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A EXPRESSÃO DOS VALORES DAS CARTAS DE LIBERDADES

No documento OS NEGROS EM JACOBINA (BAHIA) NO SÉCULO XIX (páginas 159-169)

A CONQUI STA DA LI BERDADE

3.3 A EXPRESSÃO DOS VALORES DAS CARTAS DE LIBERDADES

Vol t ando às quant i as desembol sadas par a a conqui st a da l i ber dade, as f ont es par a Jacobi na i ndi cam as mesmas car act er í st i cas do que ocor r eu em Mor r o do Chapéu, ou sej a, exi st em di scr epânci as das i mpor t ânci as pagas nas car t as de um mesmo ano e das f ai xas et ár i as e t ambém ent r e el as e out r os conj unt os de f ont es, i ndi cando est ar em em j ogo out r os val or es nas negoci ações, al ém dos monet ár i os.

A af r i cana Benedi ct a, com i dade ent r e 60 e 70 anos, pagou par a conqui st ar sua l i ber dade o val or de 50$000 a seu senhor , Theof i l o da Cunha e Ar aúj o, e a sua esposa Anna Mar i a do Espí r i t o Sant o na car t a r egi st r ada em 05 novembr o de 1857, mas, al ém do val or monet ár i o, el es dei xar am gr af ado, na Car t a de Li ber dade, que t ambém havi am r ecebi do bons ser vi ços da l i ber t anda33.

Não encont r ei , par a o mesmo sexo, ano e f ai xa et ár i a, nenhuma out r a t r ansação nos r egi st r os de compr as, vendas e doações. No ano de 1856, exi st em doi s r egi st r os de homens i dosos com val or médi o de 225$000 r éi s, ou sej a, cer ca de quat r o vezes mai s que o val or pago por Benedi ct a. Na Tabel a el abor ada por Mar i a José de Souza Andr ade, j á ci t ada ant er i or ment e, t ambém não exi st em dados par a o mesmo ano e f ai xa et ár i a, mas o val or médi o apur ado par a o ano de 1856 f oi de 300$000, ou sej a, sei s vezes aquel e desembol sado por Benedi ct a34.

Esse pr eço bem abai xo do mer cado pode ser expl i cado pel os bons ser vi ços pr est ados e pel a ami zade pr ovável const r uí da em vár i os anos de convi vênci a. Tal vez f osse o pecúl i o angar i ado e economi zado por t oda uma vi da, al ém, é cl ar o, de um gr ande capi t al i nvest i do em car i nhos e mi mos aos senhor es.

33 APEBA, Seção: Judi ci ár i o, Li vr os de Not as de Jacobi na, n. 24a, p.

23.

No ano de 1841, em 23 de novembr o, a af r i cana Joanna conqui st ou sua l i ber dade pagando a Mar i a Roza das Mer cês o val or de 100$000 r éi s, que expl i ci t ou na car t a: “ sem nenhuma condi ção”35. O val or médi o encont r ado na Tabel a de Mar i a José

f oi de 320$000 r éi s36 par a a f ai xa et ár i a de “ mai or ” , pr óxi ma

do val or médi o encont r ado por mi m par a mul her adul t a no mesmo ano – 339$666 r éi s; e de 225$000 r éi s, se Joanna f osse consi der ada como “ vel ha” , poi s no r egi st r o não exi st e est a i nf or mação.

A quant i a ef et i vament e paga par a conqui st a de sua l i ber dade f oi i nf er i or a um t er ço da médi a da Tabel a par a Sal vador e t ambém par a Jacobi na, nos r egi st r os de compr as, vendas e doações.

A expl i cação par a i sso não est á na Car t a de Li ber dade, mas nos Regi st r os de Compr as, Vendas e Doações. Nel es, Joanna apar ece em uma negoci ação r egi st r ada em 31 de mar ço de 1841, ent r e o vendedor , senhor Al exandr i no Sat ur ni no do Rego, e Mar i a Roza, compr ador a, que pagou o val or de 100$000 r éi s pel a escr avi zada37, que ser i a l i ber t ada em novembr o do mesmo ano.

Par ece t er havi do al gum t i po de acor do par a pr opi ci ar as condi ções da l i ber t ação, t al vez aquel es oi t o meses de t r abal ho ou nem mesmo i st o, dei xando- se apenas passar o t empo par a

35 APEBA, Seção: Judi ci ár i o, Li vr os de Not as de Jacobi na, n. 13, p.

76v.

36 ANDRADE, Mar i a José de Souza. A mão- de- obr a escr ava. . . , op. ci t . 37 APEBA, Seção: Judi ci ár i o, Li vr os de Not as de Jacobi na, n. 13, p.

l avr ar a Car t a de Li ber dade, após a compr a, t al vez f i ct í ci a. Nesse ano, ai nda não havi a ent r ado em vi gor a l ei que possi bi l i t ava ao escr avo negoci ar sua l i ber dade di r et ament e com seu senhor .

