• Nenhum resultado encontrado

e) A decadência da mineração do ouro e o redirecionamento da mineração na Comarca do Rio das Mortes: novas polarizações

CAPÍTULO 2. UMA ANÁLISE REGIONALIZADA DA COMARCA DO RIO DAS MORTES

2.3. e) A decadência da mineração do ouro e o redirecionamento da mineração na Comarca do Rio das Mortes: novas polarizações

A corrida do ouro minguou em 1760 e o ouro em depósitos superficiais aluvionares já escasso nos primeiros anos do século XIX. Em 1813, Eschwege, de passagem em Vila Rica, registrou que o estado da mineração ali era “lastimável”: de 80 mil escravos que trabalhavam nas minas de Vila Rica restavam 11 mil. (FIGUEIREDO, 2011, p. 324). Os mineradores se endividaram e não conseguiram pagar aos seus devedores pelas ferramentas, maquinário, equipamentos, animais etc. Para proteger os mineradores, o Governo expediu um alvará proibindo os credores de receber dívidas, executar débitos ou penhorar bens de fiança (FIGUEIREDO, 2011). 169Essa medida complicou mais a situação: afugentaram-se os

credores, mas os mineradores mal sucedidos ficaram sem crédito e com fama de ‘caloteiros’. Com o ouro escassenando nas lavras e sem crédito no mercado, a classe dos mineradores tradicionais abandonou a atividade. Foi então que entraram em cena as mineradoras estrangeiras. Detivemo-nos nessas mudanças na mineração da Comarca em razão da necessidade de explicar porque a polarização de São João del Rei em torno do ouro se deslocou para a polarização de Congonhas e Morro Velho, também em função do ouro.

Conforme o capitão Richard F. Burton (1941, p. 160- 161-162-163), membro da Real Sociedade de Geografia inglesa, que visitou a Comarca do Rio das Mortes em 1867-68, explorando as terras altas do Brasil, era absurdo que o Brasil tivesse exportado seus metais preciosos durante um século e meio sem ter guardado ouro para saldar dívidas e para as despesas domésticas. Mais absurdo ainda, Burton apontava que, ao invés de provisionar seu lastro em ouro, o ministro da Fazenda do Brasil. Em 5 de setembro de 1868, iniciasse a emissão de papel moeda:

169 FIGUEIREDO, Lucas. Boa ventura! A corrida do ouro no Brasil (1697-1810). A cobiça que forjou um país, sustentou Portugal e inflamou o mundo. 2.ed. Rio de Janeiro: Record, 2011.

A idade do ouro se acabou em 1864. Durante o último trimestre deste ano, o grande número de ruinosas falências no Rio exigiram medidas excepcionais. O governo deu permissão ao Banco Imperial (e não foi esta a primeira vez), estabelecimento particular como o da Inglaterra, para a emissão, em vez de pagamentos em espécie, de papel moeda de curso forçado, em proporção triplicada ao lastro à sua disposição. [...] no curto prazo de três anos (em 1867) o ouro desapareceu completamente do Império do Ouro e dos Diamantes. [...] a prata é rara [...] O grande lastro é o cobre [...] (De 1868 em diante) o lugar do ouro e da prata está pois ocupado pelas notas de papel.[...] Qualquer metalista no sentido americano da palavra, calculará o resultado dessa ilusória circulação de papel. É fatal à economia. [...] Todos os metalistas concordarão comigo que quanto mais cedo o papel for substituído pelo ouro, tanto melhor (BURTON, 1941, p. 160-63).

A decadência da mineração, no Brasil, coincidiu com o momento de grandes transformações no quadro econômico europeu provocado pela primeira Revolução Industrial inglesa, no final do século XVIII e início do XIX. Além da Inglaterra, também a França, Bélgica, Holanda e Estados Unidos adotaram novo modelo de produção industrial, utilizando o carvão como fonte de energia, o desenvolvimento da máquina a vapor e da locomotiva.

As colônias ibéricas, inclusive o Brasil, sofreram o impacto do aumento da produção industrializada européia e da livre concorrência. A opinão pública na Europa e na América do Norte intensificou as críticas ao sistema colonial português, condenando-lhe os monopólios, repudiando seus tratados de comércio protecionistas ibéricos e, sobretudo, repudiando o trabalho escravo.

