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Análise regionalizada da expansão demográfica

CAPÍTULO 2. UMA ANÁLISE REGIONALIZADA DA COMARCA DO RIO DAS MORTES

2.2 Análise regionalizada da expansão demográfica

Moraes (2006, p. 183), em estudo sobre cartografia histórica, investiga o trabalho de José Joaquim da Rocha, um militar português, que chegou a Minas por volta de 1763116. Ao longo de sua carreira como cabo-de-esquadra do Regimento da

Cavalaria Regular de Minas Gerais, Rocha teve a oportunidade de percorrer e conhecer com profundidade a capitania, desenvolvendo suas habilidades de cartógrafo e de estrategista. Em relação a 1778, Rocha constata o surgimento de novos núcleos. O mapa de Rocha (FIG. 02) aponta também algumas transformações importantes ocorridas na rede urbana,117 indicando o fortalecimento político da

FIGURA 02- José Joaquim da Rocha. Mapa da Capitania de Minas Gerais. 1778. Fonte: Arquivo do Exército, Rio de Janeiro. Reprodução de Tibério França. Disponível em:

http://www.scielo.br/scielo

Comarca do Rio das Mortes, com a elevação de dois arraiais – Campanha (1798) e Queluz (1791) – e de duas freguesias – Tamanduá (atual Itapecerica, em 1789) e

Revista Estudos Econômicos. V.38. N.3. Jul-set., 2008. São Paulo: Estudos Econômicos, 2008.p.22-23.

116 Acerca de estudos anteriores sobre a cartografia de José Joaquim da Rocha ver também: RESENDE, Maria Efigênia Lage de. Mappa da Capitania de Minas Gerais que mandou fazer

o Ilmo. Exmo. Senhor D. Antônio Noronha Governador e Capitão General da mesma Capitania. Artigo. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, 2015. Disponível em: WWW.

bndigital.bn.br Acessado em mai 2015.

Barbacena (1791) – à categoria de vila. As informações registradas por José Joaquim da Rocha são de fins do século XVIII118, constando, em seu mapa, dois núcleos

urbanos na Comarca (São João Del Rei e São José Del Rei).

Desde 1699, figura na cartografia histórica brasileira a representação de alguns dos principais eixos de penetração populacional no ‘sertão’, a exemplo do “Caminho novo do gado”, ao longo do rio São Francisco, e do “Caminho de Garcia Roiz para as Minas”, ligando o Rio de Janeiro às minas do rio das Velhas (MORAES, 2006, p.179)119. A hidrografia é uma referência importante na cartografia histórica120.

A comarca em estudo localizava-se no entroncamento de dois importantes caminhos: o Caminho Velho de São Paulo a Vila Rica e ao Distrito Diamantino e o Caminho Novo entre Vila Rica e o litoral fluminense. Essa posição estratégica atraiu vários fluxos populacionais e de rotas de mercadorias.

No início do século XVIII, conforme já mencionado, houve uma grande expansão populacional para o interior da América Portuguesa devido à descoberta de ouro na chamada “região das minas”. De imediato, a Coroa portuguesa percebeu a necessidade de um alto controle da região, para que se fizesse uma fiscalização rigorosa no fluxo de pessoas, escravos, mulas, cavalos, metais e pedras preciosas. Dessa forma, com a mineração, o povoamento dos sertões da América Portuguesa superou a antiga estrutura de catequização das missões jesuíticas, e a Coroa prosseguiu cumprindo o seu dever de difundir a religião católica em terras brasileiras, criando outros mecanismos de controle da autoridade real sobre as comunidades interioranas na região dos sertões das minas do ouro. A divisão do território mineiro

118 ROCHA, José Joaquim da. Geografia Histórica da Capitania de Minas Gerais; Descrição geográfica, topográfica, histórica e política da Capitania de Minas Gerais. Memória histórica da Capitania de Minas Gerais. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, Centro de Estudos Histórico e Culturais,1995.228p.