Esses acor dos ent r e pessoas ami gas, conf i dent es e ut i l i t ár i as na conqui st a de l i ber dade f or am possí vei s gr aças aos cont at os pr opi ci ados pel a mobi l i dade da aut onomi a r el at i va conqui st ada no cot i di ano.

Al gumas Car t as de Li ber dade r egi st r adas t r ouxer am expr essa, nos mot i vos da l i ber t ação, a i ndi cação de t er si do consi der ado nas negoci ações da conqui st a de l i ber dade al go mui t o al ém de val or es monet ár i os. Os val or es mui t o menor es daquel es pr at i cados no mer cado, concor r em com mai s f or ça par a est a af i r mação.

O r egi st r o da Car t a de Li ber dade, de 20 de set embr o de 1824, do cr i oul o Boni f áci o, cont ém, expr esso pel o senhor Al exandr e Gonçal ves, o mot i vo da l i ber t ação “ [ . . . ] r ecebeu a met ade de seu val or de 180$000 r éi s que f oi 90$000 r éi s”38.

Em car t a r egi st r ada em 19 de agost o de 1852, passada ao cabr a Vi cent e, Anna Pat r í ci a de Jesus dei xou l avr ado o segui nt e:

[ . . . ] o f or r o pel o val or de 500$000 r , f i cando 250$000 r por esmol a, e pel os bons ser vi ços

38 APEBA, Seção: Judi ci ár i o, Li vr os de Not as de Jacobi na, n. 5, p.

pr est ados, e depoi s de meo f al eci ment o meos her dei r os l he dar ão pr azo o r est ant e do val or .39

A senhor a t oma a met ade do val or na sua t er ça, como pagament o de seus “ bons ser vi ços pr est ados” e o r est ant e da quant i a o escr avi zado pagou após a mor t e da senhor a, j á l i ber t o. Nesses casos, como em out r os, o val or menor expr esso r ef l et e a condi ção da conqui st a da l i ber dade: de ser vi r at é a mor t e do senhor ou out r a pessoa i ndi cada por el e.

No caso da car t a r egi st r ada em 02 de mar ço de 1859, por Josef a Coper t i na dos Rei s Sant os, à cabr a Mar i anna, de ci nqüent a anos, não há nenhuma cl áusul a de ser vi dão e dei xou gr af ado o segui nt e:

[ . . . ] por que est a escr ava j á me t enha pr est ado ser vi ços e agor a me pede á sua l i ber dade of f er t ando- me a quant i a de 100$000 por seo r esgat e, os acei t ei e pr ompt ament e por i sso dando- l he qui t ação da di t a.40

O val or médi o encont r ado por mi m nos Regi st r os de Compr as, Vendas e Doações, par a o mesmo ano f oi de 1. 116$666 r éi s, ou sej a, a senhor a acei t ou um val or menor que 10% do pr at i cado na r egi ão. A f al t a de i ndi cação de bons ser vi ços ou do amor não i mpedi u o “ pr ompt ament e” , t or nando pat ent e a br evi dade das negoci ações e da acei t ação da quant i a. Est a

39 APEBA, Seção: Judi ci ár i o, Li vr os de Not as de Jacobi na, n. 22, p.

1.

40 APEBA, Seção: Judi ci ár i o, Li vr os de Not as de Jacobi na, n. 25, p.

expr essão e o val or mui t o menor suger em uma r el ação de cumpl i ci dade e companhei r i smo f or j ada ao l ongo do t empo e expr essa na car t a pel os val or es monet ár i os menor es. Nest e caso, a r ápi da negoci ação t ambém pode suger i r um péssi mo r el aci onament o, mas a opção da senhor a ser i a a venda, mesmo por val or i nf er i or ao pr at i cado na l i ber t ação.

No mesmo ano de 1859, di a 01 de agost o, f oi r egi st r ada a Car t a da cr i oul a I gnaci a. Seu senhor expr essa t ext ual ment e:

[ . . . ] por del l a t er r ecebi do duzent os mi l r éi s, per doando- l he eu os out r os duzent os mi l r éi s pel os mui t o bons ser vi ços que me t em dado.41

Nest a, a l i ber dade f oi conqui st ada ut i l i zando como est r at égi a os ser vi ços pr est ados com esmer o, f azendo t udo com mui t o cui dado, pr ocur ando at ender aos gost os dos senhor es dur ant e anos, o que f i cou expr esso na car t a: “ bons ser vi ços que me t em dado” . Est a expr essão t ambém par ece t er f unci onado como uma car t a de apr esent ação par a pr est ações de f ut ur os ser vi ços a out r as pessoas.

