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A EXPANSÃO DAS REDES ECLESIAL, CIVIL E JUDICIAL

3.1- A forte presença da Igreja

A maior parte das fundações urbanas na Comarca do Rio das Mortes proveio de fundações da rede eclesial. Mas as conexões entre os dados obtidos sobre tais fundações e as da rede civil não são dadas ‘a priori’, ou seja, é preciso um esforço de aproximação entre informações sobre as fundações eclesiais advindas do Bispado de Mariana, do Bispado do Rio de Janeiro, do Bispado de São Paulo e do Bispado do Pernambuco.

Depois, faz-se a correspondência de listagens dos bispados, com as listagens das fundações civis. Comparam-se os nomes antigos das vilas com os nomes atuais e procura-se estabelecer um cruzamento entre o nome do templo religioso que deu origem à vila com a sua denominação civil. Coteja-se a fontes de historiadores que fizeram o levantamento de desmembramentos de termos de vilas; estudam-se as leis de criação dos núcleos urbanos etc.

E conclui-se que as fundações urbanas não se davam ex-nihilo, ou seja, a rede civil se superpunha à rede eclesial e a rede judicial se superpunha à rede civil. As três redes cresceram imbricadas na Comarca, mediante a ação conjunta do Estado e Igreja, durante o regime do Padroado.

Deparamo-nos com as dificuldades de acesso aos sentidos do passado, pois “[...] o mundo se apresenta cifrado. [...] o simbólico obriga a ver além do que é mostrado [...] é uma empresa arriscada buscar significados perdidos no passado”. (PESAVENTO, 2003, p. 119)190 Vamos nos arriscar, portanto, e buscar alguns dessess

sentido do passado: o papel do clero nas fundações urbanas da Comarca. O papel dos leigos nas fundações eclesiais. Papéis trocados? Seja como for, no setecentos e no oitocentos, a Igreja católica teve papel bastante expressivo na fundação da rede urbana da comarca..

Vimos que o Brasil, entre 1500 a 1891, esteve sob o regime do Padroado, que foi confirmado pela Constituição brasileira de 1824 e encerrou-se com a Constituição

190 Ver: PESAVENTO, Sandra Jatahy. História & História Cultural. Belo Horizonte: Autêntica, 2003, p. 119.

de 1891 – portanto, o Padroado brasileiro durou 491 anos, orientado pela Mesa da Consciência e Ordens, regida pelo Direito Canônico. No sistema do Padroado (ROMEIRO e BOTELHO, 2004)191 o rei, como Grão-Mestre da Ordem de Cristo, tinha

a prerrogativa na gestão dos negócios espirituais e eclesiásticos. O que, de certa maneira, teve continuidade mesmo depois de 1824, pois o Imperador podia indicar os cargos eclesiásticos mais importantes (nomeação de bispos, responsáveis pelas dioceses brasileiras e colação de vigários), sob confirmação do Papa.

O dízimo eclesiástico não se confunde com a dízima, imposto civil de um décimo, cobrado no Brasil imperial. O dízimo eclesiástico era o tributo cobrado a favor do rei em função de sua condição de grão-mestre da Ordem de Cristo, concedida pela Santa Sé pelos serviços espirituais de difusão da fé católica no mundo. Em troca, a Fazenda Real pagava as despesas com o culto e a côngrua dos sacerdotes. Os dízimos civis eram pagos pela décima parte da produção dos súditos e colonos.

Dentro do Padroado, o clero recebia proventos do Estado, exercendo algumas funções para auxiliar o governo na administração púbica, como o censo eleitoral da população nos núcleos urbanos e na zona rural e o cadastro territorial das paróquias. O papel dos párocos na definição dos contornos geográficos das freguesias e paróquias teve rebatimentos na organização das informações cadastrais da administração civil lusa, em terras brasileiras. Vejamos porque, segundo Maria Yedda Leite Linhares e outros (1985):

Muito comumente, percebíamos que o raio de ação dos principais núcleos político-administrativos – O cartório e a igreja local – tendiam a convergir, identificando a freguesia como uma unidade administrativa relativamente homogênea. Surgiram, entretanto, problemas: de um lado, a freguesia não se identificava imediatamente com o atual município, sendo, na maioria das vezes, mais ampla, quase como um

supermunicípio, matriz de muitos municípios atuais. Por outro

lado, a unidade de medição e controle mudara, entre 1920 e 1940, de forma acentuada e sem qualquer esforço de clarificação. Um exemplo típico: os censos de 1872, 1890, 1900 e 1920. Assim, cabia inicialmente ao historiador reagrupar as antigas áreas formadoras dos pontos de dispersão e, a partir daí, optar pelo melhor recorte possível de sua região. De outro lado, mesmo a origem comum de grandes áreas não garantia de maneira alguma uma proximidade e relevância de agrupamento de pesquisa; [...] .