119 Ver: MORAES, Fernanda Borges de. Essas miniaturas do mundo: a cartografia histórica e o processo de ocupação do território na América portuguesa. Revista Vivência do Centro de Ciências e Artes (CCHLA) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), n. 29, 2006 p. 163-187. Disponível em: http://www.cchla.ufrn.br/Vivencia/sumarios/.pdf.

120 A hidrografia também foi, ao mesmo tempo, um facilitador e um dificultador do povoamento inicial da Comarca do Rio das Mortes. Os rios facilitavam a orientação de localização no espaço, mas, não havendo como transpô-los, foram empecilho na viagem. A menção aos rios na toponímia da cartografia histórica da Comarca é indicativa da grande quantidade de cursos d’água existente que, por outro lado, impulsionaram a expansão urbana por sua possibilidade de transporte de carga e de pessoas em embarcações leves. Enquanto não havia estradas abertas no terreno virgem, o caminho, seja para adentrar o sertão, quer para retroceder ao litoral, era preferencialmente a rede fluvial navegável. A toponímia das vilas mineiras setecentistas expressa a condição de sua localização em relação à calha de rios: Jacuí (anterior a 1745), Pitangui (1715), Dores do (rio) Turvo (1773), Rio Pomba (1718) e outras.

em comarcas foi o primeiro esboço de regionalização para o território mineiro no Dezoito (CUNHA, 2002).

Laura de Mello e Souza (1995) destaca que “Minas foi a capitania mais urbanizada da Colônia e, simultaneamente, aquela onde o sistema escravista alcançou a maior pujança no século XVIII121 (a questão da escravidão será retomada

posteriormente, em relação ao seu papel no crescimento urbano da Comarca).

O padre italiano Andreoni, sob o pseudônimo de André João Antonil122 viveu na

Bahia e nunca esteve em Minas. Em seu livro Cultura e opulência do Brasil por suas

drogas e minas, do qual restaram alguns poucos exemplares, publicado em 1711 e

proibido e queimado logo depois, Antonil baseou-se em relatos de um secretário do Governador Artur de Sá Menezes123, que esteve em Minas entre 1700 e 1702. Relatou

assim a ‘corrida do ouro’:

A sede insaciável do ouro estimulou a tantos a deixarem suas terras e a meterem-se por caminhos tão ásperos como são os das minas, que dificultosamente se poderá dar conta do número das pessoas que atualmente lá estão. Contudo, os que assistiram nelas nestes últimos anos por largo tempo, e as correram todas, dizem que mais de trinta mil almas se ocupam, umas em catar, e outras em mandar catar nos ribeiros do ouro, e outras em negociar, vendendo e comprando o que se há mister não só para a vida, mas para o regalo, mais que nos portos do mar (ANTONIL, 1997, p.167).

O ‘boom’ da corrida do ouro teve conexão com o fenômeno da expansão urbana da comarca no sentido de ter cravado, no território do Rio das Mortes, uma rede nodal de pequenos arraiais, que permaneceram em maioria, rígidos no tempo, geradores de futuras vilas. Em fases posteriores ao ouro, percebe-se um quadro mais estabilizado da implantação humana na Comarca. João P. Furtado (2002, p.88) alerta para o fato que a tendência do movimento populacional se deslocar da mineração para a lavoura e a pecuária não configurou uma “fuga da mineração” (reforçando estudo pioneiro de Waldemar de Almeida Barbosa, 1971124), até porque “a maioria teimava em manter a

esperança no ouro”, mas antes um redirecionamento de negócios minerários. Os mineradores que puderam redirecionar seus negócios, ao fim do ouro aluvional, na

121 Ver: SOUZA, Laura de Mello e. O diabo e a Terra de Santa Cruz: feitiçaria e religiosidade popular no Brasil Colonial. 5.ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p.264.

122 ANTONIL, André João. Cultura e Opulência do Brasil por suas drogas e minas. Rio de Janeiro: Ed. Itatiaia, 1997. p 167.

123 BRASIL, Ministério da Cultura. BRITO, Octávio Elisio Alves de (Coord.).A demarcação do território brasileiro: o Tratado de Madrid e o mapa das Cortes. Brasília: Minc., 2004.