Embora a Inglaterra exercesse essas pressões políticas e econômicas sobre Portugal, a nascente industrialização inglesa dependia do metal brasileiro, do ouro para lastro de moeda e principalmente do ferro, para o fabrico das novas máquinas. Os relatórios da Real Academia Inglesa sobre a situação da mineração em Minas Gerais ressaltavam o fim do ouro de aluvião e a necessidade de associações de empresas mineradoras modernas para enfrentar os altos custos da exploração subterrânea (de ouro e de ferro). Antes da mudança da família real para o Brasil, Portugal resolveu alterar a legislação minerária para promover o melhor rendimento das minas:

No dia 13 de maio de 1803, foi editado por Dom João um alvará (o

Alvará de 1803) que estimulava a formação de associações de

mineração visando a exploração das minas. A partir deste alvará é contratado o Engenheiro alemão Wilhelm Ludwig Von Eschwege com a incumbência de dirigir o Real Gabinete de Mineralogia do Rio de Janeiro. Eschwege estudou cientificamente as áreas mineradoras em Minas Gerais (especificamente na Comarca do Rio das Mortes, na região de Congonhas) e introduziu novas técnicas na extração do ouro: “Introduziu baterias de pilões para trabalhar sob lençóis d’água,

verificando o baixo rendimento do cascalho aurífero, empenhou-se na criação de companhias, única saída para trabalhar as jazidas subterrâneas”. (COSTA, 2002, p. 15-16).

Eschwege publicou seus estudos sobre a mineração no Brasil na obra intitulada “Pluto Brasiliensis” (publicado em Berlim em 1833). O Príncipe Regente Dom João já veio para o Brasil com a ideia de criar aqui novas companhias mineradoras. As minas eram, então, regidas pelo Regimento das Datas de 1702. Em São Paulo, a modernização dos negócios ligados à mineração modernizou em 1785, com as metalúgicas de Sorocaba e Ipanema.170 A tentativa de modernização das minerações

de Minas Gerais, Goiás e Bahia veio em seguida (no primeiro quartel do sécuo XIX) e resultou da mudança da legislação minerária no Brasil, mediante a expedição do Alvará de 1813 e das Cartas Régias de 1816 e 1817, recomendando a criação de companhias mineradoras no Brasil com auxílio de máquinas:

No Alvará de 17 de novembro de 1813 Portugal conferia privilégios aos proprietários de trinta escravos. Na Carta Régia de 04 de dezembro de 1816 distribuíam-se datas auríferas a quem solicitasse, na proporção de 33 m² por trabalhador ou escravo livre. A Carta Régia de 16 de janeiro de 1817 aprovou a 1ª Companhia de Mineração de Cuiabá, que estabelecia os estatutos para a sociedade de lavras, era dado novo direcionamento à questão mineral, iniciando um novo ciclo de exploração mineral que iria perdurar até a República Velha. A partir daí, dá-se início à prospecção do ouro privilegiando grupos capitalizados estrangeiros e marginalizando o pequeno proprietário de minas e, conseqüentemente a mão-deobra mineradora. Eschwege torna-se o primeiro a fazer uso desta nova legislação e adquire, em 1819, a Sociedade Mineralógica da Passagem, no local conhecido como Passagem de Mariana, próximo a Vila Rica (MARTINS, 1984, p. 204. apud COSTA, 2002, p. 15-16).

Temendo que o Brasil viesse a falir com a decadência da mineração, D. João atraiu para o Brasil empresas abertas, controladas por acionistas, estrangeiras, majoritariamente inglesas, que passaram a reorganizar a mineração em Minas nos séculos XIX e XX: Imperial Brazilian Mining Association (explorou a Mina de Gongo Seco em Barão de Cocais), Anglo-Brazilian Gold Company (explorou a mina de Morro

170 Em 1785, a mineração no sudeste brasileiro toma novos rumos com as primeiras siderúrgicas paulistas em Sorocaba e Ipanema e as primeiras siderúrgicas de Minas Gerais em Congonhas e Morro do Pilar (atual Intendente Câmara); em 1808 a Carta – Régia de D. João abre os portos do Brasil ao comércio; funda-se o Banco do Brasil em 1808; em 1810 os Tratados Tarifários de Portugal concedem privilégio à Inglaterra em tarifa preferencial reduzida para produtos ingleses, que passam a inundar o mercado português. (IGLÉSIAS, 1976).Começa então o apoio do capital aberto estrangeiro, sobretudo inglês nas novas minerações de Congonhas e do Morro Velho, mudando as polarizações na comarca.

