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Consciência ideológica da História: eventos e fatos singulares Durante 177 anos, a expansão urbana na Comarca – em estreita consonância

com as fundações eclesiais, civis e judiciais – nos mostra que as três redes seguiram o ritmo espaço-temporal, às vezes com sucessão temporal (diacronia), outras com simultaneidade temporal (sincronia), e também, com simultaneidade espacial, tal como o vai-e-vem das ondas (por isso optamos pelas ‘ondas de expansão urbana’).

Entendemos que devemos tentar ver a História no seu todo, na totalidade do que passou. A semântica de “evento”, aqui, tem a ver com acontecimentos no passado, que tiveram testemunhos, ou então indícios de terem existido. A semântica de “fato”, aqui, se refere a um enunciado do evento, a uma representação do acontecimento, a algo que se disse a respeito do evento. Fatos nos ajudam a construir uma ligação entre um evento e outro; fatos singulares nos ajudam a aumentar a interação do evento que aconteceu no passado e o evento que veio depois (KOSSELECK, 2006) 225

A consciência dos eventos: houve eventos que provocaram ruptura de um

tempo conjuntural e levaram ao surgimento de outro tempo conjuntural:

 Ca. 1760 – Fim da mineração do ouro na Comarca. Início da ‘ilustração pombalina’. O período pombalino transcorreu de 1760 a 1808, com suas consideráveis mudanças econômicas e políticas para Portugal e suas colônias.

225 Ver: KOSSELECK, Reinhart. Futuro passsado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: Contraponto, 2006.

 1790 – Reforma do Judiciário. Em Portugal, implantou-se a Lei da Reforma das Comarcas, parte do projeto iluminista português de reforma judiciária do Reino, que teve repercussões em Minas no sentido que, enquanto não se concluísse e reforma do sistema judiciário em Portugal, aqui no Brasil não poderia haver nenhuma fundação de novas comarcas. Esse imobilismo se deu no Rio das Mortes, de 1745 até 1808. Nesse espaço de tempo prevaleceu o Direito Eclesiástico, que regeu as fundações da rede eclesial na Comarca.  1808 – Abertura dos portos do Brasil às nações amigas. O evento da mudança

da família real portuguesa para o Rio de Janeiro, em 1808, gerou consequências positivas e importantes para o Brasil, rompendo a conjuntura da Colônia e levando ao surgimento do Império no Brasil. O dinamismo econômico trazido por este evento gerou um novo perfil econômico na província mineira, que incrementou os fluxos entre a Comarca do Rio das Mortes e a rede de abastecimento de mercados vicinais e o suprimento das províncias vizinhas (em especial o Rio de Janeiro).

 1822 – Fim do governo colonial. A emancipação política do Brasil em relação a Portugal. Após a Independência do Brasil em 1822, Portugal perde sua mais importante colônia. No Império e no começo da Primeira República, Minas Gerais foi considerada a ‘Minas dos negócios’, atraindo investidores, redirecionando estrategicamente seus negócios, ora urbanos, ora rurais, ao sabor das mudanças na economia. A Comarca do Rio das Mortes se beneficiou diretamente desses investimentos em fazendas e novos negócios.

 1850 – Modernização brasileira. O fim do regime de terras sesmarial (a Lei de Terras, de 1850). O fim do tráfico de escravos com a Lei Eusébio de Queiroz (1850).

 1870 – Início do Capitalismo industrial. Embriões da protoindustrialização no ocaso do Império alcançam a modernização preparatória do advento da República no Brasil.

 1891 – Separação entre Estado e Igreja: de 1500 a 1891, houve a presença da Igreja católica junto com o Estado, durante o Regime do Padroado. Em 1891, encerra-se o regime do Padroado no Brasil. A Encíclica Rerum Novarum, também de 1891, impulsionou a libertação da Igreja em relação ao Estado. Em 1891, foi extinta a Comarca do Rio das Mortes (que tornou-se, desde então, Comarca de São João Del Rei). Há expansão das fronteiras cafeeiras e das ferrovias do café no sul-sudeste mineiros. A fundação das primeiras companhias têxteis na comarca (1891).

Assim organizamos a identificação de fatos singulares que afetaram a expansão urbana na Comarca:

a ‘Corrida do Ouro’ (1704-1765): gerou o ‘boom’ de arraiais mineradores do ouro na Comarca, que continuaram atraindo população e vieram a se tornar núcleos perenes da rede urbana.

 a Guerra dos Emboabas (1708-1709): gerou a expulsão dos paulistas e sua fixação em Pitangui, gerando ali um núcleo populacional expressivo para o povoamento do centro-oeste da Comarca.

 Os motins e movimentos de contestação entre 1713 e 1746: geraram paralisação na emancipação política das fundações urbanas na Comarca, embora não tenham acontecido em seu território, mesmo assim consideramos que afetaram-na devido ao temor da Coroa diante de movimentos contrários.

João P. Furtado (2002, p. 187) aponta os seguintes motins e movimentos de contestação: os levantamentos de Vila do Carmo (1713); os de Sabará, Vila Nova da Rainha, Vila Rica e, novamente, Vila do Carmo, em 1715; os motins de Catas Altas, entre 1717 e 1718; os motins de Pitangui, entre 1717 e 1720; a rebelião de Vila Rica, em 1720; a sedição do São Francisco, em 1736, e os levantamentos em Campanha do Rio Verde, em 1746, entre outros, confirmam o potencial contestador da povoação mineira.

 a criação do Bispado de Mariana (1745) foi um marco na documentação da reorganização da base territorial das freguesias e paróquias. Antes da criação do Bispado de Minas (em 1745) havia arraiais, ou povoados que ainda não tinham sido reconhecidos administrativamente no campo civil, nem reconhecidos canonicamente. O Bispado de Minas passou a controlar as freguesias e as rendas nelas auferidas. Após o Bispado de Minas, com sede em Mariana assumir a documentação administrativa do quadro territorial do Rio das Mortes, a rede eclesial e a rede civil cresceram imbricadas e a rede eclesial continuou subjacente à base territorial das vilas e distritos. Mais tarde, por sua vez, a base territorial das comarcas seguiu a mesma base das vilas. Na listagem de divisões territoriais e administrativas organizada por Waldemar de Almeida Barbosa (1995) 226 há diversas menções a “fundação anterior a

1745”.

 a Inconfidência Mineira e as devassas subsequentes (1788-1789): a retaliação do Visconde de Barbacena em relação ao Ouvidor da Comarca do Rio das Mortes, Alvarenga Peixoto, culminou na emancipação política das vilas de Barbacena, Queluz e Campanha, que passarama a rivalizar com São João Del Rei na disputa do poder político pela cabeça da Comarca.

 A reforma das comarcas judiciais e o Código Penal de 1830. A regulamentação pelo Código do Processo Criminal no Brasil (1832). A criação do Código Penal forçou a Reforma das Comarcas e começou o processo de desmembramento da Comarca do Rio das Mortes em comarcas menores. O Código Penal do Brasil, em 1830, cria Juizados de Paz nas vilas brasileiras fortalecendo a rede das comarcas judiciais.

PARTE II- Periodização da expansão urbana: construção e discussão das