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VONTADES, SENTIMENTOS E SOFRIMENTOS

No documento OS NEGROS EM JACOBINA (BAHIA) NO SÉCULO XIX (páginas 194-200)

AS AUTONOMI AS POSSÍ VEI S

4.3 VONTADES, SENTIMENTOS E SOFRIMENTOS

Em 4 de novembr o de 1875, Joanna Mar i a do Espí r i t o Sanct o compar eceu à pr esença do Jui z Del egado supl ent e em exer cí ci o, Manoel Febr oni o Javal y, par a denunci ar “ Henr i que, escr avo de domí ni o do por t uguez Manoel Joaqui m” , pel o cr i me de def l or ament o comet i do em sua f i l ha, Benedi ct a Mar i a de Jesus24.

Depoi s de r eal i zado o exame de Cor po de Del i t o, pel as par t ei r as Anna Ger t r udes da Concei ção das Neves e Ther eza Mar i a de Jesus, f oi const at ado o def l or ament o. Mas não

24 APEBA, Seção Judi ci ár i o, Pr ocessos Cr i me, Est ant e 4, Cai xa 143,

const at ar am vi ol ênci as no at o, só pel as i nf or mações da of endi da25.

Nos aut os de per gunt as à of endi da, el a cont ou o caso ocor r i do em “ um di a de domi ngo, que no passado f ez oi t o di as” . El a est ava i ndo pegar água na f ont e com seu i r mãozi nho João no Si t i o Angi co onde mor ava, quando f oi

[ . . . ] aggr edi da por Henr i que, escr avo do por t uguez Manoel Joaqui m, e ahi o di t o escr avo agar ando el l a r espondent e ar r ast o- a par a d´ ent r o do mat t o, der r i bando no chão, e d´ el l a se ser vi o a f or ça br ut al di zendo mai s o mesmo escr avo n´ essa ocazi ão que se el l a cr i t asse el l e a mat ava.26

Segundo a of endi da, o i r mão e mai s uma vi zi nha de nome Cândi da t i nham si do as úni cas pessoas t est emunhas do at o, poi s o i r mão f i cou na bei r a da f ont e, j unt o com o pot e, e Cândi da vi u quando saí r am do mat o e a acompanhou at é sua casa, por ém el a não di sse nada do acont eci do par a a mul her27.

O r éu f oi i nt i mado, par a compar ecer no di a 25 de novembr o de 1875, assi m como Ant ôni o José, Cândi da, casada com Lui z cabocl o, Fr anci sca de Si l vi no, Juvênci o de t al , Manoel Bóbó e Manoel Al vez, t odos mor ador es no sí t i o Angi cos, como

25 APEBA, Seção: Judi ci ár i o, sér i e: Li bel o Cí vel , r ef . 4/ 143/ 17, Aut o

de Cor po de Del i t o r eal i zado na of endi da, p. 10.

26 APEBA, Seção: Judi ci ár i o, sér i e: Li bel o Cí vel , r ef . 4/ 143/ 17, Aut o

de Per gunt as f ei t as a of endi da, p. 10v.

27 APEBA, Seção: Judi ci ár i o, sér i e: Li bel o Cí vel , r ef . 4/ 143/ 17, Aut o

t est emunhas. O r éu não compar eceu. Seu senhor nomei a um pr ocur ador , Febr oni o Ser api ão Bent evy, par a r epr esent á- l o no pr ocesso.

A pr i mei r a t est emunha, Manoel Al ves de Souza, de quar ent a anos, l avr ador , sol t ei r o, mor ador no sí t i o Angi cos, di sse:

[ . . . ] que um di a de sábado chegou o r éu mui t o sat i sf ei t o da pr i zão de Pedr o de t al di zendo o mesmo r éo que há um anno que pel ej ava com duas moças, uma j á t i nha se cazado e a out r a Benedi ct a di go e a out r a of f endi da de nome Benedi ct a, f i l ha da quei xoza Joanna [ r endado] , e que agor a é que t i nha venci do, poi s j á t i nha ser vi do por mui t as vezes da di t a meni na.28