Velho em Nova Lima), Reid, Irving & Company (BARBOSA, 1995, p.242).171 Essas

bases oitocentistas da mineração foram muito importantes no deslocamento dos investimentos da primeira fase de mineração do ouro em Minas, na Colônia, rumo a outros empreendimentos minerários do ferro no Império, que resultariam, no futuro republicano, no século XX, na implantação da siderurgia mineira.

A política minerária de D. João provocou o redirecionamento da mineração no Brasil: passou-se de uma exploração aurífera aluvionar e predatória das jazidas a uma extração mais organizada (em especial do minério de ferro e suas ligas) pela racionalidade econômica maior; sobressaindo-se os investimentos ingleses. A legislação minerária do século XIX não favoreceu o garimpeiro isolado e mudou a situação das minas na Comarca do Rio das Mortes.

Depois do período joanino, quando D. Pedro I decretou a independência do Brasil em relação a Portugal, a situação era crítica: o Brasil encontrava-se extremamente endividado, dependente do capital inglês. A conseqüência destas profundas mudanças na Comarca do Rio das Mortes foi o deslocamento do eixo de desenvolvimento da mineração de São João Del Rei em direção a Congonhas e Nova Lima (Morro Velho), solapando o poder político e econômico da cabeça da Comarca do Rio das Mortes.

Por outro lado, o redirecionamento dos negócios que gravitavam em torno do ouro para o sul de Minas e para a Mata mineira, geraram o crescimento de Juiz de Fora e das fronteiras do café na Mata mineira, contribuindo para outro importante deslocamento de polarização do centro da comarca em direção ao Paraibuna e ao Paraiba. Mais uma vez, a cabeça da Comarca sofreu abalo de prestígio. A Comarca como um todo permaneceu prestigiosa, porém, internamente, houve severos redirecionamentos de polarizações no século XIX.

A Comarca do Rio das Mortes permaneceu como uma exceção de prosperidade, porque seus negócios não decaíram. Mineradores enriquecidos aproveitaram o capital acumulado na mineração para reinvesti-lo na produção agropecuária e no comércio. Consta que “na última geração o Barão de Pitangui (entre 1825 e 1849) fez no comércio uma fortuna de 400.000 libras” (BURTON, 1941, p. 147). Os potentados da mineração adquiriram propriedades rurais na Comarca do Rio das Mortes, tendo se dedicado a culturas variadas (cereais, cana-de-açúcar, fumo, algodão e café). Houve também negociantes que formaram bem sucedidas linhas de

171 Ver: BARBOSA, Waldemar de Almeida. Dicionário histórico-geográfico da Minas Gerais. Belo Horizonte: Itatiaia, 1995.

tropas de muares, e continuaram se dedicando ao transporte de cargas, em novos negócios associados às ferrovias no fim do século XIX.

Depois da mineração começaram a diversificar os negócios: o Brasil passou a exportar (em 1865) para a Europa café, cacau, algodão, tabaco e açúcar. A diversificação resultou bem sucedida nos negócios entre 1790 a 1830. Na passagem do século XVIII ao XIX, os negociantes bem sucedidos da Comarca se tornaram grupos dinâmicos e socialmente poderosos, com forte orientação comercial (FRAGOSO, 1998. SCHWARTZ, 1999.).172 No entanto, depois de 1865, a exportação

brasileira caiu, concentrando-se apenas na força do café, que foi muito importante na economia da Comarca do Rio das Mortes e na sua expansão urbana.

De 1831 a 1870, o café respondia por 50% das exportações do Brasil (para os Estados Unidos, principalmente), gerando uma nova classe social de grande influência política, capaz de criar ferrovias e aparelhar os portos do Rio e de Santos. O negócio do café também motivaria a vinda de trabalhadores assalariados. No transporte do café das fazendas até os portos fluminenses e paulistas, as ferrovias se instalaram com a participação de capitais privados, atraídos e movimentados por notável capacidade empreendedora do Visconde de Mauá, que conseguiu agremiar investimentos de milionários ingleses, nobres franceses, especuladores norte- americanos. As ondas de expansão urbana, na Comarca, tiveram relação direta com a movimentação do capital privado e com a atração de novos negócios minerários e com a transição.