A cer t i dão ext r aí da dos aut os do i nvent ár i o de Ant oni o de Ol i vei r a Bast os, apr esent ada pel o pr et o Ant oni o, nação Ussa, par a r egi st r ar sua l i ber dade em 19 de dezembr o de 182142,

dest aca as i nt enções de seu ant i go senhor , pr opondo a coar t ação de, al ém de Ant oni o, mai s t r ês escr avi zados pel a

41 APEBA, Seção: Judi ci ár i o, Li vr os de Not as de Jacobi na, n. 25A, p.

39.

42 APEBA, Seção: Judi ci ár i o, Li vr os de Not as de Jacobi na, n. 4, p.

met ade de sua aval i ação dando quat r o anos par a qui t ação de seus val or es. No caso de Ant oni o f oi coar t ado por 60$000 r éi s. Os escr avi zados consegui r am conqui st ar a conf i ança e as vant agens f or am r espei t adas na negoci ação com o t est ament ei r o de seu ant i go senhor .

Ant oni o José Bar boza t ambém expr essa suas mot i vações na car t a r egi st r ada em 03 de set embr o de 1834, r ef er ent e a Ther eza, t r i nt a e quat r o anos, nação Mi na “ [ . . . ] obr ando com t odos os dever es com obedi enci a com seos senhor es [ . . . ] ”43.

Conqui st ou, assi m, sua l i ber dade por 200$000 r éi s, um val or i nf er i or à médi a encont r ada par a Sal vador , na t abel a de Mar i a José de Souza Andr ade – 273$333 r éi s44.

Os bons ser vi ços pr est ados por I zabel , mul at a, a Fel i ppa Roza de Jesus, l he pr opor ci onar am a conqui st a de sua l i ber dade e, ai nda, a de sua f i l ha Vi cênci a, pel o módi co val or de 30$000 r éi s, conf or me a car t a r egi st r ada em 29 de j ul ho de 183745. Nos

r egi st r os de compr as, vendas e doações de Jacobi na, duas escr avi zadas meni nas f or am comer ci al i zadas no ano de 183846,

com val or médi o de 250$000 r éi s, enquant o, na t abel a el abor ada por Mar i a José, a médi a f oi de 177$500 r éi s, par a o mesmo ano e f ai xa et ár i a47.

43 APEBA, Seção: Judi ci ár i o, Li vr os de Not as de Jacobi na, n. 8, p.

23v.

44 ANDRADE, Mar i a José de Souza. A mão- de- obr a escr ava. . . , op. ci t . 45 APEBA, Seção: Judi ci ár i o, Li vr os de Not as de Jacobi na, n. 9, p.

15.

46 APEBA, Seção: Judi ci ár i o, Li vr os de Not as de Jacobi na, n. 9, p.

63; n. 10, p. 27.

Ent r e os “ bons ser vi ços” , pr ovavel ment e est avam pr esent es o guar dar os segr edos, o compar t i l hament o no cui dado dos f i l hos e o companhei r i smo dos di as e anos passados l ado a l ado, enf i m, as t r ocas sent i ment ai s sedi ment adas pel o t empo l ongo das conver sas e t ar ef as r eal i zadas em conj unt o.

As negoci ações t r avadas ent r e I gnaci a Mar i a de Jesus e a mest i ça Mar i anna, r egi st r adas em 20 de abr i l de 1841, t r ouxe, al ém dos 100$000 combi nados par a a conqui st a da l i ber dade pel a escr avi zada, out r as possi bi l i dades de l ei t ur a. A senhor a t i nha consci ênci a da pequena quant i a combi nada, mui t o abai xo da médi a pr at i cada no mer cado, por ém expr essa os bons ser vi ços e ai nda o acer t o f ei t o, pouco comum:

[ . . . ] pel os bons ser vi ços que me t em pr est ado, pr omet o- l he a l i ber dade por 100$000 r éi s soment e, val l endo el l a mui t o mai s[ . . . ] convenci onou- se de t r abal har - me uma semana e duas par a sí at é pagar - me[ . . . ]48

A conqui st a da l i ber dade par ece t er si do di f í ci l , mas acabou por gar ant i r à senhor a a pr est ação de ser vi ços e à ex- escr avi zada a l i ber dade pl ena sem desembol sar qual quer quant i a. A negoci ação par eceu pl enament e f avor ável à l i ber t anda, mas t ambém o er a par a a senhor a passando a não mai s t er r esponsabi l i dades sobr e vest i ment a, abr i go, al i ment ação e saúde de Mar i anna.