191 ROMEIRO, Adriana. BOTELHO, Angela Vianna. Dicionário Histórico das Minas Gerais. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.

Linhares e Silva (1985)192 prosseguem que a conciliação entre as fronteiras

administrativas da vida presente e aquelas do nosso passado colonial é ainda nebulosa. No Brasil colonial, ‘região eclesiástica’ frequentemente se confundia com ‘região administrativa civil’. Essa “confusão” pode ser lida como “imbricação”, como superposição de atribuições... As unidades administrativas do território da Colônia, do Império e as da República Velha carecem de uma sistematização em relação às freguesias e paróquias e os municípios delas decorrentes.

Nos séculos XVIII e XIX, foi importante o papel das irmandades em todas as comarcas no tocante ao apoio na administração da vila ou cidade, na colaboração material para manter os templos religiosos e nas ações assistenciais da Igreja. As irmandades eram associações de leigos, muito bem organizadas, podendo ser ‘irmandade devocional secular’ (confirmada pela Coroa, fiscalizada pela Justiça secular), ou ‘irmandade eclesiástica’ (confirmada pela Igreja, fiscalizada por autoridade eclesiástica).

Conforme as possibilidades financeiras, os membros de irmandades cooperavam na construção, manutenção e decoração dos templos religiosos na Comarca do Rio das Mortes. As irmandades alojadas dentro de uma igreja matriz tinham direito a uma cota de sepultamentos dentro e fora da igreja. Conforme o caso, as irmandades mantinham um capelão na capela da irmandade. As irmandades que ajudavam financeiramente nos templos religiosos eram chamadas de “fabriqueiras” das igrejas da vila. Por exemplo: a Irmandade do Santíssimo Sacramento era a ‘fabriqueira’ da igreja-matriz e capelas de Tiradentes, financiou a compra dos sinos, pagou ourives habilitados para confecção das alfaias em prata, comprou os paramentos litúrgicos etc. Em São João Del Rei, a Igreja de São Francisco, a Igreja do Carmo, Igreja matriz do Pilar e as duas pontes, da Cadeia e do Rosário foram financiadas por fabriqueiras. A fabriqueira das torres da Matriz do Pilar de São João Del Rei foram as Ordens Terceiras de São Francisco e a do Carmo (ver FIG. 08).

192 LINHARES, Maria Yedda L. SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. Região e história Agrária. Artigo. In: Revista Estudos Históricos. V. 8. N.15. Rio de Janeiro: REH, 1995.

São João Del Rei-

Igreja do Carmo São João Del Rei- Matriz do Pilar

São João Del Rei- Igreja de São

Francisco

São José del Rei- Capela

São João Del Rei-

Ponte do Rosário São João Del Rei- Ponte da Cadeia FIGURA 08: Igrejas e pontes da Comarca do Rio das

Mortes

FONTE: Fotos da autora, 2015

.

A história da Igreja na América Portuguesa é densa. O passado eclesiástico encontra-se imbricado à História do Brasil. As prelazias, os bispados, o sistema paroquial, provincial, arquidiocesano, as congregações, as ordens primeiras e segundas, as ordens terceiras, as irmandades e sociedades religiosas são fundamentais na organização social brasileira. Na Comarca do Rio das Mortes, não houve ordens primeiras e segundas, houve somente ordens terceiras.

Dos vários autores que se dedicam à obra histórica da Igreja Católica no Brasil, citamos como importante referência Dom Oscar de Figueiredo Lustosa193 Conforme

193 LUSTOSA, Oscar Freire de. Breve história da Igreja no Brasil. Disponível em: http://books.google.com.br. ___.Igreja Católica no Brasil República. São Paulo: Edições Loyola, 1991. ___.A Igreja e a política no Brasil. São Paulo: Edições Loyola, 1990. ___.Dom

Dom Lustosa, a presença da Igreja Católica no contexto da Comarca do Rio das Mortes se fez sentir em ações continuadas da prática da evangelização; na instrução; no sistema paroquial; nas ordens terceiras; nas missões indígenas. Houve momentos críticos como a Inquisição em Minas Gerais; houve momentos tensos entre a Igreja Católica e a Maçonaria no Império. Foi muito forte o pensamento humanista da Igreja na formação dos brasileiros. Ainda somos um país em maioria cristão e desde as nossas raízes lusas, as ações eclesiais estiveram imbricadas à nossa bagagem sociocultural, perpassando ações da formação nacional desde a Colônia, ao Império à República. Reforçando, reiteramos que a maior parte das fundações urbanas na Comarca proveio de fundações da rede eclesial. Portanto, para entender a expansão urbana na Comarca do Rio das Mortes é fundamental entender sobre o seu passado eclesiástico.