O caso chama a at enção, poi s, no depoi ment o, f i cou mar cada a mobi l i dade espaci al de Henr i que, conqui st ada j unt o ao seu senhor ou por obr i gação de suas f unções. No Aut o de Qual i f i cação, em 22/ 12/ 1875, r evel ou ser vaquei r o, al ém di sso, di sse ser f i l ho de Del f i na, t er nasci do na f r eguesi a de Jacobi na, e t er “ vi nt e e set e a vi nt e oi t o anos” . No mesmo at o, como di sse ser escr avo, f oi nomeado Fi br oni o Ser api ão Bent i vy como seu cur ador .29

No mesmo di a, acont eceu o depoi ment o de Cândi da Mar i a do Espí r i t o Sant o, 22 anos, que vi vi a do ser vi ço domést i co, er a

28 APEBA, Seção: Judi ci ár i o, sér i e: Li bel o Cí vel , r ef . 4/ 143/ 17, Aut o

de Per gunt as as t est emunhas, p. 29v.

29 APEBA, Seção: Judi ci ár i o, sér i e: Li bel o Cí vel , r ef . 4/ 143/ 17, Aut o

casada, nat ur al da Fr eguesi a da Vi l a de Jacobi na e r esi dent e no Sí t i o Angi cos. Respondeu:

[ . . . ] que vi ndo de sua r oça com seu mar i do Lui z Bent o de Car val ho, encont r ar a o r éo com Benedi ct a f i l ha de Joanna conver sando na bei r a do r i o do mesmo si t i o Angi cos, não t endo pr ezenci ado o f act o const ant e da quei xa e si m t er ouvi do di zer por sua Avó Ci ci l i a de t al que Benedi ct a hi a par a caza de Henr i que, menos que Henr i que devesse nada a el l a.30

Apesar de di zer vi ver de ser vi ços domést i cos, a t est emunha vi nha da r oça com o mar i do, ou sej a, t ambém aj udava nas at i vi dades agr í col as. É i mpor t ant e t ambém assi nal ar out r os si nai s de aut onomi a na vi da do vaquei r o Henr i que: f azer seus hor ár i os de t r abal ho, t er possi bi l i dade de mor ar em uma casa só sua, const i t ui r f amí l i a. Fi cou evi dent e, no depoi ment o de Cândi da, o mal concei t o at r i buí do a Benedi ct a:

[ . . . ] ouvi o di zer por uma Ti a da of f endi da de nome Joanna que aquel l a não er a mai s honest a, e qu do homem que mor ava na caza del l a de nome Pedr o é quem havi a a of f endi do.31

O cur ador do r éu per cebendo uma br echa por onde poder i a embasar sua def esa, per gunt a se a of endi da e a mãe não mor avam com José Pedr o e se não t i nha si do el e o of ensor de Benedi ct a.

30 APEBA, Seção: Judi ci ár i o, sér i e: Li bel o Cí vel , r ef . 4/ 143/ 17, Aut o

de Per gunt as as t est emunhas, p. 33 e 33v.

31 APEBA, Seção: Judi ci ár i o, sér i e: Li bel o Cí vel , r ef . 4/ 143/ 17, Aut o

A t est emunha decl ar ou “ que sabe pel a boca da t i a e mai s pessoas como bem sej a Joaqui m doce, e João f i l ho de Ant oni o de t al ”32.

A r udeza e br ut al i dade do f at o ocor r i do não i nval i dam as per spect i vas de l ei t ur a das i nf or mações col hi das. Out r as t est emunhas conf i r mam a ver são de Cândi da, e, sobr e a mor al i dade de Benedi ct a: Fr anci sca Roza da Si l va, de t r i nt a anos, conheci da como Fr anci sca de Si bi r i no, vi vendo de l avour a, mor ador a no sí t i o Angi cos; Manoel Fer r ei r a de Souza, t r i nt a e doi s anos, vi vendo de l avour a, sol t ei r o, nat ur al e mor ador do sí t i o Angi cos33.

Ant oni o José de Ol i vei r a, com t r i nt a e set e anos, que vi vi a de l avour a, casado, mor ador do sí t i o Angi cos, nat ur al da Ci dade de Est ânci a, pr oví nci a de Ser gi pe, engr ossou o cal do das aut onomi as de Henr i que. Em seu depoi ment o no di a 28 de dezembr o de 1875, el e decl ar ou:

[ . . . ] est ando em sua caza no si t i o Angi cos no di a 29 de set embr o, pr oxi mo passado, chegar a em sua caza Vi ct or i na amazi a de Henr i que r éo pr ezent e quei xando- se que est e l he t i nha dei t ad par a f ór a de caza, par a dei t ar Benedi ct a of f endi da que o r éo pr ezent e havi a def l or ado.34

32 APEBA, Seção: Judi ci ár i o, sér i e: Li bel o Cí vel , r ef . 4/ 143/ 17, Aut o

de Per gunt as as t est emunhas, p. 34v.