A parte sul da capitania mineira teria se mantido próspera após o declínio do ouro, enquanto (segundo Celso Furtado) a parte norte mineira (Distrito Diamantino)

172 Para aprofundar a investigação sobre a forte orientação comercial da Comarca do Rio das Mortes entre 1790 a 1830, sugerimos o seguinte ponto de partida investigativo: Quando e como o mercado interno ultrapassou o valor movimentado pelos produtos de exportação? Na Comarca havia negociantes que se tornaram poderosos mediante trocas com a praça comercial do Rio de Janeiro. Como comprovar essa força comercial da Comarca? É preciso verificar os negócios e também as propriedades de seus comerciantes poderosos. Os grandes comerciantes que investiram em propriedades rurais o fizeram, grosso modo, de forma registrada e minimamente escriturada. Pelos montantes alcançados pelas transações de propriedades rurais registradas nos tabelionatos é possível aferir a grandeza da economia colonial, na transição do Dezoito ao Dezenove. João Fragoso sugere o estudo da acumulação e hierarquia na praça mercantil do Rio de Janeiro entre 1790 e 1830 e sugere também cotejar a outras fontes de pesquisa como: inventários, testamentos, escrituras de compra e venda, registros em tabelionatos, documentos portuários. Recomendamos, assim, em especial dois autores, Stuart B. Schwartz e João Luis R. Fragoso. Ver: FRAGOSO, J.L.R. Homens de

grossa aventura: acumulação e hierarquia na praça mercantil do Rio de Janeiro: 1790- 1830.

Rio de Janeiro: Record, 1998. Ver também: SCHWARZ, Stuart B. Mentalidades e estruturas

sociais no Brasil Colonial: uma resenha coletiva. Revista Economia e Sociedade. Campinas

teria entrado na, por ele dita, estagnação prolongada173. A conjuntura de “exceção de prosperidade” da Comarca persiste no século Dezenove, com o engendrar de complexas e estratégicas articulações das elites econômicas, políticas e culturais locais da Comarca do Rio das Mortes na política do Estado imperial, rumo à República.

Para complementar a análise regionalizada econômica sobre a relação entre o ouro e a cadeia de dependências na Comarca do Rio das Mortes é útil e necessário agregar abordagens da história agrária, como a de João Luis Ribeiro Fragoso (1983), sobre uma análise regional economia cafeeira do Paraíba do Sul, Rio de Janeiro e também a análise regionalizada da sociedade agrária da Zona da Mata mineira, por Angelo Alves Carrara (1995), estabelecendo que a análise dessa região não aponta um caráter homogêneo, mas a diferenciação de áreas internas na macrorregião. Essa diferenciação intrarregional da Zona da Mata foi também identificada na análise

regionalizada urbanística de Josarlete Magalhães Soares (2009) sobre como se

processou a formação e consolidação da rede urbana da Zona da Mata mineira.

173 O conceito de estagnação prolongada é introduzido por Celso Furtado (1954) a respeito do conjunto da economia e da sociedade do Brasil na primeira metade do Dezenove. Maria Yedda Leite Linhares (1979) discorda de Celso Furtado quanto ao conceito de ‘estagnação prolongada’ porque, após o ouro, no interior do sistema colonial no Brasil (aqui, no sul de Minas) retomou-se a prosperidade mediante a transformação e a superação da crise do sistema colonial mercantilista. Nesse sentido, Linhares concorda com Fernando A. Novais (2006) no sentido que, em Minas, “o declínio do ouro é prenúncio da transição para outro sistema e, assim sendo, não houve estagnação, mas sim transição” de um sistema econômico para outro. A indústria da mineração mudou para o comércio e a produção alimentar. Para entender esses mecanismos de reversão econômica, Maria Yedda sugere, como esquema analítico, estudar textos do historiador francês Pierre Vilar sobre crescimento e desenvolvimento que confronta vários estudos de caso sobre tempo e caducidade de modelos econômicos no mundo capitalista. Conforme Vilar, ao fim do sistema colonial no Brasil, antes do nascimento da indústria no nosso país, “optou-se” pelas importações, consequentemente nossa indústria se manteve sempre débil... In: VILAR, Pierre. Desenvolvimento Econômico e

Análise Histórica. Lisboa: Presença, 1982. Ver também: NOVAIS, Fernando Antônio. Portugal e Brasil na Crise do Antigo Sistema Colonial (1777-1808). São Paulo: Hucitec,

2006. Ver ainda: FURTADO, Celso. A economia brasileira (contribuição à análise do seu desenvolvimento). Rio de Janeiro: Editora A Noite, 1954.