A intencionalidade multiplicadora de núcleos urbanos no reino ibérico português era parte do arcabouço do projeto universalista do império dos reis portugueses e do alto clero da Igreja Católica, quando o Papa João XXII (em 1315) atribuíra o patrocínio de solenidades católicas (como a de Corpus Christi entre outras) aos reinos cristãos. Desde a medievalidade cristã européia, Portugal imbricava a presença do Papa, do monarca português e do aspecto devocional das práticas religiosas católicas, em cultos e celebrações realizados no meio urbano. As cidades portuguesas, desde sempre, e no Brasil não foi diferente, traziam subjacente o respeito religioso à ordem: primeiro Deus, em seguida o rei e daí em diante as outras hierarquias.

Portugal trouxe para o Brasil uma sociedade estamental, que se mantinha hieraquizada; cujas diferenças das classes antagônicas se materializavam no urbano. No Brasil, as cidades coloniais plantadas pelos portugueses tinham feição semelhante: a igreja ou capela no meio da praça principal, um cruzeiro dos martírios levantado no largo vazio, de onde se irradiavam três caminhos-tronco, ladeados de casario baixo. A cidade portuguesa nunca foi a cidade da ágora, mas antes a cidade de uma ‘sociedade de ordens’:

[...] naquela sociedade de ordens, as cores (das Irmandades e Ordens Terceiras) não se misturavam e a mesma procissão, de certa forma, se convertia numa pedagogia subjacente de demonstrar que a ordem devia ser [...] respeitada. Para os colonos, tão distantes da metrópole, o Santíssimo Sacramento [...] representava também a onipresença sagrada de El-Rei, Nosso Senhor, a quem, como ao próprio Deus, se devia todo respeito, vassalagem e obediência. (GAIO Sº, 2008, p.07).

Nesse sentido, do ponto de vista sócio-religioso, a presença da Igreja Católica se fez presente desde a conquista do Brasil e nas suas outras extensões ultramarinas na África, Índia e China (GAIO Sº, 2008). Os núcleos urbanos setecentistas, nas Minas do Ouro, se tornaram cenários da reação conservadora, expressa na riqueza dramática da imaginária barroca, da pomposa escolástica e rituais de devoção teatralizados, eivados de dor e compaixão, piedade e veneração, contritamente ensaiados.

A atuação conjunta do Estado e Igreja continuou após a Constituição Imperial de 1824, tendo permanecido juntas na Regência e no Império. Autoridades religiosas, junto com os camaristas fizeram os primeiros censos de população, assim como as

listas nominativas, por meio das quais se obtinha exata noção do percentual fiscal

arrecadável daqueles que exerciam profissões geradoras de receita.

Em 1891, a Igreja e o Estado se separaram. Separou-se a religião da esfera pública (HABERMAS, 2008). De um lado, a Constituição de 1891 deixou claro que os três poderes governariam o Brasil dali em diante (Executivo, o Legislativo e o Judiciário). Do lado da Igreja, a Encíclica Rerum Novarum (lançada em 1891) marcou a saída da Igreja da função pública: dali em diante a Igreja cuidaria das coisas espirituais e assistenciais. Em fins do século XIX, a função pública brasileira fora laicizada. Daí em diante, a Igreja Católica foi eximida da cobrança do fisco e da coleta de dados censitários pelos governos republicanos.194

No que diz respeito à expansão urbana na Comarca do Rio das Mortes, a maioria das fundações da rede eclesial foi reconhecida na Regência e no Império, especialmente entre 1808 e 1870. No ocaso do Império, entre 1870 e 1891, os títulos de freguesia, curato, paróquia, passaram a importar menos aos munícipes do que os títulos de vila, cidade e município, conferidos pelos camaristas e administradores públicos...

