos, encontravam-se com as boiadas do nordeste, que desciam do Pernambuco e da Bahia em direção ao sudeste. As tropas de muares e cavalos crioulos invernavam em Sorocaba e seguiam para Vila Rica, atravessando a Serra da Mantiqueira e cruzando o território da Comarca do Rio das Mortes (Ver: Blog do Museu do Tropeiro em Curitiba)

FIGURA 06- Vista aérea da Garganta do Embaú, entre Cruzeiro (São Paulo) e Passa Quatro (Minas Gerais).

Fonte: Blog do município Estrela do Oliveira, 2014.

Do ponto de vista urbano, o tropeiro foi responsável pelo incentivo à abertura da rede viária entre núcleos coloniais, na movimentação do mercado interno de gêneros de sibsistência. Não só abriu, mas manteve vivas as vias de circulação e as rotas do mercado de abastecimento interno nas suas articulações entre núcleos da Capitania de Minas Gerais e também com outras; e posteriormente, já em fins do século XIX, o tropeirismo articulou a entrega de cargas das fazendas às ferrovias do café e à ferrovia do centro-oeste mineiro.

Para movimentar as rotas comerciais e de abastecimento, o trabalho dos tropeiros foi de fundamental importância. Cláudia Maria das Graças Chaves, em sua dissertação de Mestrado defendida em 1995, na Fafich- UFMG, Perfeitos negociantes:

mercadores das Minas setecentistas, (que depois foi editada em forma de livro

homônimo), estuda a atuação dos tropeiros que tornaram possível o transporte de mercadorias para o comércio interno e a circulação de mercadorias importadas da Metrópole.

O tropeirismo foi fundamental para a economia agrícola, a economia mineradora e o mundo do comércio nas Minas setecentistas. Petrone (1973), Chaves (1991. 1995), Brioschi (1991) e Marcondes (2000)177, entre outros, levantaram

177 Ver: PETRONE, Maria Thereza Schorer. 1973, p. 383. O afluxo de gado a Sorocaba e a

importância do caminho sul na década da independência. Revista de História. São Paulo,

v. XLVI, n. 94, ano XXIV, p. 383-406, abr./jun. 1973.

Ver também: SAINT –HILAIRE, Auguste de. Viajando pelas províncias do Rio de Janeiro e

documentação fazendária nas rotas comerciais que levavam às minas os produtos que passavam pelos postos fiscais, nos registros e passagens (alfândegas internas) localizados naqueles caminhos do sudeste brasileiro para evidenciar a dinâmica de produção e de comércio de gado na passagem dos setecentos aos oitocentos.

De meados do século XVIII a inícios do XIX, Minas Gerais tornou-se um dos principais centros abastecedores da região centro-sul brasileira. Os caminhos de rota comercial entre as províncias de Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro se estendiam por uma grande área, cuja articulação entre Sorocaba (São Paulo) e Baependi (Minas Gerais) foi expressiva (PETRONE, 1973, p. 383).178 Conforme Saint-

Hilaire (1976, p. 92) por volta de 1824 “[...] os negociantes da Comarca de São João Del Rei vão comprar (o gado) de criadores nas próprias fazendas de criadores de gado em Franca (interior de São Paulo)”. Essa rota, que foi muito utilizada pelo tropeirismo entre São João Del Rei e as fazendas paulistas de Franca, passava por Baependi, alcançando outras localidades da comarca, como Pouso Alto, Pouso Alegre, Passa Quatro, Cruzília e Campanha.