124 BARBOSA, Waldemar de Almeida. A decadência das Minas e a fuga da mineração. Belo Horizonte: Imprensa UFMG, 1971.

decadência das minas, obtiveram permissão da Coroa para transferir os plantéis de escravos mineradores para atividades agropastoris em fazendas na Comarca do Rio das Mortes 125.

Ainda que a ‘fuga da mineração’ provocasse uma redução populacional nas principais áreas mineradoras de Vila Rica e arredores e do Distrito Diamantino, a população da Capitania de Minas Gerais como um todo, então a mais populosa da colônia, continuava crescendo: de 320.769 habitantes, em 1776, para 492.436, em 1721 (Conforme MAXWELL, 1985, p.300-301, apud MORAES, 2006, p. 183), estimativas que, provavelmente estavam aquém da realidade.

Vejamos, então, uma pequena amostra sobre a evolução populacional de São João Del Rei e São José Del Rei, os dois municípios-pátrios da Comarca do Rio das Mortes. Ressalvamos que as 317 cidades atuais no antigo território da Comarca do Rio das Mortes não derivaram diretamente de São João e São José, porque houve agregação de territórios à parte central da Comarca, como a mata mineira e o oeste na direção das picadas de Goiás. Como já dissemos anteriormente, devemos considerar que, na Comarca, as fronteiras de expansão eram móveis e não há como precisar exatamente quantidades populacionais, anteriormente aos censos oitocentistas.

Analisando a Tabela 01, sobre a população de São João Del Rei e a atual Tiradentes, em 1840, vimos que São João Del Rei nitidamente foi mais populosa que Tiradentes e a população urbana são joanense prepondera sobre a população rural, ao contrário de Tiradentes. Nos dois municípios-pátrios da Comarca do Rio das Mortes, a expansão populacional mostra que, na sua fundação na segunda década do século XVIII, por ocasião da corrida do ouro, acorreram, supostamente, 3000 forasteiros.

125 Confome informações colhidas no site oficial da Prefeitura Municipal de Ubá (2010), mineradores ricos, moradores da região do Calambau (atual Presidente Bernardes), no começo do século XVIII teriam adquirido terras (sesmarias) nos vales dos rios Piranga (na bacia do Rio Doce), e em fins do século XVIII seus familiares iniciaram nova frente de colonização que desceu da região de Vila Rica em direção a Ponte Nova, passando pelo vale do Rio Pomba. “Em 1805, o capitão Mor Antônio Januário Carneiro, natural de Calambau e seu cunhado, comendador José Cesário de Faria Alvim, adquiriram várias sesmarias até então pertencentes ao Município de São João Batista do Presídio, hoje, Visconde do Rio Branco, trazendo suas famílias, escravos e rebanhos. Fundaram, assim, a atual cidade de Ubá.” Ver: UBÁ, Prefeitura Municipal. História e evolução. Site oficial. Ubá: PM Ubá, 2010. Disponível em: WWW.uba.mg.gov.br.

TABELA 01- Distritos dos Municípios-pátrios da Comarca do Rio das Mortes em 1840 com população definida entre urbana e rural

Município Distrito Pop. Urb. Pop. rural Total

São João del Rei

Conceição de Carrancas 859 855 1714

Espírito Santo de Carrancas 290 234 524

Coqueiros 249 1239 1488

Varginha 454 1403 1857

Dores da Boa Esperança 650 3410 4060

Nazarethe 353 1155 1508

Piedade do Rio Grande 341 256 597

Rozario 70 613 683

Sta. Ana do Garunbeo 70 650 720

Onça 79 820 899

S. Gonçalo do Brumado 102 256 358

S. João Nepomuceno 498 2109 2607

S. Miguel do Cajuru 240 704 944

Porto do Rio Grande 33 661 694

Bom Jardim 41 1064 1105

Madre de Deus 123 222 345

Vila de S. João del Rei 3819 214 4033

Total da população em São João de Rei 42090 15865 57955

São José del Rei (Tiradentes)

Lagoa Dourada 509 1660 2169

Bom Sucesso 862 2208 3070

Oliveira 1196 1547 2743

Total da população em São José Del Rei 2567 5415 7982

Total geral da população de São João Del Rei e São José Del Rei

em 1840 44657 21280 65937

Fonte: Cedplar, Rodarte, 1999126

Não se tem registros da quantidade de pessoas que se fixou em São João e em São José no início do Dezoito pois, ao findar o ouro, muitos ali não permaneceram127.