48 APEBA, Seção: Judi ci ár i o, Li vr os de Not as de Jacobi na, n. 12, p.

A car t a de al f or r i a, um document o f ei t o pel o senhor ou à sua or dem, expr essava a vont ade do senhor , e, mesmo exi st i ndo uma negoci ação, o senhor cont i nuava com a pr opr i edade. O senhor r eaf i r mava o si st ema pat er nal i st a, poi s el e podi a i mpor sua vont ade e r eaf i r mava a dependênci a de uma pessoa em r el ação à out r a. O escr avi zado dever i a, mesmo depoi s de l i ber t o, pr est ar cer t os ser vi ços ao senhor , e às vezes i st o f i cava f or mal i zado nas car t as.

Na car t a de l i ber dade r egi st r ada no di a 14 de f ever ei r o de 1844, o af r i cano José apr esent a seu document o de conqui st a de l i ber dade, t r azendo um f at o i nusi t ado. Após uma br eve descr i ção f ei t a pel o seu senhor , o Padr e Fr anci sco Gomes de Ar aúj o, f al ando da compr a do escr avi zado na Ci dade da Bahi a, ai nda mol eque em 1824, e dei xando- o f or r o em uma das cl áusul as de seu t est ament o, est e r evel a: “ [ . . . ] mas el l e ant es qui s dar o seo di nhei r o, o val or de 1. 600$000 r éi s”49. O pagament o

monet ár i o par ece t er si do quest ão de honr a par a o af r i cano.

A i mpor t ânci a desembol sada por José é quat r o vezes a médi a encont r a par a a mesma f ai xa et ár i a e ano nos Regi st r os de Compr as, Vendas e Doações, e ci nco vezes a médi a da Tabel a de Mar i a José par a Sal vador . Poder i a o seu senhor est ar passando por di f i cul dades f i nancei r as e t er si do aj udado por José, companhei r o de pel o menos vi nt e anos de convi vênci a.

49 APEBA, Seção: Judi ci ár i o, Li vr os de Not as de Jacobi na, n. 15, p.

Pr ovavel ment e, ent r e um af azer e out r o, o Padr e el ogi ou José, ar gument ando sobr e suas qual i dades e o val or i nest i mável do ser vi çal , abr i ndo al guma possi bi l i dade de negoci ação e da of er t a gener osa de José. A benevol ênci a e a car i dade dever i am ser uma das coi sas ensi nadas ar duament e pel o padr e aos seus escr avos, e nest e moment o José most r ou o apr endi zado. A vont ade e a bondade, car act er í st i cas do pat er nal i smo, i nver t er am- se, nest e caso: José “ qui s dar o seo di nhei r o” .

O pat er nal i smo [ . . . ] f or a capr i chosament e pr eser vado no i nt er i or da r el ação senhor - escr avo – na r eal i dade um est r at agema de cont r ol e senhor i al , mas ut i l i zado pel os escr avos em pr ovei t o pr ópr i o.50

José não f oi o úni co a desembol sar val or mai or que o nor mal , na car t a de l i ber dade r egi st r ada em 25 de set embr o de 1815. Domi ngos José Car dozo, senhor de Romual do, cabr a of i ci al de f er r ei r o, decl ar a:

[ . . . ] o di t o escr avo pagou 296$000 r , di nhei r o que r ecebeu do f al eci do pai do senhor Domi ngos José Car dozo o Tenent e João Chr i sost omo ( e sua mãe é Joanna Bapt i st a d' Agui ar ) .51

A médi a dos val or es das car t as de l i ber dade no ano de 1815, excet uando- se essa em quest ão, f oi de 125$000 r éi s, ou

50 BERTI N, Eni del ce. Al f or r i as na São Paul o do sécul o XI X: l i ber dade

e domi nação. São Paul o: Humani t as: FFLCH/ USP, 2004, p. 20

51 APEBA, Seção: Judi ci ár i o, Li vr os de Not as de Jacobi na, n. 3, p.

sej a, menos da met ade da quant i a r egi st r ada par a a conqui st a de l i ber dade de Romual do.

Às vezes, os aj ust es f or am di f í cei s e obr i gar am os ex- escr avi zados a desembol sar quant i as super i or es àquel as pr at i cadas pel o mer cado na conqui st a da l i ber dade. Quai s f or am as r eai s bases das negoci ações?

Al guns r egi st r os t r ouxer am i ndí ci os da pr esença mui t o mar cant e de vár i as pessoas concor r endo par a a conqui st a da l i ber dade do escr avi zado. I st o não expl i ca t ot al ment e, mas pode ser uma pi st a par a se ent ender os pagament os mui t o aci ma do val or de mer cado pel a conqui st a da t ão sonhada l i ber dade.

No documento OS NEGROS EM JACOBINA (BAHIA) NO SÉCULO XIX (páginas 159-169)