33 APEBA, Seção: Judi ci ár i o, sér i e: Li bel o Cí vel , r ef . 4/ 143/ 17, Aut o

de Per gunt as as t est emunhas, p. 35; p. 36v.

34 APEBA, Seção: Judi ci ár i o, sér i e: Li bel o Cí vel , r ef . 4/ 143/ 17, Aut o

Henr i que j á t i nha const i t uí do f amí l i a e, mai s uma vez, suas vont ades são expr essas, poi s mandou embor a sua ant i ga amási a par a col ocar em seu l ugar uma mul her mai s j ovem.

Juvênci o José dos Sant os, vi nt e e oi t o anos, que vi vi a de l avour a, casado, mor ador no sí t i o Angi cos, nat ur al da f r eguesi a da Vi l a de Jacobi na, t ambém conf i r mou não só os det al hes dos at os de Henr i que e Benedi ct a, poi s t er i a sabi do dest es di r et ament e pel o escr avi zado, como t ambém o i nt er esse de Henr i que em Ci cí l i a, j á casada. Mai s uma vez, as vont ades de Henr i que apar ecem no document o.

Di sse mai s, que no di a em que Henr i que l he cont ar a que t i nha ser vi do da menor Benedi ct a, l he most r ou a ci r ol a chei a de sangue e a pont a da cami za, assi m el l e t est emunha pode acr edi t ar .35

No i nt er r ogat ór i o de Henr i que, no di a 4 de j anei r o de 1876, el e i nf or mou um desent endi ment o com José Pedr o, por est e j á o t er pr endi do a mando do seu senhor , Manoel Joaqui m, e sua sat i sf ação em saber da pr i são, naquel a ocasi ão, de José Pedr o. Por ém est e, em vi ngança, mandou f azer aquel a quei xa cont r a el e. Est e par ece ser um caso de uma br i ga ent r e um escr avi zado e um capi t ão do mat o.

Henr i que, apesar de t er si do pr eso a mando do senhor em uma ocasi ão passada, devi a ser mui t o i mpor t ant e par a os negóci os de Manoel Joaqui m da Si l va, poi s est e mobi l i zou

35 APEBA, Seção: Judi ci ár i o, sér i e: Li bel o Cí vel , r ef . 4/ 143/ 17, Aut o

mui t os r ecur sos par a l i vr ar seu vaquei r o do r i sco de pr i são. Sol i ci t ou novas t est emunhas, f ez uma pet i ção de aj unt ada de uma I nqui r i ção de Test emunhas pr oduzi das pel o j ust i f i cant e, assi nou pessoal ment e of í ci os. Enf i m, cui dou de t odos os det al hes possí vei s par a l i vr ar seu vaquei r o.

Henr i que, por seu t ur no, deve t er - se empenhado par a consegui r convencer suas t est emunhas a se desl ocar em par a Jacobi na e depor a seu f avor . Companhei r os de t r abal ho e vi zi nhos f or am depoent es. Al guns se most r ar am sol i dár i os a Henr i que, out r os apenas r el at ar am o que ouvi r am di zer, bem nos mol des de pr eser vação da cul t ur a or al .

Nos aut os, nenhuma nova i nf or mação f oi acr escent ada. São t r ês novas t est emunhas e, depoi s, mai s t r ês convocações de t est emunhas j á ouvi das, não sendo acr escent ado nada ao pr ocesso.

O caso f oi encer r ado com o despr onunci ament o36 de

Henr i que, em 29 de mar ço de 1876, poi s a mãe de Benedi ct a não consegui u pr ovar a menor i dade da of endi da. Mas o j ui z f ez um despacho chamando a at enção par a o f at o de t er r eal ment e acont eci do um cr i me de est upr o e não de def l or ament o, mas, como não exi st i am as pr ovas de i dade de Benedi ct a, f oi negada i ncl usi ve a apel ação.

36 APEBA, Seção: Judi ci ár i o, sér i e: Li bel o Cí vel , r ef . 4/ 143/ 17, Aut o

No documento OS NEGROS EM JACOBINA (BAHIA) NO SÉCULO XIX (páginas 194-200)