Na Tabela 02 (a seguir), apresentamos uma comparação da situação populacional das cidades em 1840 e em 2010128. Tiradentes permaneceu pequena e

126A fonte utilizada para elaboração deesta tabela foi Mario Marcos Sampaio Rodarte, 1999, a partir dos dados das Listas Nominativas de 1830/ 40. In: O caso das minas que não se esgotaram: a pertinácia do antigo núcleo central minerador na expansão da malha urbana da Minas Gerais oitocentista. Belo Horizonte: UFMG/ CEDEPLAR,1999.

127 Ver: PAIVA, Clotilde Andrade. População e economia nas Minas Gerais do século XIX. Tese de Doutorado em História – Departamento de Ciências Sociais da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo. São Paulo USP, 1996.

Ver também: LOUREIRO, Pedro Mendes. Estrutura fundiária e hierarquia social nas Minas

Gerais oitocentistas. Estudo da apropriação fundiária na província de Minas Gerais segundo

outra metodologia para o tratamento do primeiro cadastro geral de terras do Brasil, os Registros Paroquiais de Terras. Trabalho de Conclusão de Curso para Graduação em Economia – Universidade Federal de Minas Gerais, Programa Especial de Treinamento. Belo Horizonte: Departamento de Ciências Econômicas-UFMG, 2010.

São João Del Rei cresceu 31% em 170 anos (entre 1840 e 2010). Para nossa análise da expansão urbana da Comarca, os dados populacionais são ilustrativos, porém importou-nos analisar o número de cidades nascidas dos dois municípios-pátrios em 177 anos.

TABELA 02- Comparativo da população de São João Del Rei e Tiradentes em 1840 e 2010

Município Pop. Urb.

Pop. Rural

Total Município Pop. Urb.

Pop. Rural

Total

São João Del Rei

(1840)

42090 15865 57955 São José Del Rei

(1840)

2567 5415 7982

São João Del Rei (2010) 79857 4607 84464 Tiradentes (2010) 2305 4656 6961 Fonte de 2010- IBGE

Fonte de 1840- Cedeplar, Rodarte, 1999

Inferimos que, em quase dois séculos, o crescimento populacional da ordem de 30% na cabeça da Comarca foi significativo, mas um terço não é muito se comparado ao ‘boom’ de expansão urbana no início da corrida do ouro. ‘Boom’ populacional é uma situação fora de controle. Posteriormente ao ‘boom’, a tendência demográfica é de decréscimo. Considerou-se, nesta tese, o impacto do crescimento rápido populacional num só lugar. São João cresceu um terço. Se analisarmos Juiz de Fora, outro polo importante, encontramos um crescimento de um quinto’129; contudo não nos

dispusemos a fazer análises intraurbanas populacionais.

Em estudos posteriores, fica a indicação de aprofundamento no sentido de montar um quadro comparativo da evolução populacional urbana dos 317 municípios em 177 anos, especialmente para estudar como foi a evolução do XVIII ao XIX. São João Del Rei e Juiz de Fora são exceções urbanas e, nas demais cidades da

128 Ver: BARROS, Aluísio. Crescimento em São João Del Rei. Gazeta SJDR. Disponível em: Blog saojoadelreitransparente.com.br, 2011.

129 População de Juiz de Fora no século XIX (1853) era de 27.785 habitantes. População de Juiz de Fora em 2010, conforme o IBGE, era de 516.247 habitantes. Juiz de Fora cresceu 19 % em 157 anos.

Comarca, a concentração populacional na zona rural foi forte em ranchos, sítios e fazendas130.