Aos poucos, no fim do século XIX, a religião foi deixando a esfera pública. Passou-se a negar as raízes cristãs da nossa civilização lusitana. Um indício é a mudança de nome de muitas cidades da Comarca, que antes (na Colônia e no

194 Parece tenha contribuído para o afastamento da Igreja nas atividades administrativas de caráter fiscal do Estado, a partir de meados dos anos 1800, o fato histórico da querela dos maçons com o Papa Pio XI, que emitiu a Bula Syllabus (1864) que proibiu os maçons de tomarem comunhão. Os bispos do Rio de Janeiro, de Olinda e de Belém “[...] determinaram o fechamento de todas as irmandades religiosas que se negassem a excluir os maçons de seus associados”. A força política da maçonaria foi direcionada a reagir contra o poder eclesial e, posteriormente, tal confronto contribuiu na crise e queda do Segundo Império.

Império) homenageavam santos devocionais e (na República) passaram a omitir a parte religiosa da sua denominação urbana (Ver a seguir QUADRO 04).

Quando se firmou a República brasileira (ou até antes), muitas das cidades que tinham nomes católicos, e que tiveram fundação eclesial, mudaram a nomenclatura- vejamos alguns exemplos (Ver também Anexo 4- Denominações anteriores).

QUADRO 04- Mudança de nome de municípios mineiros (da antiga Comarca do Rio das Mortes)

Denominação anterior na Comarca Nome oficial atual em 2013

Nossa Senhora da Alagoa Alagoa

São José do Além Paraíba Além Paraíba

São José e Dores dos Alfenas Alfenas

Nossa Senhora da Conceição do Porto da Salvação Andrelândia Nossa Senhora da Piedade da Borda do Campo Barbacena

Santana do Barroso Barroso

Nossa Senhora das Dores do Pântano Boa Esperança

Senhor Bom Jesus da Cana Verde Cana Verde

Arraial de São Cipriano Campanha

São José da Capetinga Capetinga

Santana do Carandaí Carandaí

Nossa Senhora das Carrancas Carrancas

Santa Rita do Meia Pataca Cataguases

Nossa Senhora da Conceição da Barra Conceição da Barra

Nossa Senhora da Conceição do Rio Verde Conceição do Rio Verde Nossa Senhora da Conceição do Campo Alegre dos Carijós Conselheiro Lafaiete

Espírito Santo do Cumquibus Cristina

Santana dos Ferros Ferros

São Bento do Tamanduá Itapecerica

São Carlos do Jacuí Jacuí

Santo Antônio do Juiz de Fora Juiz de Fora

São Sebastião do Feijão Cru Leopoldina

Santo Antônio do Machado Machado

Santana do Livramento Oliveira Fortes

Onça de São João Acima Onça de Pitangui

Santo Antônio do Passa Vinte Passa Vinte

Senhor Bom Jesus dos Passos Passos

Nossa Senhora da Piedade do Rio Grande Piedade do Rio Grande São Sebastião da Boa Esperança do Rodeiro Rodeiro

Viçosa de Santa Rita Viçosa

FONTE: MINAS GERAIS, Governo do Estado. Secretaria de Estado de Ciências, Tecnologia e de Ensino. Instituto de Geociências Aplicadas. 2013.

Por outro lado, a Igreja católica, na passagem do Império à República, evidenciou a preocupação com seus bens seculares culturais, não só por deterem grande valor artístico e histórico, mas também para preservar o patrimônio das edificações religiosas. Conforme Ivo Porto de Menezes (2006, p.20), a partir da República, a Igreja Católica, por orientação do Magistério, procurou revisar o Código de Direito Canônico (promulgado em 1917) no sentido de resguardar, entre os bispos e sacerdotes, o zelo pela Arte Sacra, pela Sagrada Liturgia e dos bens imóveis (igrejas, bibliotecas, museus etc). Assim como as cidades passaram por reformas urbanas no início da República, também os templos religiosos sofreram adaptações de uso à modernização crescente preconizada pela Igreja após 1891, naqueles casos em que houve necessidade de “[...] buscar dar-lhe uma nova destinação, porém sem destino muito diverso do espaço sagrado que abrigava (MENEZES, 2006, p. 56).

3.2- A presença do Estado

As três primeiras comarcas Vila Rica, Sabará e Rio das Mortes foram criadas, em 1714, para implantar a segurança nas regiões mineadoras de Minas. Já na primeira metade do século XVIII, Minas fazia parte de uma imensa e complexa realidade: o Império português, cujas partes interdependiam e se articulavam pelo comércio e pela política fiscal de D. João V – cujo reinado compreendeu o período de 1706 a 1750 –, voltada para o mercantilismo e a política exterior, era, também, uma extensão política da Santa Sé.

Conforme Boxer (2007), o consórcio entre Estado e Igreja, ou por outra, entre a Coroa e o Papado era ‘íntimo e inseparável’. Aquele ouro que se arrecadava em terras mineiras era gasto, em parte, em Roma para comprar títulos, o que permitia a Portugal realizar cerimônias, o reconhecimento das terras portuguesas na América e permissão de práticas missionárias em suas colônias. A ação do fisco da Coroa portuguesa em Minas195 era parte da linha geral da política de Portugal em relação a Roma, ao

Vaticano, às diferentes ordens religiosas, aos bispados. O ouro pago à Santa Sé

[...] não deu ao rei-mineiro apenas títulos vãos e direito a cerimônias que fazia de Lisboa uma réplica de Roma: criando dioceses em Minas e São Paulo, prelazias em Goiás e Cuiabá, o papa reconheceu a legitimidade da posse das terras situadas além do meridiano de Tordesilhas. Se o extremo-oeste é hoje terra brasileira e, não, espanhola como seria interpretação literal de Tordesilhas, isto não é coisa de somenos. (TORRES, s.d., p.65).

195

Quando D. João V resolveu cobrar impostos sobre o ouro de Minas, “[...] a cobrança do Quinto foi objeto de muitos debates entre governadores e procuradores das vilas” do ouro, que funcionavam como ‘parlamentos’ rudimentares. (TORRES, João Camillo de Oliveira. s.d., p.92)

Em inícios dos 1700, vários arraiais se formaram em torno das lavras de ouro são-joanenses; em 1713, o Arraial Novo foi elevado a vila de São João Del Rei (em homenagem a D. João V, então rei de Portugal) e sede da Comarca do Rio das Mortes, na Capitania de São Paulo e Minas do Ouro.

Ao estudar a presença do Estado na expansão urbana da Comarca do Rio das Mortes, não se pode desconectar da História portuguesa, sobretudo o ideário pombalino (1760 a 1808), quanto à sua adesão gradual a alguns preceitos iluministas, como a secularização do governo e a redução do poder político e militar da nobreza. O ouro de Minas Gerais foi empregado por Pombal na reconstrução de Lisboa, destruída pelo terremoto de 1755.

Para maior controle da saída do ouro pelo litoral fluminense, Pombal transferiu a capital do Brasil de Salvador para o Rio de Janeiro, em 1763. Essa proximidade da nova capital brasileira em relação à Comarca do Rio das Mortes colocou a comarca numa posição estratégica, que a tornou capaz de articular a infraestrutura de circulação de riquezas minerais e mercadorias em direção ao litoral, assim como a importação de alimentos das várzeas fluminenses para a zona mineradora.

Depois da mudança da capital para o Rio, intensificou-se o controle sobre as rotas comerciais com a região mineradora e o incremento da fiscalização do antigo

Caminho Novo de Garcia Paes (concluido em 1707), para coibir desvios do ouro,

tendo-se implantado às suas margens registros, pousos, onde desenvolveram-se vários povoados: Simão Pereira; Matias Barboza; Santo Antonio do Paraibuna, hoje Juiz de Fora; João Gomes, hoje Santos Dumont; Aracitaba; Bom Jardim do Tugúrio; Borda do Campo; hoje Barbacena; Paiva; Santana do Deserto; Tabuleiro.

É evidente a importância geopolítica da Comarca do Rio das Mortes, desde o aparelhamento criado pela Coroa com a mineração. O papel político da cabeça de Comarca era expressivo junto ao Rei D. José I. O Ouvidor da Comarca do Rio das Mortes, Alvarenga Peixoto, era protegido do primeiro ministro do rei, o Marquês de Pombal. Tanto prestígio atraiu rivalidades políticas para Alvarenga Peixoto da parte do “[...] visconde de Barbacena, novo governador e capitão-general designado para as Minas em substituição ao [...] governador Luís de Cunha Meneses (1783-8), [...]” (FURTADO, 2002, p. 28), de quem Gonzaga era inimigo. A falência do projeto sedicioso da Inconfidência Mineira (1788-9), a comprovação do envolvimento de Alvarenga Peixoto no movimento e sua condenação, abalaram o prestígio político do Ouvidor perante a Corte portuguesa. Aproveitando-se da situação, o governador

Visconde Barbacena, à revelia do rei, criou, em 1791, as vilas de Barbacena, Campanha e Queluz na Comarca.

No decorrer da tese aprofundaremos sobre a presença do Estado nas fundações urbanas da rede civil, em cuja origem a colaboração entre o Estado e da Igreja foi constante. Muitas vilas criadas na Comarca do Rio das Mortes tiveram, no seu ato fundacional, a mescla de estruturas eclesiásticas e civis.